A 43ª Mostra põe o foco no Oriente Médio. O israelense Amos Gitai recebeu o Prêmio Leon Cakoff, o palestino Elia Suleiman, o Humanidade. Amos veio a São Paulo para lançar o livro com as cartas de sua mãe. Por meio delas pensa o país, Israel, e o Oriente Médio. Um amigo da Mostra, e do Brasil, ele via com perplexidade o alinhamento do governo brasileiro com Benjamin Netanyahu, que acaba de sofrer dura derrota, abrindo caminho para que seu rival, Benny Gantz, forme coalizão para governar Israel. “Essa gente (Netanyahu, Donald Trump) não apenas celebra a vulgaridade, mas a ignorância. São contrários à cultura, no que tem de compromisso com a civilização.” As cartas de sua mãe evocam uma outra possibilidade para Israel.

Amos acredita no diálogo. É amigo de Suleiman. Considera importante resistir. Guernica, o célebre quadro inspirado a Pablo Picasso pelo bombardeio da cidade espanhola durante a Guerra Civil, é a prova de que a arte possui uma função memorialística e civilizatória. Abaixo a barbárie. Suleiman trouxe o novo filme, do qual é protagonista, O Paraíso Deve Ser Aqui. Um diretor palestino em Paris e Nova York. Busca patrocínio para o novo filme. O produtor francês nega apoio porque o filme não é suficientemente palestino (como?) nem comercial.

Quem viu O Tempo Que Resta, há dez anos, sabe: Elia Suleiman atravessa seus filmes quase sem falar. Diz uma frase, se tanto, em O Paraíso. Durante todo o tempo, ele olha. É testemunha silenciosa da estupidez e loucura do mundo. Ecos de Buster Keaton, Jacques Tati – numa estrutura livre, episódica, à Otar Iosseliani. Sua mise-en-scène é inventiva (os policiais que tomam medidas do café em Paris, o que é aquilo?) É uma bela homenagem à inteligência do espectador. Suleiman nos convida a fazer seu filme com ele.

E o filme concorre com o brasileiro A Vida Invisível, de Karim Aïnouz, a uma vaga no Oscar. Como a Palestina, que não é reconhecida como país, pode estar no Oscar? Como Gustave Flaubert, sobre a sua Madame Bovary, Suleiman pode dizer: “A Palestina sou eu. A Academia (de Hollywood) me reconheceu como representante do povo palestino ao indicar Intervenção Divina (em 2002)”. Três anos mais tarde, aberto o precedente, a Palestina voltou às indicações com Paradise Now, de Hany Abu-Assad, no ano de Munique, de Steven Spielberg.

Existe essas tentativas de aproximação, mas Suleiman é crítico. “A situação política em Israel me empurrou para o radicalismo. Amos é uma pessoa de bem, mas, infelizmente, quantos Amos existem em Israel? A história dos territórios ocupados é uma violência sem fim. Confesso que cheguei a um ponto em que acredito que o diálogo talvez não seja mais possível.”

Um outro olhar sobre o Oriente Médio é o de Navad Lapid. Um ex-soldado exorciza suas lembranças no Exército israelense, tentando recomeçar a vida em Paris. Acredita na cultura, e a língua de Rimbaud, de Racine representa para ele essa outra possibilidade de que fala Amos Gitai, ao evocar sua mãe. O jovem de Sinônimos, que venceu o Urso de Prata em Berlim, em fevereiro, carrega um dicionário. As palavras lhe interessam – as palavras que Elia Suleiman evita cada vez mais, convencido de que o cinema pode prescindir delas.

O ex-soldado arranja trabalho como segurança. Por um momento, quando ele bate, intensifica-se na tela a violência da qual quer fugir, e que Suleiman denuncia como prática cotidiana nos territórios ocupados). Mesmo quando o diálogo torna-se difícil, no atual estado do mundo, os filmes dialogam na Mostra.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.