O transtorno do espectro autista é caracterizado por dificuldades de comunicação, de interação social, padrões de comportamento repetitivos, entre outros 

Por Gabriela Cupani, da Agência Einstein

Quanto antes o autista souber da sua condição, melhor. Isso é o que acaba de revelar um estudo inédito, que investigou o impacto do momento em que a pessoa recebe seu diagnóstico no bem-estar futuro. A análise mostrou que conhecer a própria situação em uma idade mais jovem leva a mais qualidade de vida na fase adulta.

No caso das crianças, conversar cedo sobre o assunto pode ajudá-las a se entender melhor e a encontrar mais apoio. A pesquisa, publicada no periódico científico Autism, avaliou 78 estudantes universitários portadores do transtorno que falaram sobre como souberam do diagnóstico, como lidaram com isso e como se sentiam sobre suas vidas atualmente.

O transtorno do espectro autista envolve várias condições que afetam o desenvolvimento neurológico e tem diversas gradações. É caracterizado por dificuldades de comunicação, de interação social, padrões de comportamento repetitivos, entre outros. Pode ser classificado como nível 1, 2 ou 3 (leve, moderado ou grave), conforme a necessidade de suporte, e é isso que vai orientar o plano terapêutico individual. Segundo dados do CDC americano (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), atinge uma em cada 44 crianças.

O problema é que como existem poucos exames específicos e o diagnóstico é essencialmente clínico, feito a partir do histórico e da observação, muitos autistas chegam à idade adulta sem saber. “Às vezes pode ser confundido com transtorno do déficit de atenção, ou se acreditar que se trata apenas de uma criança ‘agitada'”, observa o neurologista Erasmo Casella, do Hospital Israelita Albert Einstein. “Costuma-se associá-lo aos quadros graves, pouco funcionais, não verbais. Precisamos desmistificar esses estereótipos”, reforça a pediatra Mariana Granato, também do hospital.

Qual o momento de contar?

Após ouvir o depoimento dos voluntários, os autores sugerem que os pais não esperem os filhos se tornarem adultos para tratar do tema. Uma forma de saber o momento é quando a criança traz questionamentos sobre sua forma de ser ou sobre as dificuldades de interações com os colegas da sala. No entanto, isso deve ser feito levando em conta o nível de entendimento dela. O objetivo é que a informação a ajude a encontrar seu lugar e se reconhecer.

Mesmo aqueles que estão no nível 1 podem apresentar dificuldades de socialização e ter um pensamento muito concreto que dificulta entender ideias abstratas, ironias e piadas. Eles costumam ter um comportamento mais rígido, com dificuldade para sair da rotina, e podem ter alterações sensoriais com desconforto causado por barulhos, texturas ou sabores, por exemplo.

Por isso toda pessoa autista precisa de muito apoio, tanto da família quanto profissional, bem como entendimento da sociedade. Daí a importância de conhecer a condição o quanto antes. “Os adolescentes costumam sofrer bastante porque se sentem diferentes, podem não perceber muito o outro, ou ter fixações e falar sobre um único assunto”, diz Casella. Por isso muitas vezes sofrem bullying ou são taxados de “chatos”.

Por outro lado, o diagnóstico tardio – às vezes na idade adulta – costuma ser recebido como um alívio. “Conhecer a condição traz conforto, diminui a ansiedade”, diz Mariana.  Segundo os pesquisadores, ainda que sejam emoções difíceis de lidar, nunca é tarde demais para se entender melhor.

A deficiência invisível

Daniella do Val, 45 anos, é simpática, falante, articulada, inteligente. Psicóloga, ela é Analista de Inovação Educacional no Hospital Israelita Albert Einstein. Está casada há duas décadas, tem um filho de 11 anos e adora dançar. Se a conversa não lhe interessa, ela simplesmente não presta atenção. Também pode ser bem direta em assuntos espinhosos. Apesar de gostar de música alta, ambientes barulhentos podem gerar uma sobrecarga sensorial. Daniella é autista.

“O som alto não me incomoda. Mas, num lugar com excesso de ruídos, me sinto como uma antena parabólica que ouve e capta tudo.” As pessoas não entendem uma deficiência que não veem. “Se pegamos uma fila ou assento para deficientes somos abordados ou recebemos olhares acusativos. Quando falo sobre minha deficiência, muitos acham que estou mentindo ou dizem: ‘mas é levinho né?’ – e isso é o mais duro.”

Embora encontre-se no nível de suporte 1 do espectro, desde pequena ela sabe que é diferente. Gostava de enfileirar brinquedos e biscoitos, era apaixonada por montar quebra-cabeças, atividade que faz até hoje. Teve seletividade alimentar e atrasos no desenvolvimento da fala e coordenação motora. Isso sem falar nas crises convulsivas quase diárias.

Daniella e sua mãe tiveram a sorte de topar com um médico que identificou o autismo quando ela ainda era pequena, mesmo não sendo um diagnóstico claro nos anos 80, o que permitiu acesso a terapias multiprofissionais e medicamentos para comorbidades desde cedo.

Mas isso não tornou a vida mais fácil na adolescência. “O estigma é muito grande, neguei o diagnóstico, era um tempo em que não se conhecia bem o transtorno.” Buscando se inserir, tentava camuflar sinais do comportamento atípico como movimentos repetitivos com os dedos e balançar o corpo como gangorra.

A reconciliação consigo mesma e com o autismo aconteceu na faculdade, no curso de psicologia. “Comecei a estudar o transtorno, compreendi o que significava ser autista e meu lugar no mundo, e isso foi libertador.” Ela se formou, trabalhou em vários lugares, se casou. “Hoje entendo meus limites, me aceito completamente como sou, o autismo é parte de mim. E, apesar de ainda encontrar preconceito e capacitismo, não sinto vergonha de mostrar como realmente sou”, finaliza.

Fonte: Agência Einstein

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