Neste sábado (20), se comemora o Dia do Amigo. A data foi criada pelo professor de psicologia e filósofo argentino Enrique Ernesto Febbraro, inspirado na chegada do homem à lua, em 20 de julho de 1969. Febbraro acreditava que este feito humano, mais do que uma conquista científica, significava a chance de se fazer amigos. O Dia do Amigo foi instituído, inicialmente, na Argentina, mas logo ganhou outros países. No Uruguai, por exemplo, foi adotado na década de 1970, chegando ao México na década seguinte e, no Brasil, nos anos de 1990.

A música Canção da América, de autoria de Milton Nascimento e Fernando Brant, é considerada, no Brasil, símbolo da amizade, ao afirmar que “Amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves, dentro do coração”. Foi essa a música que Milton cantou na homenagem prestada à sua amiga, a cantora Elis Regina, morta no dia 19 de janeiro de 1982, aos 36 anos.

Relações humanas

Na avaliação da psicóloga Renata Ishida, gerente pedagógica do Laboratório Inteligência de Vida (LIV), estamos vivendo um momento no mundo em que o individualismo e a autossuficiência são muito valorizados e fomentados. “E a gente esquece que o ser humano não se constitui e não sobrevive sozinho. Inclusive os bebês humanos não conseguem sobreviver sem o contato com o outro. A gente precisa, portanto, das relações humanas”, diz. Embora a vida se apresente diferente para cada pessoa, a amizade tem milhões de funções. Uma delas é a gente expandir o nosso repertório. E para a criança, isso é fundamental”.

Na configuração urbana atual, principalmente, o fato de a criança começar a conviver com outras pessoas vai desenvolver nela a possibilidade de comunicação, empatia, pensamento crítico, de criatividade muito maior do que se ela permanecesse só na relação do núcleo familiar. “Conhecer pessoas fora da família faz com que a criança desenvolva várias habilidades, o que é fundamental para a saúde mental”, externou a especialista em criança e adolescência.

Destacou também que na amizade, a hierarquia existente na família se dilui. Há uma horizontalidade que vai desenvolver a autonomia da criança e do adolescente. “Ela vai conseguir desenvolver sua capacidade de argumentação, de estabelecimento de confiança com alguém externo, fora da família, de se defender. Significa que o amigo pode cuidar da criança, mas não é responsável por ela, como ocorre dentro da família”.

A amizade cria também a capacidade de suportar, respeitar e celebrar as diferenças, porque dentro da família, as pessoas pensam de uma forma mais próxima. “Então, ter esse vínculo de amizade leva as crianças a entender que as pessoas são diferentes e nem por isso elas são nossas inimigas, nem são ameaçadoras. A gente pode identificar as diferenças caminhando pelo mundo. Mas a beleza da amizade é você reconhecer essas diferenças e, mesmo assim, não amar menos, não precisar romper nem achar que o outro é motivo de ameaça ou medo para a gente”. O respeito leva à celebração das diferenças, “que é o mais bonito”, de acordo com a especialista Renata Ishida.

De acordo com Renata, a amizade ajuda também no enfrentamento de situações difíceis, embora o amigo não vá substituir um terapeuta, caso haja necessidade desse profissional. “Mas hoje em dia, o sofrimento é tido como doença. Não existe espaço para a gente falar sobre sofrimento. E quem melhor que um amigo para ouvir sobre isso que a gente sofre?”, indagou. Renata explicou que é mais fácil trocar esse tipo de assunto com amigos do que com os pais, porque crianças e adolescentes não querem decepcionar os pais nem fazê-los ficarem tristes. Compartilhar o sofrimento com amigos faz, muitas vezes, a criança ou adolescente se sentir mais verdadeiro e seguro, opinou.

Outro ponto importante para a criança e o adolescente é a identificação porque, por mais diferente que seja o amigo, eles percebem que o outro pode estar passando por situações parecidas às deles. Nesse ponto, a amizade tem um lugar mais sincero e isso, às vezes, reduz um pouco a ansiedade. Essa identificação propicia a criação de um lugar no mundo para crianças e adolescentes, que é diferente da família. A independência que o movimento de bando favorece traz riscos, admitiu Renata Ishida, mas alertou que a construção dessa intimidade e da vulnerabilidade diante do outro mostra que aquilo não vai prejudicar a pessoa e que o outro não vai abusar dele porque está vulnerável na sua frente. Ao contrário, é um movimento rico para o desenvolvimento da saúde mental e do autoconhecimento.

Há amizades que nascem na infância e duram até a velhice. Renata esclareceu que a amizade se diferencia dos relacionamentos amorosos conjugais, porque não coloca tantas expectativas e regras. Essa amizade permite que a pessoa seja mais verdadeira e mesmo que fique um tempo sem se ver, quando ocorre o reencontro, parece que não houve esse lapso de tempo. Renata analisou que, em uma amizade verdadeira, onde exista confiança e a pessoa se sinta vulnerável na frente da outra, não há cobranças. E a chance disso durar é muito grande”. A não exigência faz com que a amizade consiga ter uma durabilidade maior. Como ela não tem regras, a expectativa não fica tão alta, concluiu.

Todo dia

Para o jornalista Marcio Vieira, celebrar os amigos não tem data certa. “Amigo para mim é todo dia”. Ele ainda mantém amigos de infância na cidade onde nasceu, Bom Jesus do Itabapoana, no interior do estado do Rio de Janeiro, de onde saiu aos 16 anos. Esses amigos de infância permanecem ativos. “A gente fica horas batendo papo”. Ele lembra até hoje o que o pai lhe falava: “Meu filho, olha quem você coloca dentro de casa, com quem você conversa”. E, principalmente, “família você não pode escolher, mas amigos, você tem obrigação de escolher”.

Marcio Vieira e sua grande amiga, Cláudia Silva. – Marcio Vieira/Arquivo Pessoal

Marcio Vieira tem amigos de todas as horas, prontos para socorrê-lo em momentos de doença, em necessidade de viagem. Amigos ajudam a superar episódios de depressão, de tristeza, indicou. “Tem aquele amigo que, quando você está no fundo do poço, ele parece que pressente e liga para você”. Mesmo quando passam anos sem se verem, a amizade entre eles persiste. “Ela se mantém. Acho que amizade, para quem é do bem, para quem tem uma alma boa, um coração bom, é inerente a tudo. Na minha percepção, não são necessários anos e anos de convivência para as pessoas serem amigas”.

Segundo Vieira, a discordância entre amigos é normal. Mas ele procura guardar as boas lembranças porque os amigos verdadeiros vão ajudar sempre. “São poucos, mas boas pessoas”. Destacou que quando há cobrança, não é amizade. “Foram anos de terapia para eu aprender isso”. Ele deixa claro que precisa de amigos na sua vida. “Amigos na minha vida são fundamentais. Eu não sobrevivo mental e humanamente sem amigo”. Sustentou que é um dom a pessoa estar disposta a ouvir a outra. “Amizade está na essência”, garantiu.

Estímulo

Devido aos benefícios para a saúde mental em todas as fases da vida, é importante que a criança tenha amizades. A afirmação foi feita à Agência Brasil pelo presidente do Departamento de Pediatria Ambulatorial da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Tadeu Fernandes. Isso ocorre desde a vida uterina, traduzida pela amizade com a mãe, o pai. Fernandes orienta que os pais conversem com o bebê dentro do útero e façam carinho na barriga “porque o bebê sente todas essas manifestações”.

“O entorno vai ser bom não só para a criança, mas servirá de apoio para os pais”. Após o sexto mês, que é a fase do neurodesenvolvimento importante, quando a criança começa a contatar com o meio ambiente, o pediatra destacou que é saudável que ela comece a brincar com outra criança. “ A amizade começa desde aí”.

Na fase escolar, porque pais e avós trabalham, a amizade feita com coleguinhas deve ultrapassar os muros da escola, estimulando os encontros das crianças nos finais de semana. Fernandes disse que o estímulo deve ser no sentido que as crianças tenham amizades físicas e não virtuais, “lembrando tempo de tela zero até 2 anos de idade e, após 2 anos, somente uma hora. Não ter amigos virtuais, mas reais”. Na adolescência, valem as mesmas recomendações para que eles tenham amizades, a partir de uma análise criteriosa dos amigos que o filho ou filha vai ter, para que não ocorram problemas nem desvios para drogas ilícitas e lícitas. Recomendou que sejam estimulados passeios ao ar livre, idas ao shopping, ao cinema, ao teatro.

Atualmente com 68 anos, o pediatra Tadeu Fernandes afirmou ter ainda amizades desenvolvidas na infância. “Os verdadeiros amigos são meus amigos até hoje. A gente se reúne, se encontra para um bate papo em um barzinho ou na casa de um amigo. Viajamos juntos. É muito legal e até serve de exemplo para os nossos filhos e netos que existem amizades reais que perduram. Muitos são madrinhas e padrinhos e são o nosso apoio”. Por isso, afirmou que amigos de infância são amigos para toda a vida.

IncaVoluntário

A contadora aposentada Maria da Assunção é voluntária no Inca – Maria da Assunção/Arquivo Pess

A Área de Ações Voluntárias do Instituto Nacional de Câncer (Inca), ou INCAvoluntário, é considerada fundamental para auxiliar os pacientes em tratamentos. Um exemplo é Maria da Assunção da Silva Brum, que tem sido apoio da paciente Jailcimá Pereira de Lima, 45 anos, dona de casa, paciente do Inca desde 2015. .

Jailcimá está atualmente em tratamento quimioterápico devido a uma metástase. “Desde 2015 que eu me trato no Inca, e sempre vou acompanhada do meu filho Felipe que, na época, estava com 5 anos. Tenho muito carinho pelas voluntárias do INCAvoluntário e considero parte da minha família. São muitos anos convivendo com elas no hospital, especialmente a Maria da Assunção. Ela me recebe sempre com um café e biscoitos, conversa comigo e com meu filho, que agora está grandão, pergunta sobre a escola, me ouve, ela conhece minha vida toda. É uma amizade que, mesmo sendo só dentro do hospital, é longa e muito importante para quem enfrenta o tratamento”, contou Jailcimá.

Jailcimá e o filho Felipe.- Jacilmá/Arquivo Pessoal

Maria da Assunção da Silva Brum é contadora aposentada e voluntária do INCAvoluntário há quase dez anos. No seu entender, “a amizade entre um voluntário e um paciente oncológico é muito especial porque conhecemos a pessoa e seguimos com ela em um dos momentos mais delicados e difíceis da vida, é um vínculo que vai se fortalecendo cada vez mais. É diferente, claro, de uma amizade fora do hospital. Nós damos carinho, atenção, palavras de motivação, e recebemos em troca muita gratidão e confiança. É uma alegria poder receber a Jailcimá e o filho dela ao longo desses anos todos, participar da vida deles. É uma conexão que ambas levaremos pela vida afora”, afiançou.