Dez anos após confrontos em Xinjiang, tensão étnica persiste

Dez anos após confrontos em Xinjiang, tensão étnica persiste

Os distúrbios interétnicos que deixaram quase 200 mortos há 10 anos em Xinjiang, nos quais pessoas foram espancadas, esfaqueadas e, inclusive, queimadas vivas, são, hoje, inimagináveis naquela região chinesa, transformada em Estado policial.

A capital regional Urumqi foi cenário, a partir de 5 de julho de 2009, de uma violência inusitada quando membros da etnia turca e muçulmana dos uigures atacaram violentamente os hans, a etnia majoritária da China (92%).

Só que, nos últimos anos, depois de uma nova onda de atentados mortíferos, as autoridades colocaram em andamento medidas drásticas: câmaras de vigilância, registro de dados biométricos, barreiras policiais e cordões de segurança.

Além disso, suspeita-se que a China tenha internado até um milhão de pessoas, principalmente uigures, em chamados campos de reeducação.

Pequim nega essa cifra e diz que são apenas “centros de formação profissional” para lutar contra a radicalização islamita.

O vice-presidente de Xinjiang, Aierken Tuniyazi, um uigur, afirmou na semana passada ante o Conselho de Direitos Humanos da ONU que há três anos não ocorre nenhum ato terrorista na região.

No entanto, a assimilação das minorias étnicas locais, principalmente as muçulmanas, e as desigualdades persistentes entre hans e uigures continuam atiçando velhos rancores, segundo os especialistas.

“Há uma desconfiança recíproca”, explica à AFP Reza Hasmath, professor da Universidade de Alberta, Canadá, e especialista em relações interétnicas em Xinjiang.

– Barbas e mesquitas –

Com medidas destinadas a maximizar a segurança, “qualquer potencial violência pode ser bloqueada, […] mas isso estabelecerá uma certa desconfiança em relação aos hans em toda uma geração de uigures”, acrescentou.

Durante décadas, Xinjiang foi abalada por uma série de ataques atribuídos a separatistas uigures, mas os tumultos de 2009 foi um divisor de águas.

Nos anos seguintes, as diferenças entre os dois grupos étnicos foram claramente “expandidas”, de acordo com Joanne Smith Finley, especialista em cultura uigur na Universidade de Newcastle.

“Ainda é muito tenso”, explicou ele, baseado em uma viagem a Xinjiang no ano passado.

“Há um fingimento para salvar as aparências”, acrescenta.

Os centros de detenção aprofundaram ainda mais a lacuna que divide os uigures e os chineses han.

Aierken Tuniyazi apresentou na semana passada à ONU os “êxitos” que permitiram que os moradores “escapassem da influência do terrorismo e do extremismo”.

No entanto, alguns que foram internados nesses centros declararam que foram enviados para lá apenas por usar barba ou véu islâmico.

Um empresário do vizinho Cazaquistão disse que viu outros muçulmanos detidos por cantar canções patrióticas todas as manhãs ou comer carne de porco.

Desde 2017, as cúpulas de mesquitas e locais religiosos em Xinjiang foram removidas quando não foram demolidas, de acordo com imagens de satélite.

– “Círculo vicioso” –

Quanto às verificações de identidade facial, elas são muito comuns e são praticadas principalmente com os uigures.

“Os chineses han se beneficiam de um certo tipo de favorecimento; não estão sujeitos à mesma vigilância rigorosa”, afirmou à AFP Timothy Grose, professor de estudos chineses no Instituto de Tecnologia Rose-Hulman, nos Estados Unidos.

“Isso, claro, acentua o desconforto entre as duas comunidades”.

As minorias étnicas da China estão se assimilando pouco a pouco.

Um documento oficial do governo central instou em 2018 a estender o uso do idioma chinês em Xinjiang, a fim de garantir que todos os estudantes uigures possam falar corretamente.

O Estado também promove casamentos interétnicos, embora não sejam muito populares no momento.

A assimilação também é intensificada com a chegada em Xinjiang de chineses han de outras partes do país: de 6% em 1949, o número aumentou para 37% em 2015, de acordo com as últimas estatísticas oficiais.

Um influxo populacional que pode intensificar as tensões interétnicas se os empregos mais bem pagos terminarem nas mãos dos recém-chegados, enfatiza Hasmath.

“Isso se tornará um círculo vicioso se os chineses da etnia han, graças a suas redes, ocuparem os cargos mais bem pagos e contratarem pessoas de sua comunidade”, acredita o pesquisador.

“Dessa, as minorias são excluídas dos melhores empregos e dos melhores salários”, conclui.