Por verificar atuação ilegal da Receita Federal nas investigações, o ministro Messod Azulay Neto, do Superior Tribunal de Justiça, anulou toda a Operação Black Flag, deflagrada pela Polícia Federal em maio de 2021 para apurar crimes financeiros na região de Campinas. A operação teve três fases, com 15 mandados de prisão e 102 de busca e apreensão, além do bloqueio e sequestro de diversos bens.

O empresário e piloto da Fórmula Porsche, Rodolfo Portilho Toni, foi apontado pela PF como um dos líderes do suposto esquema. Ao STJ, a defesa de Toni, representada pelo advogado Celso Vilardi, apontou uma série de ilegalidades na investigação, principalmente na atuação indevida da Receita Federal.

Isso porque a operação teve início após a Receita receber uma denúncia anônima e instaurar uma investigação própria para apurar supostos delitos não tributários. Segundo a defesa, ao substituir as autoridades judiciais competentes para a apuração de crimes, a Receita Federal partiu do amplo acesso que tem a informações sigilosas (fiscais e bancárias) dos cidadãos e agiu sem qualquer participação ou comunicação ao Judiciário, o que só ocorreu após 14 meses.

Segundo Vilardi, “a decisão do STJ é importantíssima porque, uma vez mais, determina que a Receita deve investigar casos tributários, mas não pode substituir o Poder Judiciário. Desde a deflagração a nulidade mostrava-se patente e, agora, o Superior Tribunal de Justiça, com base em inúmeros precedentes, restabeleceu a Justiça”.

O ministro Messod Azulay Neto concordou com os argumentos da defesa e afirmou que a Receita Federal “exacerbou de suas competências”. De acordo com o ministro, a investigação realizada pela Receita Federal deveria ter seguido um procedimento minimamente formal, a fim de possibilitar o adequado acesso à informação e garantir a higidez do procedimento.

Ele ressaltou que a Receita Federal tem o dever-poder para investigar fatos associados a ilícitos tributários e aduaneiros, que podem eventualmente caracterizar crimes de natureza tributária. Mas não pode atuar quando se depara com delitos que não têm impacto direto e imediato sobre a esfera tributária, como por exemplo, lavagem de dinheiro, falsidades documentais e crimes contra a administração pública.

Nestes casos, explicou Neto, a Receita não pode extrapolar o seu âmbito legítimo de atuação para conduzir investigações sobre eventos que pertencem a esferas jurídicas distintas, “muito menos fatos que, embora possam caracterizar crimes, não ofendam a ordem tributária”, devendo encaminhar os autos ao Ministério Público Federal.

“Assim, no âmbito dos delitos não tributários, é indiscutível que a Receita Federal do Brasil não é órgão incumbido da realização de investigação criminal, sob qualquer justificativa, estando tal atribuição completamente à margem de suas competências”, disse o ministro ao concluir pela ilegalidade do relatório fiscal produzido pela Receita Federal e que embasou a Operação Black Flag.

Conforme Neto, as investigações tiveram como ponto de partida uma denúncia anônima que já apontava tipos penais não tributários, como estelionato, lavagem de dinheiro e falsificação de documentos e, portanto, o caso já não era de competência da Receita. Ele ainda citou diligências conduzidas pela Receita Federal, sem autorização prévia do Poder Judiciário e sem notificação ao MPF, que não se limitavam à apuração de crimes tributários.

“Por tudo isso, concluo que houve o desvirtuamento da investigação pela Receita Federal, que deu origem ao relatório fiscal, em descumprimento das regras básicas para a elaboração de representações para fins penais, sendo ilícitas todas as provas ali reunidas e igualmente inadmissíveis as provas delas derivadas, em aplicação analógica do artigo 157, § 1º, do CPP”, concluiu Neto.