As três pessoas que estavam comigo no elevador se recusavam a devanear. Assim como todas as pessoas com quem compartilhava o vagão de metrô. Foram duas rápidas observações que me levaram a respirar aliviado por ter percebido que ainda preservava a auto-indulgência tanto do devaneio quanto da inspeção de atitudes alheias.

A crítica de “ninguém mais conversa; todo mundo anda e até come com a fuça no celular” nunca me convenceu. Pois se a pessoa não está prejudicando ninguém, que faça o que bem entender. Mas no meu conceito ela está deixando de existir como indivíduo, já que é no devaneio, contemplação e troca que se imprime identidade no mundo.

Explico melhor. E para isso recorro à inteligência artificial generativa.

Se o próprio René Descartes, inspirador do título acima e do cartesianismo, lançou obra chamada Meditações….

O processo desta é a evocação à própria base de dados para geração de conteúdos novos, sejam textos, áudios, músicas, imagens ou vídeos. E o que é essa jornada se não o próprio caminho do processo criativo, por onde estabelecemos nossa assinatura?

Os pensamentos não nascem no vácuo. As descobertas tampouco. Insights germinam do correlacionamento de memórias, da conexão das diferentes peças no repertório intelectual que fomos colecionando no decorrer da vida. A iluminação é elaborada em nosso devaneio. Só que cada vez menos somos propensos à permissão de experiências tão somente contemplativas. Até o caminhar precisa ser preenchido por fone de ouvido, consumo de notícias, checagem de mensagens de Whatsapp.

Posso estar errado, mas não acredito que seja possível criar algo a partir da sobreposição de funções mentais. Seja um pensamento original, uma música ou mesmo um texto como o que escrevo – tudo parte da cognição de fontes diferentes e da oferta de espaço de silêncio mental. Quando dizem que a meditação é um dos pilares de estilo de vida saudável não explicam devidamente sua importância. O próprio René Descartes, inspirador do título deste artigo e do cartesianismo, lançou obra chamada Meditações.

Também não é explícito o risco do comodismo de entregar tudo o que torna humana a nossa espécie a um dispositivo. Já é sabido desde o século 18, na Revolução Industrial, que as máquinas são superiores em produção. Só que a mecanização não ativa inteligência nem razão, que são as ligas da vida e do real progresso dos seres humanos.

Ainda no século 17 os filósofos iluministas ensinaram o valor do devaneio na formação de pessoas com melhores decisões morais, mais empáticas, compassivas, além de reflexivas. Ou seja, aqueles que vivem suas melhores versões e que tem potencial de fazer diferença. Quem sou eu sem a fuça no celular na fila do pão para contrariá-los?