24/05/2021 - 10:44
Kinshasa, a caótica e congestionada capital da República Democrática do Congo (RDC), tem estado relativamente a salvo da pandemia de covid-19, mas a aparição da variante indiana gera preocupação em uma população cética sobre as vacinas contra a doença.
“Covid em Kin? Não existe”, dizem vários moradores desde o aparecimento do vírus em Kinshasa.
“Se a covid estivesse realmente aqui, estaríamos todos mortos”, exclamou Lonzo, sentado em frente a sua barraca em um mercado popular.
“Nas ruas, no ônibus, em casa, você vê gente reunida, amontoada”, comentou o homem corpulento, mostrando a movimentação ao seu redor, em meio à poeira e ao barulho do congestionamento.
“Kinshasa Makambo!” (“Kinshasa, os problemas”), afirmam os moradores da cidade, um lugar emaranhado com urbanização caótica e bairros empobrecidos, onde a vida cotidiana, muitas vezes sem água potável, ou eletricidade, é uma luta permanente pela sobrevivência.
Com 24 distritos e uma população entre 12 e 17 milhões, Kinshasa é uma cidade suja, desordenada e poluída, imprevisível e que nunca dorme. “A Cidade-Leopardo”, dizem alguns da capital, onde é preciso estar sempre pronto para repelir um ataque, ou correr para aproveitar uma boa oportunidade.
Quando, em março de 2020, o coronavírus apareceu, procedente da Europa, na segunda maior cidade da África subsaariana, o pior foi o medo. Os casos se concentraram no distrito de Gombe, centro do poder e dos negócios, de congoleses ricos e estrangeiros.
A covid-19 agora é percebida como um mal distante, uma doença dos “brancos” e de “ricos”, limitada à “República de Gombe”.
“A covid deveria ter-nos massacrado, mas até agora escapamos”, diz Aimée Rugambo, enfermeira de um centro de tratamento da covid-19 instalado pelo governo no hospital de Vijana.
“Deus no controle! Ele nos protege”, concluiu a enfermeira, que adverte que “devemos dizer às pessoas que a covid existe, que está em Kinshasa e que mata”.
– Remédios caseiros –
Os números oficiais indicam que a República Democrática do Congo registrou 30.862 casos desde março de 2020, a grande maioria em Kinshasa, com 779 mortes.
A cifra é insignificante em um país gigantesco, castigado por guerras e pela miséria ao longo de três décadas.
“Nunca saberemos o número de pessoas contaminadas, ou mortas, pelo ‘corona’. A maioria não é testada, é muito complicado e caro”, comenta um jornalista congolês.
Com tantas outras pragas, “ninguém vai ao hospital, exceto se estiver gravemente doente”, assegura.
Em caso de febre suspeita, os moradores da capital se tratam com “remédios caseiros” e “saunas” (inalações).
“Muitas vezes sem sintomas, com poucas mortes registradas, as pessoas têm muitos outros males com que se preocupar”, resume com sarcasmo o médico Jules Mongomba, “supervisor da covid” do distrito de Linguala.
“Com tais condições de vida, temos que acreditar que desenvolvemos uma certa resiliência”, reflete o médico.
Em mais de um ano de pandemia, as autoridades parecem ter o controle da situação, e Kinshasa continua sendo o foco principal.
No país, as epidemias são bem conhecidas, principalmente no leste do país, como ebola, sarampo e cólera. Mas a covid atingiu mais Kinshasa, no oeste.
– Vacinas perdidas –
Em escala nacional, muitas questões permanecem: a porosidade das fronteiras, a seriedade dos testes, a falta de oxigênio e a eficácia de um leve toque de recolher em vigor apenas no centro da cidade.
Em relação às medidas de proteção individual, elas se resumem ao uso de máscaras, disponíveis em qualquer loja e em pontos administrativos da cidade.
A vacina, gratuita e à disposição de todos, não avançou muito. No último fim de semana, havia apenas 11.000 vacinados em Kinshasa, e 14.434, em todo país.
“As pessoas estão céticas”, lamenta o diretor do hospital de Vijana, médico Wamba Nice. “Muitos têm medo de rumores nas redes sociais”.
Em visita ao hospital de Vijana, apenas duas pessoas esperavam a vacina, ambas paquistanesas.
“Poucas pessoas vêm e perdemos as doses, é a gota d’água”, afirma Nice.
Em 10 de maio, o governo informou a detecção em Kinshasa de cinco casos da variante indiana da covid-19, em um prédio opulento em Gombe, onde vivem várias famílias indianas.
“A variante indiana já está no Congo”, alertou o presidente Felix Tshisekedi.
“Nós, na África, recebemos a bênção de Deus, não temos tantas mortes como na Europa, ou na América. Mas, cuidado, a situação está mudando”, disse o presidente.
Para o pessoal da saúde, a calmaria observada desde fevereiro já acabou. “Os casos estão aumentando”, avisa Nice, acrescentando que não há dúvida, “a terceira onda já começou”.