Terminou com cheiro de pizza a CPI da Braskem. O relatório do senador Rogério Carvalho (PT-SE) pede o indiciamento de 11 pessoas – oito delas executivos da mineradora e outros três ligados a empresas que emitiram laudos com informações falsas -, mas se desviou dos políticos que se alternaram no comando da Prefeitura de Maceió e em órgãos do governo federal, que nem chegaram a ser investigados.

Entre 2018 e o final do ano passado, o afundamento de cinco minas de exploração de sal-gema na região metropolitana da capital alagoana afetou a vida de mais de 60 mil pessoas em cinco bairros, causou danos ambientais, alterações na infraestrutura da cidade e prejuízos incalculáveis à Petrobras.

• A estatal é detentora de 47% do capital da Braskem, gerida pela maior acionista, a Novonor S/A, a empresa criada em 2020 para substituir a Odebrecht, gigante do setor petroquímico envolvida em grandes esquemas de corrupção no Brasil.

Um acordo envolvendo a indenização de R$ 1,7 bilhão, celebrado entre a Prefeitura de Maceió e a empresa, em junho do ano passado, e um dos motivos da CPI, foi tratado de forma burocrática para não agravar o conflito entre os grupos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP), e do senador Renan Calheiros (MDB), caciques que disputam o poder local, e evitar que o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse arrastado para a investigação.

Deu pizza na CPI da Braskem. Por que será?
Adversário do clã Calheiros, Lira apoia o prefeito João Henrique Caldas (à dir.), responsável pelo acordo de R$ 1,7 bilhão entre o município
e a antiga Odebrecht

O prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, ligado a Lira e a quem cabia a responsabilidade pela fiscalização das minas que desabaram, nem chegou a ser convocado.

Nos seis meses em que a CPI funcionou, a Braskem depositou na conta da Prefeitura R$ 950 milhões, dos quais R$ 266 milhões foram usados para a compra, sem licitação, de um hospital inacabado em Maceió.

O negócio foi questionado por Renan, mas partiu de seu filho, o ministro dos Transportes, Renan Filho, que foi prefeito de Maceió, a sugestão de que algo de irregular ocorreu na transação. “Essa aquisição precisa ser fiscalizada pelos órgãos de controle, pois cheira desvio de recursos da milionária Braskem”, escreveu numa postagem pelas redes sociais endereçada ao prefeito.

O ministro disse que com o montante transferido integralmente, num prazo de 30 dias após o fechamento do negócio, ele construiu três hospitais iguaizinhos na capital alagoana quando era prefeito.

O grupo de Renan questiona também o valor do acordo por achar que os R$ 300 milhões que a Prefeitura destinou a um fundo de reparação às vítimas é insuficiente diante dos prejuízos sofridos pelos moradores que tiveram de abandonar suas casas. A Braskem ainda deve R$ 750 milhões do acordo.

Desentendimento

O governo trabalhou contra a CPI, mas não teve como evitá-la quando o autor da proposta, Renan Calheiros apresentou o número suficiente de assinaturas para instalá-la.

Uma reunião no Palácio do Planalto, em dezembro do ano passado, um dia antes da CPI começar a funcionar, mediada por Lula, colocou em volta da mesma mesa, pela primeira vez, Renan e Lira, mas as tentativas de entendimento terminaram frustradas. Na reunião, o presidente disse explicitamente que era contra a investigação.

Como convocara o encontro, teve de ouvir uma acalorada troca de farpas quando o governador Paulo Dantas leu trechos do acordo entre Prefeitura e Braskem e criticou os valores aceitos pelo prefeito João Caldas, que também estava presente e reagiu.

Renan também questionou a posição do ministro da Casa Civil, Rui Costa que, ao lado do líder do governo no Senado, Jaques Wagner, teriam conspirado para evitar a investigação, passando a impressão de que estavam defendendo a Odebrecht por tratar-se de um grupo baiano.

Mais tarde Renan revoltou-se contra o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), por este não ter cumprido o acordo em que seria designado relator e abandonou o colegiado logo na primeira sessão. Ele criticou explicitamente a escolha de Rogério Carvalho que, na sua avaliação, não conhecia Maceió e nem os transtornos gerados pelas minas da Braskem, mas teria sido escalado para esfriar o ímpeto da investigação. Ao tomar conhecimento do relatório, o senador alagoano reagiu sem surpresas. “Não esperava outra coisa”.

Na conclusão do relatório, encaminhado para avaliação do procurador-geral da República, Paulo Gonet, Rogério Carvalho sugere que as investigações devem ter continuidade, mas foca o trabalho nos transtornos à população, aos danos ao meio ambiente e, entre os órgãos envolvidos no caso, critica a Braskem e o Instituto de Meio Ambiente de Alagoas, que pertence ao governo estadual e foi chamado pelo relator de “negligente”.

Carvalho defende seu relatório. “Algumas pessoas inconsequentes em busca do lucro rápido e fácil acreditaram que poderiam escavar a terra de qualquer jeito, sem se importar com a população que morava em cima”. Ele sugere mudanças no modelo de exploração e alfineta “os que acham que preocupação com a natureza é besteira de ecologista e que o importante é deixar a boiada passar”.

Entre os personagens alvos dos pedidos de indiciamento, o de maior relevo é o diretor-executivo da Braskem, Marcelo de Oliveira Cerqueira. Sobre as suspeitas de irregularidade na compra do hospital limitou-se a sugerir que o Tribunal de Contas da União acompanhe e avalie “criteriosamente” o desenrolar do negócio, uma atribuição e prerrogativa que a CPI abdicou. Já Renan abandonou a CPI, mas não a Braskem ou os adversários políticos.

Ele encaminhou uma série de pedidos de investigações aos órgãos públicos de controle e até à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para esclarecer o caso. Uma fonte ligada ao senador disse que o presidente Lula mandou emissários em busca de um entendimento com Lira, mas Renan recusou, o que sugere que as eleições em Alagoas não serão um simples passeio democrático.