O dia a dia nas grandes cidades brasileiras inevitavelmente acaba nos levando para uma hiperconexão. Durante uma parada no trânsito, ao aguardarmos por uma consulta médica, no transporte público então… Às vezes até passamos do ponto por ficar navegando na internet. Fica automática a ação de puxar o smartphone do bolso para saber de tudo um pouco: notícias de última hora, dar uma olhada no aplicativo com indicação de como chegar mais rápido, e claro, bisbilhotar a vida alheia e acessar o whatsapp. Quando esse comportamento pode ser tornar um problema? No momento em que deixamos de fazer as coisas comuns de forma simples e prazerosa para estar conectados. Ou quando o comportamento se altera de tal forma que nos sentimos incomodados pelo fato de não estar com celular no bolso.

OFFLINE Bruna Fioreti fez a desintoxicação e trocou a leitura dispersa das redes para se concentrar numa só atividade (Crédito:Divulgação)

Necessidade de ruptura

A empresária Fernanda Ralton Semler, 42, dona do Botanique Hotal & SPA, passou por essa situação. “Cheguei ao ponto de não conseguir tomar banho com naturalidade, ficava pensando nas mensagens que estava recebendo”, conta. Nesse momento, em 2013, Semler já era mãe, e percebeu que havia a necessidade de uma ruptura e criou o spa e um serviço diferenciado, o detox digital. A desintoxicação eletrônica foi um reencontro com sua individualidade. Segundo ela, o detox digital está calcado na autenticidade e na profundidade de pesquisa em tudo que envolve a desintoxicação. O programa faz parte de um tratamento exclusivo, que inclui três diárias num pacote que passa de cinco mil reais, “o projeto é sucesso, se tornou o carro chefe do hotel”. Por conta da “abstinência” individual, ainda é difícil a adesão plena, 70% das pessoas que já se submeteram ao detox não conseguem fazer a terapia a contento e pedem o celular de volta. Entre os 30% restantes, que repetem a terapia sazonalmente e entendem o conceito, está Bruna Fioreti, 36, comunicadora, business coach e especialista em branding pessoal. Ela afirma que atividades de detox, individuais e em grupo, não deixam tempo nem para lembrar do celular. “A experiência off-line tirou necessidade até de segurar o aparelho”, diz.

NOVOS TEMPOS A empresária Fernanda Ralton Semler, 42, criou um sistema para desintoxicar da tecnologia digital: a proposta é que durante três dias os clientes de seu spa se libertem da dependência do seu celular. Ao final do processo, as pessoas aprendem a conviver de forma saudável com o aparelho (Crédito:Divulgação)

A terapia propõe que, ao retomar as atividades, as pessoas levem a vida de outra forma, pois hiperconectividade está ligada a algo que a medicina chama de via de recompensa, em uma área do cérebro localizada na parte frontal conectada à dopamina, que dá sensação de bem-estar. Para o médico psiquiatra Marcelo Daudt Von der Heyde, da Escola de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, o longo período de conexão afeta principalmente jovens, podendo levar a alterações no córtex frontal. “Em um cérebro em maturação pode haver pouca estimulação de algumas áreas”. O professor diz que em média, a cada seis minutos nos conectamos à internet, o conjunto das perturbações provocadas pelos estímulos digitais tem relação direta com estresse. Isso é tão forte como a dependência de drogas e álcool. Podemos associar ao fenômeno de “membro fantasma”, quando a pessoa perde um braço ou uma perna e, mesmo assim, sente falta daquela parte do corpo.