Destruição de vila na Suíça mostra impactos reais do derretimento das geleiras

Geleiras sustentam o suprimento de água, os ecossistemas e até mesmo tradições culturais. Mas, com o aquecimento global, comunidades estão sendo afetadas tanto pelo excesso quanto pelo escassez de água dos glaciais

Destruição de vila na Suíça mostra impactos reais do derretimento das geleiras

Na última quarta-feira (28/05), o colapso de uma geleira nos Alpes Suíçossoterrou o pequeno vilarejo de Blatten, na região de Wallis, sul do país. O episódio evidenciou os impactos diretos do aquecimento global nas regiões glaciais, que abrigam 70% das reservas de água doce do planeta, e mostrou como comunidades inteiras estão sendo afetadas.

Segundo o Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento da Água (WWDR, na sigla em inglês) da ONU, quase 2 bilhões de pessoas no mundo dependem da água proveniente de geleiras, do derretimento da neve e do escoamento das montanhas para abastecimento, agricultura e geração de energia.

No entanto, com as mudanças climáticas, geleiras ao redor do mundo estão derretendo a uma velocidade duas vezes maior do que há apenas duas décadas, segundo um estudo publicado na revista Nature. Entre 2000 e 2023, as geleiras perderam uma massa de gelo equivalente a 46 mil Pirâmides de Gizé, impactando comunidades em todo o mundo de diferentes formas.

Geleiras como recursos essenciais

Na pequena cidade de Huaraz, no oeste do Peru, a população obtém cerca de 20% de seu suprimento anual de água a partir do derretimento do gelo na cordilheira dos Andes. No entanto, as geleiras andinas estão derretendo ainda mais rápido do que em outras regiões, representando um risco de inundações.

Um estudo multinacional publicado no International Journal of Applied Earth Observation and Geoinformation mostrou que as temperaturas diurnas de inverno na superfície dos Andes aumentaram 0,5 graus Celsius por década desde o ano 2000, em altitudes de 1.000 a 1.500 metros.

Em um processo judicial que durou mais de 10 anos, Saul Luciano Lliuya, um morador de Huaraz, processou a empresa de energia alemã RWE pelo risco potencial à sua casa causado por um lago que está se enchendo rapidamente com água do derretimento glacial.

O processo aconteceu depois que a quantidade de água no lago glacial acima da casa de Lliuya aumentou mais de quatro vezes desde 2003, levando especialistas a alertar para um risco crescente de inundações, com consequências potencialmente terríveis para a região.

Comunidades ameaçadas pelo derretimento

Não é só no Peru que o derretimento cria grandes lagos glaciares. Quando se enchem demais, inundações mortais da água nesses lagos podem destruir prédios, pontes e terras férteis.

Em outubro de 2023, um rompimento de lago glacial no Paquistão causou danos severos, enquanto, naÍndia, o transbordamento do lago de degelo Lhonak matou 179 pessoas no estado de Sikkim.

Cientistas estimam que, no mundo todo, pelo menos 15 milhões de pessoas estejam vulneráveis a inundações repentinas causadas pelo degelo, a maioria vivendo na Índia e no Paquistão, segundo um estudo publicado no Nature Communications. Desde 1990, o volume de água em lagos de montanha aumentou cerca de 50%.

Nos Alpes Suíços, o derretimento da geleira Birch tem deixado as rochas acima da vila de Blatten cada vez mais instáveis nas últimas semanas, fazendo com que a maioria dos habitantes teve que ser evacuada.

Redução do abastecimento de água

Assim como algumas comunidades são afetas pelo excesso da água do degelo, outras estão sendo impactadas pelaescassez da água vinda dos glaciais.

Inicialmente, o derretimento do gelo aumenta o volume de água nos rios e reservatórios, mas depois atinge o chamado “pico da água” — o momento em que o fornecimento começa a diminuir. Como resultado, menos água do degelo chega às áreas mais baixas, com consequências potencialmente graves.

Em algumas comunidades dos Andes, por exemplo, a redução no abastecimento de água forçou agricultores locais, que tradicionalmente cultivavam milho e trigo, a mudar tanto suas culturas quanto a gestão da água. Com isso, muitos passaram a cultivar uma variedade de batata amarga mais resistente à seca.

Além disso, a instabilidade no fornecimento de água também afeta a geração de energia elétrica. No Chile, 27% da eletricidade é gerada por usinas hidrelétricas que dependem criticamente do degelo. Em 2021, a usina de Alto Maipo foi desligada devido à baixa vazão.

Geleiras no oceano e o aumento do nível do mar

Não são apenas as geleiras em altas altitudes que estão derretendo — mas também aquelas no oceano, como a geleira Thwaites, na Antártica Ocidental. Este grande bloco de gelo possui o tamanho do estado da Flórida, nos Estados Unidos, e foi considerada por cientistas como “muito instável” e derretendo por todos os lados.

O derretimento do gelo marinho contribui significativamente para aelevação do nível do mar. A geleira Thwaites foi apelidada de “geleira do juízo final” por causa de seu potencial de causar um aumento abrupto no nível do mar, segundo pesquisadores do estudo “Intrusões generalizadas de água do mar sob o gelo da geleira Thwaites”.

Nos últimos 25 anos, o derretimento das geleiras elevou o nível global do mar em quase 2 cm. Pode não parecer muito, mas ilhas baixas como Fiji e Vanuatu, no Pacífico, correm o risco de desaparecer sob as ondas.

Além disso, mais de 1 bilhão de pessoas vivem em megacidades como Jacarta, Mumbai, Lagos e Manila, a menos de 10 km da costa — e os diques de proteção são apenas uma solução temporária diante da elevação contínua do mar.

Impactos culturais e econômicos

As geleiras também possuem significados espirituais e culturais em algumas regiões. No Peru, por exemplo, milhares de peregrinos se reúnem anualmente na geleira Colquepunco, uma das mais sagradas do país, para celebrar um festival religioso tradicional.

No passado, blocos de gelo eram retirados da geleira e levados às comunidades locais, que acreditavam em suas propriedades curativas. Mas com o desaparecimento da geleira, essa tradição ancestral está sob ameaça.

Na Europa, o impacto também é econômico. A geleira Presena, no norte da Itália, um destino popular entre esquiadores, perdeu cerca de um terço de seu volume desde 1990, ameaçando a atividade econômica da comunidade que depende do turismo.

Além disso, espera-se que a neve natural nos Alpes europeus diminua 42% até o final do século, segundo uma pesquisa publicada na revista científica PLOS One. Com isso, cientistas estimam que muitas estações de esqui ao redor do mundo não serão mais economicamente viáveis no futuro.

O que pode ser feito?

Para tentar minimizar os estragos de desastres causados pelo derretimento das geleiras, moradores podem se adaptar a alguns desses perigos.

Na vila de Hassanabad, no Paquistão, foi instalado um sistema de alerta precoce para monitorar a atividade da geleira Shisper. Caso haja necessidade de alerta, ele pode ser comunicado por alto-falantes na vila.

Na vizinha região de Ladakh, pesquisadores estão experimentando a criação de geleiras artificiais para mitigar a escassez de água no verão.

No entanto, essas estratégias têm limites. Cientistas afirmam que a melhor maneira de lidar com o recuo das geleiras é reduzir o aquecimento das temperaturas que está aquecendo o planeta.