Era para o irmão mais velho se chamar Paulo Henrique. Mas o pai, flamenguista, foi ao cartório e registrou Romário, em homenagem ao principal craque do rubro-negro na época do nascimento do garoto. A mãe, vascaína, ficou louca da vida e disse que o segundo se chamaria Edmundo. Mas o pai foi lá novamente e colocou Paulo Henrique na certidão de nascimento do mais novo.

As coisas não se complicaram na família porque logo Romário e Edmundo formaram dupla de ataque do Vasco. E uns anos depois, em 2017, quis o destino que Paulinho começasse a jogar futebol profissionalmente pelo clube de São Januário. Aí a rivalidade do casal acabou de vez e os dois passaram a torcer pelo sucesso do filho.

O pai, cabeleireiro e músico, levava os instrumentos para fazer barulho na arquibancada. “Minha mãe ficava lá na frente, gritando o tempo todo no alambrado, xingando o juiz e arrumando confusão com a torcida adversária. Cada jogo era uma loucura”, lembrou o atacante da seleção olímpica ao “The Players Tribune”.

Natural do Rio, criado na Vila da Penha, Paulinho começou a jogar bola no futsal do Madureira. Tinha o apelido de Edmundo, pois os moradores do bairro adoraram aquela história da família dele. Sempre foi o grande destaque do time e não demorou para que fosse convencido a atuar também no campo. O clube escolhido foi o Vasco.

A carreira no futebol evoluiu de maneira meteórica. Com 16 anos, já jogava no sub-20 e foi convidado pelo então técnico Milton Mendes para completar o elenco do profissional. Foi o mais jovem atleta do Vasco em toda a história a atuar no time principal.

Em um ano na equipe carioca, ganhou espaço, se tornou titular absoluto e fiel torcedor da equipe. Daqueles que discutia com quem vinha tirar sarro porque o time estava na Série B. Em 2018, foi negociado para o Bayer Leverkusen, da Alemanha. Participou também de todas as categorias de base da seleção brasileira e atualmente está em Tóquio em busca da medalha de ouro.

RELIGIOSIDADE – Na estreia da seleção nos Jogos Olímpicos de Tóquio na última quinta-feira, ele marcou o quarto gol da vitória por 4 a 2 sobre a Alemanha. Neste domingo, às 5h30 (horário de Brasília), deverá começar no banco de reservas no duelo com Costa do Marfim válido pela segunda rodada do Grupo D.

Apesar de não ser titular do time brasileiro, seu nome tem repercutido bastante nas redes sociais desde que ele revelou que sua família tem forte ligação com o candomblé e umbanda. Na comemoração do mais recente gol, Paulinho simulou atirar uma flecha em homenagem Oxóssi, orixá caçador do candomblé.

Pelo Instagram, escreveu: “Okê Arô! Saravá, meu Pai”. A expressão inicial é uma saudação a Oxóssi e significa “salve o grande caçador”. Pela identificação com a religião de matriz africana, Paulinho foi convidado em 2022 a desfilar pela escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, que terá o enredo “Batuque ao Caçador”, sobre Oxóssi.

“Rezo todos os dias para que Exu ilumine o Brasil e os nossos caminhos. Que os orixás nos deem forças pra buscar essa medalha de ouro. O brilho dela seria um alento para o povo brasileiro após tantos meses de caos no país”, escreveu no Instagram após ser convocado. “Nunca foi sorte, sempre foi Exu. Laroyé, vamos Brasil”, acrescentou.

As manifestações, ele diz, são formas de tentar explicar e combater o preconceito que existe com as religiões de origem africana. Paulinho não esconde sua opinião também na luta contra a desinformação na pandemia. Ele declarou ser crítico ao atual governo brasileiro.

“Se sou crítico do atual Governo, é porque eu confio na ciência. Todo mundo enxerga o que se passa durante esse um ano e meio de pandemia, todo o descaso com a saúde. Mesmo vivendo em outro continente, tenho pessoas queridas que moram no Brasil. Elas precisam de segurança, de amparo, de vacinas”, disse também ao “The Players Tribune”.

PRESENTE DE ANIVERSÁRIO – No último dia 15, Paulinho completou 21 anos e a comemoração foi junto com o atual elenco da seleção olímpica. A CBF registrou em vídeo o discurso emocionado que o atacante fez aos jogadores. Nessa mesma época, no ano passado, ele havia acabado de romper o ligamento do joelho direito.

“O Bruno Fuchs até brincou comigo dizendo que ninguém quer passar aniversário com um monte de homem, mas este ano foi diferente. Da forma que passei meu último aniversário não foi legal, estava ainda de muleta, em recuperação. Obrigado por tudo e espero que o presente seja o ouro olímpico.”

Antes de terminar o discurso, os companheiros de time pediram que cantasse uma música. Ele lembrou que havia acabado de receber pelo Whatsapp um vídeo do pai com a trilha sonora da família: “Conselho”, de Jorge Aragão. “A música faz parte do meu cotidiano. Meu pai me mandou a mensagem agora. Ninguém viu, mas fiquei bastante emocionado”, disse. E, sem desafinar, com as palmas dos companheiros para acompanhar, mandou. “É assim: deixe de lado esse baixo astral, erga a cabeça e enfrente o mal que a vida assim será vital para o seu coração…”