Desde que desembarcou no Rio de Janeiro no início do ano, o atacante Bruno Henrique tem enchido os olhos dos torcedores com atuações decisivas pelo Flamengo. Seu desempenho tem sido vital para os bons resultados do clube carioca na Copa Libertadores e no Brasileirão – nesta quarta-feira, contra o Fortaleza, ele cumprirá suspensão. O que muitos não sabem é que, ao contrário da grande maioria dos jogadores, o atacante nunca passou pelas categorias de base de um clube profissional. Bruno Henrique participou de competições nos campos de várzea de Belo Horizonte, sua cidade natal, até janeiro de 2012, quando ergueu a taça da Copa Itatiaia, com 21 anos de idade.

Em um campo que fica a poucos passos da casa onde morava, na Vila Tiradentes do bairro Concórdia, “Bruninho”, como era chamado na infância, cresceu formando dupla de ataque com seu irmão mais velho, Wander Junior, mais conhecido como “Juninho Neymar” ou simplesmente “Juninho”. Com tamanho entrosamento, o dueto passou a ser titular do Inconfidência Esporte Clube e levou o clube do bairro ao título da Copa Itatiaia de 2011. A tradicional competição de futebol amador já revelou desde a década de 1960 jogadores como Toninho Cerezo e Paulo Isidoro.

O narrador da Rádio Itatiaia Ênio Lima, que trabalha em transmissões do torneio desde 2004, lembra com carinho das atuações do então camisa 10 do clube de Concórdia e de seu irmão. “Acho que está no DNA. Segundo os mais antigos do bairro, o pai dos dois, Wander, foi muito bom de bola. Ele era lateral-esquerdo, mas faltou oportunidade para se tornar um jogador profissional. O Inconfidência era um timaço do futebol amador, um verdadeiro ‘papa títulos’, que tinha outros jogadores que se destacavam, como o volante Carioca e o meia Dedê”, lembra.

Para o radialista, o gol mais bonito que narrou de Bruno foi na própria Copa Itatiaia de 2011, em partida disputada sob forte chuva contra o rival Mineirinho, do bairro Alto Vera Cruz.

A família de Bruno Henrique fazia caravanas para acompanhar o time em outros bairros e transformava o campo do Inconfidência em um caldeirão. “Por causa da reforma do Mineirão para a Copa de 2014, a final da Copa Itatiaia foi em Sete Lagoas, que fica a uns 60 km da capital. Mesmo assim, vários ônibus foram fretados por comerciantes e moradores que lotaram a Arena do Jacaré para o jogo contra o Brumadinho”, conta Ênio, que, a pedido da família, já fez até gravações convocando moradores para os jogos.

“No tempo em que o Bruno e o Juninho jogavam por aqui, o campo do Inconfidência ainda era de terra batida. Recentemente, fizeram uma reforma e colocaram grama sintética”, diz o tio da dupla, Carlos Antônio Cardoso, conhecido como “Caju”. Com o bom desempenho dos sobrinhos ao longo da Copa Itatiaia de 2011, ele e Genésio Pinto, avô dos atacantes, procuraram Álvaro Damião, repórter de rádio que também é do bairro Concórdia. Na ocasião, o hoje atacante rubro-negro fazia bicos de office boy e recepcionista.

“O Caju chegou até mim e disse que os meninos eram melhores que os caras que estavam jogando por Cruzeiro e Atlético. Ele me pediu para vê-los com mais atenção”, destaca Damião, hoje vereador de Belo Horizonte. “Então, comecei a acompanhar o Bruno e o Juninho e realmente percebi que jogavam muito. Como tenho contato com o José Maria Fialho, vice-presidente de futebol do Cruzeiro na época, falei sobre os irmãos. Na segunda-feira, depois do título da Copa Itatiaia, o José Maria deu um contrato profissional de um ano aos dois, como uma aposta.”

UMA NOVA ERA – Mesmo com o acordo, a dupla nunca chegou a jogar pelo Cruzeiro. Logo em 2012, eles foram emprestados ao Uberlândia para disputar o campeonato estadual. Na passagem pelo clube da região do Triângulo Mineiro, Bruno marcou nove gols em 29 jogos e foi destaque ao lado do irmão. Os dois, então, foram vendidos ao Itumbiara, de Goiás, em 2014. Juntos até então, foi lá que a trajetória da dupla se dividiu. Enquanto, depois de boa temporada, Bruno foi vendido ao Goiás para disputar sua primeira Série A do Brasileirão, o irmão mais velho seguiu para outros clubes de menor expressão. Segundo Damião, “Juninho jogava tão bem quanto o Bruno, mas infelizmente não teve a mesma sorte”.

No Goiás, Bruno Henrique marcou 12 gols em 57 jogos, se tornando o principal destaque da equipe em 2015. “O resto da história todo mundo já sabe. De lá, ele foi jogar a Liga dos Campeões pelo Wolfsburg. Depois, foi destaque pelo Santos e agora está brilhando no ataque do Flamengo”, elogia Álvaro Damião. Na melhor temporada de sua carreira, o atacante foi convocado para disputar amistosos pela seleção brasileira em agosto deste ano e está frequentemente no radar de Tite.

Segundo Caju, o sucesso do sobrinho é motivo de orgulho para a família, que ainda sempre se reúne para acompanhar os jogos do “filho da Vila Tiradentes”. Quando perguntado se hoje torce pelo Flamengo, Caju ri e pondera: “eu torço é pelo Bruno”.