13/07/2020 - 10:45
Ângohó Pataxó Hã-Hã-Hãe foi deslocada de suas terras duas vezes. Agora, junto a seus parentes, vive uma luta física contra o coronavírus em uma favela da periferia de Belo Horizonte.
“Aqui na vila tem 120 casos e já tem óbitos, se a gente continuar aqui mais pessoas de nosso grupo vão se contaminar”, disse ofegante Ângohó, de 53 anos. Ela e seu marido, o cacique Hayõ, foram diagnosticados com COVID-19 no início de julho e tentam superar a doença recorrendo a remédios ancestrais e à medicina ocidental.
Do povo pataxó hã-hã-hãe, Ângohó é oriunda da Bahia, no nordeste do país. “Mas lá enfrentamos uma grande crise de água devido à proliferação de plantações de eucalipto e saímos em busca de uma vida melhor”, conta à AFP na casa de dois cômodos na favela Vila Vitória, onde luta para se recuperar do vírus que a mantém com febre, tosse e falta de ar.
A mais de mil quilômetros, Ângohó e pouco mais de 20 famílias encontraram em 2016 uma terra para chamar de sua nas margens do rio Paraopeba, em Minas Gerais. Mas em 25 de janeiro de 2019, com a ruptura da barragem da mineradora Vale na cidade de Brumadinho, toneladas de resíduos tóxicos contaminaram o rio do qual dependiam para viver.
A tragédia matou quase 300 pessoas e deixou muitas outras sem recursos, incluindo seus parentes, que no início deste ano se viram obrigados a mudar para a periferia de Belo Horizonte.
“Devido ao rio estar morto e a gente não poder plantar nem fazer rituais, estávamos ficando doentes. Saímos de lá porque não estávamos aguentando mais ficar naquela situação”, conta Ângohó, que tornou-se uma das vozes de denúncia desta tragédia humana e ambiental.
Treze famílias se instalaram em casas de tijolos na favela Vila Vitória. O restante foi para outros estados.
Há dias em que seu marido não consegue se levantar. Ela recorre a remédios naturais como gengibre, sementes de abacate, pitanga, folha de tabaco, alecrim e amburana para tratar a febre e o mal-estar.
A casa em que moram é sustentada com o auxílio pago pela Vale por determinação judicial.
Com seus cocares de pluma, as silhuetas de Ângohó e Hayõ com a cidade ao fundo parecem fora de lugar. Eles cobrem o rosto com máscaras amarelas, com desenhos geométricos semelhantes às pinturas corporais.
Outras cinco pessoas do grupo familiar estão com sintomas e Ângohó não esconde o medo. “Nossa esperança é que nosso povo não se contamine”, disse contendo as lágrimas.
Ela fala devagar por causa da falta de ar e a tosse lhe interrompe a cada minuto. Diz que sobrevive graças a uma rede de voluntários da sociedade civil, já que o auxílio da Vale “é insuficiente”.
“Mas a gente não quer viver assim, de doação. Sabemos plantar, fazer nosso artesanato, só queríamos que nos devolvessem nossa terra e nossa paz”, afirma.