O designer Tiago Braga atualiza o imaginário gaúcho brasileiro em pequenas coleções feitas em parceria com comunidades locais. Natural de Osório, uma pequena cidade litorânea do Rio Grande do Sul, cercada por lagoas entre a serra e o Oceano Atlântico, Tiago não se reconhece no estereótipo do gaúcho tradicional, caracterizado como um homem do campo em uma sociedade com forte segregação de gênero.
Suas raízes criativas vêm da avó costureira, do pai músico e da mãe professora e artesã. Essa influência o levou a cursar Comunicação Social e a se estabelecer na capital gaúcha, onde expressou seu potencial criativo como diretor de arte, designer gráfico e cenógrafo para grandes marcas. No final de 2019, após sua pesquisa acadêmica sobre Design e Sustentabilidade, Tiago Braga encontrou um novo propósito de vida. Movido por sua intuição e pelas experiências com coletivos de artesãs e artesãos gaúchos, ele fundou a Oiamo, abraçando um novo desafio.
Utilizando o poder transformador do design, Tiago resgata e reinterpreta as tradições artesanais do extremo sul do Brasil, revivendo a herança ancestral quase esquecida que dá vida aos seus projetos, que ele chama de Design Ancestral.
Durante a Paris Design Week 2024, realizada de 04 a 08 de setembro, em paralelo à feira Maison et Objet, Tiago Braga apresentará sua nova coleção, Rizomas, na exposição “Uma coleção para Frans Krajcberg”. A série, composta por uma escultura luminosa e um banco, foi inspirada na preservação do Bioma Pampa Brasileiro, refletindo a interdependência e resiliência dos rizomas. A exposição acontecerá no icônico Espace Frans Krajcberg, em Paris, onde Braga destaca sua conexão com os valores ambientais defendidos pelo aclamado artista Frans Krajcberg (1921-2017), escultor, pintor e fotógrafo polonês-brasileiro reconhecido como o precursor da arte ambiental.
Na sequência, Braga fará sua estreia na PAD London Design + Art, em Londres de 08 a 13 de outubro, com o lançamento da Coleção Arandu Estelar em colaboração com as artesãs da Ladrilã, uma comunidade rural do sul do Brasil. Inspirada na cosmovisão Guarani e nas formas orgânicas das nuvens, a coleção apresenta esculturas luminosas que transcendem a funcionalidade, evocando uma profunda conexão espiritual entre o céu e a terra.
Ambas as coleções de Tiago Braga refletem seu compromisso com a sustentabilidade e a preservação cultural, ao mesmo tempo em que trazem à tona a rica tradição artesanal do sul do Brasil. A participação em ambos os eventos reforça a posição de Braga como um dos principais nomes do design colecionável contemporâneo, capaz de unir tradição e inovação em peças que narram histórias de resistência e conexão com a natureza.
Nascido na Polônia e naturalizado brasileiro, Krajcberg sobreviveu ao Holocausto e se estabeleceu no Brasil em 1948, onde desenvolveu um trabalho artístico focado na denúncia da destruição ambiental. Suas esculturas, pinturas e fotografias servem como um poderoso protesto contra o desmatamento e as queimadas na Amazônia, promovendo a conscientização sobre a importância da preservação da natureza.“É uma honra ter a oportunidade de expor minha coleção no Espace Frans Krajcberg.
Este museu, localizado em uma viela bucólica no 15º arrondissement, no coração da antiga Paris, abriga o antigo ateliê de Krajcberg. Sua dedicação à arte e sua visão de sustentabilidade são uma grande inspiração para mim, e poder compartilhar meu trabalho em um lugar tão significativo é extremamente gratificante”, comemora Tiago Braga.
Com linhas orgânicas e fluidas, o design da Coleção Rizomas mimetiza a estrutura dos rizomas, emaranhados de caules e raízes que se estendem tanto subterraneamente quanto paralelamente à superfície do solo. Os rizomas interagem em fluxos contínuos, sem início ou fim, estratificando-se ora em bases sólidas, ora em formas aéreas. Inspirada na interdependência e resiliência dos rizomas, onde cada parte contribui para a harmonia do todo, a coleção Rizomas carrega um profundo simbolismo de conectividade e sustentabilidade.
Este conceito é refletido em uma rede interativa de fios de lã torcida e feltrada, um recurso natural, renovável e biodegradável, extraído de maneira respeitosa. Desenvolvida pelo designer Tiago Braga em parceria com as artesãs da Associação Ladrilã, a coleção valoriza o saber-fazer tradicional das artesãs rurais do extremo sul do Brasil e atualiza o manejo sustentável da lã de ovelha, promovendo a saúde dos rebanhos e a economia circular.
Com profundo respeito e admiração, Tiago Braga compartilha com Frans Krajcberg uma visão comum de sustentabilidade e preservação ambiental. A coleção Rizomas está profundamente enraizada na relação simbiótica entre arte e natureza, transformando elementos naturais para promover a conscientização. Enquanto os artefatos de Rizomas utilizam a lã de ovelha para simbolizar e preservar o Bioma Pampa, Krajcberg usava troncos, raízes e cinzas para manifestar a necessidade urgente de proteger os ecossistemas brasileiros. Ambos os trabalhos convergem na ideia de que a arte pode ser uma poderosa ferramenta de resistência e transformação, ressaltando a importância da conexão harmoniosa entre humanidade e natureza.
Processos artesanais
“Os artefatos culturais da coleção Rizomas retornam no espaço e no tempo e transportam-nos ao casarão da Estância Nossa Senhora de Lourdes, depois de percorrer uma longa estrada de chão que evidencia as distâncias que separam o mundo pastoril da cidade. Após a tosa responsável das ovelhas, no início do verão, as artesãs da Associação Ladrilã retornam ao campo e a lida, como suas vovós nas fainas da fazenda lavam a lã com água quente e sabão neutro e muitos enxágues. “Nesta etapa, buscamos aproveitar a água da chuva e da máquina de lavar. A água da primeira lavagem, inclusive, volta para o pasto como adubo carregando todos os nutrientes que estavam no pelo da ovelha.” Afirma Tânia Tunes Furtado, líder da Associação Ladrilã.
Ainda pela manhã no campo o ritual é preparado na sombra de uma figueira centenária, onde acomoda-se a lenha trazida pelo posteiro. O fogo aquece a água na panela com urucum enquanto o objeto de memória é pendurado na árvore, erguendo-se há 6 metros de altura sustentado por uma corda. Apenas as pontas dos fios alcançam a panela e mergulham lentamente no vermelho natural. Na cultura indígena, o urucum é considerado sagrado e possui uma forte ligação com a espiritualidade, sua cor vermelha está associada a diversos significados, como força, paixão, proteção e energia vital.
A lã é obtida com tosa australiana que respeita o bem-estar animal. Todo o processo é sustentável, respeitando os ciclos naturais das ovelhas. Mais de 300 metros de fio primitivo que constituem a escultura luminosa Rizoma são criados com o hábil movimento de mãos e dos pés, girando a roda e pedalando na roca de fiar, instrumento milenar, importante da história do trabalho e do cotidiano dos ofícios artesanais no Brasil, desde os tempos coloniais.”
A convite da Brazil Modernist / Pereira & Matis, renomada galeria parisiense especializada em design colecionável brasileiro, tanto do meio do século XX quanto contemporâneo, a Oiamo apresentará ao público internacional uma série de 7 esculturas luminosas. Criadas por Tiago Braga em colaboração com as artesãs da Ladrilã, uma comunidade rural do sul do Brasil, as peças refletem a riqueza das tradições artesanais e culturais dessa região.
Ponte entre o Céu e a Terra
Inspirada nas formas orgânicas das nuvens e na cosmovisão do povo indígena Guarani, a Coleção Arandu Estelar reúne mais de 300 pétalas de pura lã, feltradas e costuradas à mão, um recurso natural, renovável e biodegradável. A lã, extraída de maneira respeitosa, promove a saúde dos rebanhos e contribui para a economia circular.
Os processos criativos por trás dos artefatos culturais da coleção destacam a materialidade da lã gaúcha, as tradições artesanais do extremo sul brasileiro e o conhecimento ancestral da Cultura Estelar, uma herança cultural inestimável dos povos indígenas do Pampa. As esculturas, ao filtrar a luz suave através da lã, evocam o animismo – a crença de que entidades não humanas possuem uma essência espiritual – criando uma experiência sensorial que transmite uma sensação de relaxamento e uma conexão espiritual profunda.
Voz das Artesãs
“Trabalhar com a lã de ovelha é manter viva a memória da minha avó e aumentar a conscientização sobre o valor da matéria-prima que ainda hoje é desprezada por produtores que não conhecem a sua importância”, afirma Tânia Tunes Furtado, líder do coletivo de artesãs da Associação Ladrilã. Sua declaração ecoa o espírito de resistência cultural e a importância de preservar as tradições ancestrais em um mundo em constante mudança.
O projeto é fruto de uma etnografia realizada por Tiago Braga em Viamão, Rio Grande do Sul, onde ele estudou profundamente o modo de vida e os saberes ancestrais nas terras tradicionais do povo Guarani (Ñandeva e Mbya). Weramibim, líder da comunidade indígena Kaaguymirim, resume a ligação intrínseca entre céu e terra para os Guarani: “Tudo que está no céu, está também aqui na terra”. Para este povo, o céu não é apenas um elemento de adoração, mas uma parte vital da organização comunitária e dos rituais de sobrevivência.
Arandu Estelar: Arte que Transcende Funcionalidade
As esculturas luminosas da Coleção Arandu Estelar transcendem a funcionalidade do design, servindo como um lembrete da urgente necessidade de legitimação e demarcação das terras indígenas. Os Guarani, um dos povos indígenas mais numerosos do Brasil, continuam a enfrentar desafios como insegurança territorial, discriminação e repressão.
“A astronomia cultural tem várias definições formais, mas, em poucas palavras, é o estudo da relação que os humanos têm com o céu noturno,” explica Tiago Braga, destacando a importância de compreender e respeitar essas tradições culturais profundas que guiam a vida dos povos indígenas.
A Coleção Arandu Estelar será exibida durante toda a PAD LONDON DESIGN + ART, oferecendo ao público uma rara oportunidade de experimentar a fusão entre tradição e modernidade, artesanato e design, e a profunda conexão espiritual que une céu e terra.
SERVIÇO
OIAMO NA PARIS DESIGN WEEK 2024
Exposição: “Uma coleção para Frans Krajcberg” | “The Collector’s House”
Realização: bref, design art
Lançamento internacional da Coleção Rizomas
Data: 04 a 08 de setembro
Local: Espace Frans Krajcberg | Chemin du Montparnasse, 21 Avenue du Maine, Paris, França
https://pt.espacekrajcberg.fr/
Horário de funcionamento: de terça a sábado, das 14h às 18h; noturno na quarta, das 14h às 20h
Acesso metrô: Montparnasse-Bienvenüe (saída n°2 Place Bienvenüe)
linhas: 4, 6, 12, 13 | Acesso ônibus: 28, 48, 58, 89, 91, 92, 94, 95, 96
OIAMO NA PAD LONDON | DESIGN + ART
BRAZIL MODERNIST / PEREIRA & MATIS | STAND C6
https://www.padesignart.com/en/exhibitor/brazilmodernist/
08 A 13 DE OUTUBRO | 2024
BERKELEY SQUARE
LONDON W1J 6EN | UK