Eles são náufragos, estão frágeis e desesperados. A odisseia de mil migrantes não terminou nesta segunda-feira (7) devido à decisão do governo de extrema-direita de Giorgia Meloni de autorizar o desembarque em Catânia, na Sicília, apenas de mulheres grávidas, crianças e pessoas “vulneráveis”.

Três deles se jogaram no mar ao pular do navio humanitário Geo Barents atracado no porto siciliano, em um gesto de desespero após uma noite sem água, sem acesso a banheiros e na expectativa de sair do limbo jurídico em que se encontram.

Salvos pelas forças de ordem, foram colocados à disposição das autoridades, que evitam qualquer contato com a imprensa.

“Mas eles são todos vulneráveis. O náufrago é vulnerável em princípio. Eles viveram o horror. Eles estão traumatizados”, resume Riccardo Gatti, chefe da organização de Socorro e Busca da Médicos Sem Fronteiras, responsável pelo Geo Barents, com bandeira norueguesa, que se encontra ancorado no Pier 10 com 214 pessoas em vez de 215, de um total de 572 resgatados, porque uma pessoa foi retirada à noite devido a um ataque de pânico.

“O estresse psicológico é grave, alto”, conta Gatti, lamentando a nova disposição italiana que permite o desembarque “seletivo” de migrantes que fogem da pobreza e da guerra da África e da Ásia e os obriga a devolver o restante dos resgatados ao alto-mar.

Uma “seleção” desumana e implacável, como denunciou em declarações à imprensa o senador de esquerda Antonio Nicita, do partido Democrático.

Após uma inspeção controversa, várias centenas de mulheres grávidas, crianças e pessoas consideradas frágeis foram autorizadas a deixar o navio no domingo.

“Acho que o conceito de fragilidade deve ter o sentimento que merece (…) Essa interpretação dos padrões internacionais está fora da norma”, protesta Gatti.

Para muitos, o que acontece é incompreensível e a situação pode piorar ainda mais, já que três outros navios com mais de 800 imigrantes resgatados semanas atrás no mar continuam aguardando o sinal verde para entrar em um porto seguro na Grécia, Espanha, Malta ou Itália.

Entre eles o Ocean Viking, de bandeira norueguesa, da SOS Méditerranée, com outros 234 imigrantes a bordo, sendo 55 menores de idade, 43 deles desacompanhados, que permanece em águas internacionais, a poucos quilômetros do porto de Catania.

“Eles foram resgatados há 20 dias no mar e estavam à deriva há vários dias. Estão desesperados. Contam horrores do que viveram”, disse à AFP Francesco Creazzo, assessor de imprensa da SOS Mediterranée.

A nova política anti-imigração do governo de extrema-direita no poder desde o final de outubro tem como alvo as ONGs que resgatam migrantes no Mediterrâneo, por considerar suas embarcações como “navios piratas”.

“Devemos dar ao conceito de fragilidade o significado que merece (…). Acho que essa interpretação dos padrões internacionais está fora da norma”, destacou Gatti.

Enquanto isso, o governo Meloni mantém seu duelo com as organizações humanitárias, seguindo a mesma política de fechamento de portos que foi promovida entre 2018 e 2019 pelo então ministro do Interior de extrema-direita Matteo Salvini, atual vice-presidente e ministro da Infraestrutura.