É uma cidade dentro da cidade”, sentencia, animado, Anderson Prado, prefeito de Lençóis Paulista, a 230 km de São Paulo. Ele se refere à fábrica gigantesca de R$ 8 bilhões da Bracell — uma das maiores produtoras de celulose do planeta, com sede em Cingapura —, que será inaugurada na cidade no fim deste ano, e que fez com a região ganhasse novas estradas e a maior caldeira de recuperação de insumos de celulose do mundo, superando outra instalada na Indonésia. “Sem contar que, em três anos, o orçamento do município vai praticamente dobrar”, afirma. Se hoje Lençóis movimenta cerca de R$ 300 milhões por ano, esse valor chegará a R$ 500 milhões até 2024, segundo projeções oficiais, quando as receitas da fábrica — que também será a maior produtora mundial do polímero, com capacidade de gerar 1,5 milhão de toneladas anuais de celulose solúvel— chegarem, enfim, ao caixa municipal.

A história da nova fábrica em Lençóis Paulista, chamada de Projeto Star, começou em janeiro de 2019, quando o governador paulista, João Doria, se encontrou com o diretor do Grupo Royal Golden Eagle (RGE), Anderson Tanoto, que administra a Bracell, no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça. Foi o mesmo evento em que o presidente Jair Bolsonaro apareceu por cerca de 15 minutos para dar um dos discursos mais rápidos da história do encontro, frustrando políticos e empresários de todo o mundo. Naquela época, a Bracell já produzia 250 toneladas de celulose kraft por ano na cidade, mas ainda não tinha planos de se expandir. “Na ocasião, o governador deixou claro todo o respaldo estrutural que ele poderia dar para novos investidores, como era o nosso caso”, explica Pedro Stefanini, diretor-geral da empresa no Brasil.

Região de Bauru, com 39 cidades, terminou 2020 com um saldo positivo de 7 mil empregos. Foi o melhor resultado do Estado

Inicialmente, o investimento total seria de R$ 7 bilhões, que seriam destinados para o projeto de quadruplicar o parque industrial no interior do Estado (a empresa ainda tem um fábrica em Camaçari, na Bahia). Há pouco mais de um ano, esse montante aumentou em R$ 1 bilhão, depois de uma nova rodada de negociações entre o governo paulista e o RGE — e quando já se passavam dois meses do início das obras. O dinheiro extra foi comemorado por ser destinado a iniciativas sustentáveis, como a própria caldeira de celulose, que produzirá energia a partir da própria biomassa dos eucaliptos. No total, o volume investido pelo grupo apenas na região foi um pouco menor que o PIB de Roraima (R$ 14 bilhões). Trata-se do maior investimento privado no estado de São Paulo em 20 anos. Enquanto isso, o volume de recursos da iniciativa privada na infraestrutura brasileira em 2020, sob a gestão Bolsonaro, foi o menor em duas décadas (representou 1,55% do PIB).

RECORDE Caldeira de celulose, no interior paulista, será a maior
do mundo (Crédito:Marco Ankosqui)

Emprego

Prado acredita que o trunfo do processo foi o planejamento econômico entre Poder Público e iniciativa privada. “Tudo foi feito com um olhar municipalista, que não é sempre o que a gente, do interior, costuma ver”, diz o prefeito. Os impactos são grandes: segundo números oficiais, dos 13 mil trabalhadores que estiveram no pico da obra, em meados deste ano, 4 mil eram da cidade. No começo deste mês, a Bracell organizou um sistema de coleta de currículos que foi apelidado pelos moradores de “drive thru do emprego”, em que os candidatos eram atendidos sem sair do carro. Ao fim do dia, 2 mil participaram. “Foi um grande evento”, diz o motorista Reginaldo Urias, que estava em busca de uma oportunidade. Mais impactada foi a vizinha Macatuba, de 17,2 mil habitantes: quase um terço do município estava empregada na construção da nova fábrica. Tudo isso em uma região (de Bauru) em que houve o maior saldo positivo de empregos de São Paulo no ano passado, com balanço positivo em 7 mil postos formais entre os seus 39 municípios. Uma vez pronta, somente a fábrica de Lençóis Paulista vai gerar 6,6 mil empregos diretos e indiretos.

“Foi um divisor de águas para muita gente aqui”, conta a operadora Ana Caroline Oliveira, de 21 anos. Com um grupo de jovens, ela chegou à Bracell há um ano, ainda como trainee, selecionada dos cursos técnicos que o Centro Paula Souza de Lençóis Paulista abriu para dar conta da demanda. Formada em Química pela instituição, ela já subiu duas vezes de cargo desde que foi contratada — e entrou no curso universitário de Engenharia de Produção neste ano para prosseguir na carreira dentro da empresa. “Minha família ficou muito orgulhosa quando eu consegui a vaga.

Tinha muita gente querendo entrar aqui”, revela. O atrativo vai além da região de Bauru: a instrutora Danieli Tenório, de 38 anos, conta que todos os dias recebe mensagens de pessoas de outros estados, como Bahia e Goiás, interessadas em trabalhar na nova fábrica. “É realmente um privilégio para quem mora aqui”, comenta. “A realidade local foi rapidamente transformada”, afirma Stefanini. Lençóis Paulista registra, desde 2019, aumento na procura por imóveis e por serviços, como a hotelaria, que acabou de receber aportes da francesa Accor. É por isso que, enquanto os indicadores da economia brasileira estão cada vez mais em queda, São Paulo já aponta para cima.