Quando se pensa em viver sem internet, a sensação é que estamos perdendo algo importante, a última notícia, uma surpresa, um amigo. Como sobreviver sem as mídias sociais, suas novidades, contatos e mentiras? É difícil, mas algumas pessoas estão conseguindo superar essa dependência contemporânea, pelo menos parcialmente, para se voltarem mais para experiências reais e preservarem a intimidade e a segurança. Ainda que usar um ou outro serviço digital seja inevitável, cada vez mais gente vive sob a dúvida de que a exposição social das redes pode não compensar seu entretenimento ligeiro e sua felicidade superficial. Há um movimento forte, em particular entre profissionais de tecnologia e usuários mais conscientes, para se afastar do domínio de serviços como Facebook, Instagram, WhatsApp e, inclusive, do Google, por conta de questões como privacidade e paz de espírito. Cresce o sentimento de que os algoritmos nos levam para lugares que não gostamos ou nos trazem mais informações sobre nós do que queremos. E a única saída para alguns acaba sendo a ruptura.

Em 2014, percebi que tudo meu estava no Google, que controlava meu email e sabia, a todo momento, onde eu ia e estava” Daniel Filho, programador (Crédito:Divulgação)

“Os algoritmos são capazes de entender o que você deseja antes que você mesmo tenha certeza disso, o que é insuportável”, afirma o analista de sistemas Roberto Bezerra, de 63 anos, que acha as mídias sociais pura perda de tempo e quer distância delas.“Não sou um rebelde das redes, que rompeu de maneira apaixonada, mas meu engajamento sempre foi pequeno e tendeu a diminuir.” Ele conta que não sabe se relacionar rápido pela internet, gosta de discursos mais elaborados, que não cabem numa tela de celular e se sente cansado do conteúdo que vê. “Não curto essa coisa de “like” e não tenho tempo para isso”, diz. “E se for para me entreter, prefiro ler um livro ou ver um filme.” Para se comunicar ele reserva um tempo diário para responder e-mails e trocar mensagens profissionais pelo WhatsApp. A internet é menos importante nos seus momentos de lazer. E seu caso mostra que deixar uma determinada plataforma pode significar uma tranquila experiência de desaparecimento, sem qualquer efeito relevante em sua vida. “A gente imaginava uma internet libertária nos anos 90 e o que se tem hoje é justamente o inverso”, lamenta.

Um dos motivos que levam as pessoas a abandonar as mídias sociais é concluir que a experiência é inútil, que pouco acrescenta e faz mais mal do que bem. Insatisfeitos com sua intimidade devassada e com o controle de seu movimentos, só lhes resta a desconexão, mesmo que seletiva. “É impossível ficar isolado atualmente, mas isso pode ser relativizado”, afirma o desenvolvedor web Daniel Filho, de 39 anos. “Em 2014, eu percebi que tudo meu estava no Google, que controlava meu email e sabia para eu ia e de onde eu vinha. Fiquei chocado ao me dar conta de que todas minhas informações estavam num único lugar”. Daniel, que, desde 2016, vive em Berlim, na Alemanha, declara verdadeira abominação pelo Facebook e pelo Instagram e conta só que tem uma conta no Twitter completamente restrita em que todas as suas postagens são apagadas. Em vez do WhatsApp usa o Telegram. Segundo ele, um dos grandes problemas das mídias sociais e do uso do Google é perder totalmente o controle da informação que se recebe, principalmente na forma de anúncios e propagandas. “Não tenho a mínima confiança no Google e muito menos no Facebook, principalmente depois do episódio da Cambridge Analytica. Sem transgredir as regras, eles conseguiram quebrar o acesso a qualquer dado e arruinar a democracia dos EUA”, completa.

Um velho ditado lembrado por Bezerra diz que quando você não paga por um produto é porque você é o produto. É o que acontece em todas as mídias sociais. A pessoa não paga, mas precisa engolir o que não quer, tem seus dados expostos e manipulados, entrega a alma e é feita de gato e sapato porque opta por escancarar suas informações. No livro “Dez argumentos para você deletar agora suas redes sociais”, o americano Jaron Lanier enumera vários bons motivos para se afastar delas. Entre eles estão a perda do livre-arbítrio, a resistência à insanidade e a destruição da capacidade de empatia. O caso do livre-arbítrio é notável. Para Lanier, somos um fantoche da rede que nos guia por onde quer e nos oferece como produto para anunciantes e para sistemas de inteligência artificial, que decidem quem somos. A psicóloga Sylvia Van Enck, colaboradora do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso, do Hospital de Psiquiatria da USP, diz que o bombardeio de informações da rede gera focos de tensão e pode levar ao medo e à fadiga. “O que devemos ter é um uso controlado e consciente”, afirma. Para alguns, esse uso envolve uma desconexão seletiva ou completa para driblar o rastreamento, a publicidade indesejada e a sensação de inutilidade. Pode ser uma decisão saudável de pessoas que não querem ser usadas.