Com uma vida pública iniciada como vereador na gaúcha Caxias do Sul, em 1960, pelo antigo PTB, e que o levaria a 32 anos no Senado, Pedro Simon, aos 88 anos, nem de longe é um político aposentado. Testemunha e participante ativo de alguns dos principais capítulos da história política do Brasil, ele distribui críticas a quem acha que mereça e diz que optou por não se candidatar mais. Do apartamento onde mora, no centro de Porto Alegre, Simon assistiu à votação no STF que negou o habeas corpus preventivo pedido pela defesa de Lula. Pensava no fim da impunidade — algo que jamais vira em toda sua longa carreira. Chamado de Velho Tribuno, Simon acredita que podemos estar diante de um ponto de virada, mas que não se trataria de uma panaceia, já que os problemas nacionais ainda carecem da construção de um grande consenso político em substituição ao toma lá dá cá vigente entre os partidos. Todavia, ele não crê que por enquanto esse seja um objetivo dos prováveis presidenciáveis: “Ninguém tem coragem de chamar para si essa missão”.
Para onde vai o Brasil após o julgamento do STF?
Deus estava do nosso lado. Se a decisão fosse inversa, seria criada uma situação incontrolável. A Lava Jato terminaria, os presos seriam soltos, seria mantida a expectativa de que a impunidade garantiria o futuro de qualquer vigarista. Essa última sessão do STF vai ficar na história. Duas mulheres salvaram o Supremo da desonra total: a presidente Cármen Lúcia, que marcou para votar essa questão em vez daquela que os outros queriam, e a ministra Rosa Weber, que deu o voto decisivo. Todos que tinham dúvidas descobriram que qualquer um pode ir para a cadeia. Esse é o início de uma perspectiva de que o Brasil pode mudar para melhor.
Antes a Justiça era mais parcial?
Sempre foi, até agora. Eu era guri em 1954, na morte do Getúlio. Fui para o enterro dele em São Borja. Quando terminou, não se apurou nada sobre o tal mar de lama da qual se falava. Depois, em 1964, derrubaram o Jango. Diziam que ele era o mais corrupto da história, que comprava uma fazenda por ano. A igreja foi para a rua, defendendo Deus, a pátria e a família. Os militares vieram, ficaram 21 anos no poder, prenderam, mataram, nomearam cinco presidentes e não teve ninguém do governo Jango que foi à cadeia por corrupção. Não apuraram nada e não se falou mais nisso. Depois, fui ser coordenador do Movimento Diretas Já, pelo PMDB. Foi espetacular, com todo aquele povo na rua, todo mundo favorável. Resultado: Tancredo foi eleito, morreu e assumiu o Sarney. E não se apurou nada da ditadura. Por isso, o Brasil é o país da impunidade. Jamais antes o Supremo botou empresário, ministro ou deputado na cadeia. Nossa corrupção não tem paralelo nem com os gângsteres de Chicago nem com a máfia italiana. Agora é preciso mudar. O mundo inteiro está nos olhando.
O que permitiu haver tanta corrupção?
Não foram os políticos que começaram, nem gente do Poder Executivo. A corrupção do governo Lula começou com os maiores empresários, que se reuniram na hora em que surgiram as novas grandes obras. O esquema era para facilitar os negócios. Uma empreiteira pegava uma obra no Rio, outra ia para São Paulo, uma terceira para o Nordeste. A partir daí, eles começaram a indicar os dirigentes das estatais. Quando o Lula diz que não foi ele que indicou, é capaz até de ser verdade. Mas não é tudo. Esse pessoal foi colocado lá para participar de um esquema.
Algo mudou desde então?
O que mudou foi o Supremo Tribunal Federal, ao definir que condenado em segunda instância deve ir para a cadeia. Aquela votação de 7 a 4 é que mudou tudo. O que ocorreu depois é consequência. Na segunda votação, essa decisão foi mantida por 6 a 5. E agora, de novo. Por causa disso, ficarão presos o ex-presidente da Câmara [Eduardo Cunha], o ex todo-poderoso ministro da Fazenda [Antonio Palocci], o ex-chefe da Casa Civil [Zé Dirceu] e o milionário das empreiteiras [Marcelo Odebrecht]. As celas estão cheias e, mais importante, há uma série de processos e investigações em apuração. Então, já não dá para se dizer que não há Justiça no Brasil. Basta olhar. E a coisa é tranquila. O Lula está se defendendo, o Geddel [Vieira Lima], que tinha uma montanha de dinheiro em um apartamento, teve todos os direitos garantidos. O Maluf foi para a cadeia. Hoje a liberdade é total. O problema está nos processos, que permitem recursos sobre recursos, frustrando a população. Uma reforma seria um segundo passo. Só que isso não pode ser feito agora. Agora, qualquer mudança na legislação seria para pior.
O senhor acredita no “acordão” para salvar quem escapou até agora, como disse Romero Jucá?
O que sei é o que todo mundo sabe. O “acordão” é tácito. Eles não precisam conversar entre si para chegar nisso. Ontem [quarta-feira 4] era isso que estava em vigor. Um ministro [Gilmar Mendes] veio de Portugal, antecipou o voto e foi embora. Por quê? Todos os partidos envolvidos estavam nessa jogada, como quando não votaram para processar o presidente Temer, assim como não prenderam o Aécio. Só que ontem deu errado o esquema para terminar com a Lava Jato.
A Lava Jato é um padrão para investigar a corrupção?
Isso mudou o Brasil. Houve uma falha aqui ou acolá, como quando um procurador fez um espalhafato dando a entender que estava tudo acabado quando não conseguiram levar o Lula para depor na Federal. Foi um exagero. Normalmente agiram com rigor com todos. O PT se queixa, mas o PMDB, o PSDB e outros estão na mesma situação. Agora há até a possibilidade de uma terceira denúncia contra o presidente. Não há o que discutir sobre o desempenho da Procuradoria e da Justiça.
O que acha de Lula começar a cumprir pena já?
Não estou muito preocupado se vai ser o Lula ou outro que irá para a cadeia. Não passa pela minha cabeça sequer que ele tenha que pagar e sofrer. O que interessa é o simbolismo da questão. Ele tem que ir para o resto ir atrás. Agora, está todo mundo assustado. Alguns que ainda estão na fase de denúncia já sabem qual será seu destino.
Qual o resultado dessa situação?
Quem sabe será possível fazer um governo sério com quem ficou de fora. Para tanto, teríamos que pensar no conjunto da sociedade e não apenas nos partidos. Quando fizemos o impeachment do Collor, tínhamos conosco a CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil] e os presidentes da ABI [Associação Brasileira de Imprensa] e da OAB [Ordem dos Advogados do Brasil]. Tinha gente de toda a sociedade. Hoje, a igreja católica está quieta. Naquela época, tínhamos o cardeal D. Paulo Evaristo Arns, que era uma maravilha. Hoje, não tem ninguém atuando de verdade.
O senhor imaginou que a Constituinte de 1988 produziria um texto que desse ao STF margem de interpretar a prisão em segunda instância?
Na Constituinte, vivíamos ainda o fim das prisões, das torturas, da falta de liberdade e da inexistência de habeas corpus. Foram mais de 20 anos daquilo. Na hora de criar a nova Constituição, não se falava em corrupção. O que entrou em jogo ali foram os direitos de defesa, in dubio pro reu, quem manda é o povo, liberdade de expressão. Tem direito para todo mundo; deveres e obrigações, só alguns. Foi um grande erro, mas algo justificável pelo clima de então.
O Congresso está com o presidente Temer?
Há sempre grande perigo quando um presidente diz que precisa de maioria para governar. E com esse Congresso que está aí, Temer não tinha como escapar. É algo que já aconteceu antes. O Sarney, quando presidente, rompeu com o Ulysses e criou o bloco dele, o Centrão, junto com o Roberto Cardoso Alves (PMDB). Eles eram da tese do “é dando que se recebe”. Eu e outros acabamos de fora na hora que o partido chegou ao poder. A gente queria moralizar o País, só que Sarney chegou e levou um monte de gente para o lado dele por causa das estatais e dos bancos públicos.
Michel Temer deveria concorrer?
Acho que não. O governo dele acabou. Ele está na mesma posição que o Sarney estava no final de seu governo, quando ninguém queria seu apoio. Só que o governo Temer tem aspectos positivos. Ele conteve a inflação e, aos poucos, o desemprego diminui. Acho que ele só fala em concorrer para continuar tendo alguma perspectiva de poder.
Em 2017, no escândalo da JBS, o senhor chegou a defender a renúncia de Temer.
Se o Temer tivesse renunciado, teria assumido a presidente do Supremo [Cármen Lúcia], que faria um governo acima do bem e do mal. Acho que ela levaria adiante as coisas que estão acontecendo.
No panorama atual, quem seriam os grandes candidatos à presidência?
Hoje vejo o Jair Bolsonaro [PSL] crescendo, mas não acredito que ele possa fazer metade mais um dos votos no segundo turno. O Ciro Gomes [PDT] é sério e foi bem no Ministério da Fazenda e no governo do Ceará. O problema está em seu gênio, que é algo imprevisível se for para ele assumir uma presidência nas atuais circunstâncias. Marina Silva [Rede] é boa demais para isso que está aí. Ela teria condições de escolher um ministério de alto gabarito, como o Itamar fez após a saída do Collor. O problema dela está na troca de partido. Ela não negocia, não dá nada para ninguém. Outra possibilidade seria o Joaquim Barbosa, ex-presidente do Supremo. O Álvaro Dias [Podemos] é um homem de bem, mas não sei se ele teria condições de ultrapassar as barreiras de seu partido. Já o Geraldo Alckmin [PSDB] foi governador três vezes de São Paulo. Já provou tudo que tinha que provar, mas acho que não está na linha de renovação que todo mundo está querendo. O PSDB foi muito atingido, visto as acusações contra o ex-governador de Minas [Aécio Neves].
No passado, o senhor criticou duramente o PMDB. Agora, como MDB, seu partido apresenta condições de seguir no comando do Executivo?
Se analisarmos, nem o PSDB tem condições de governar hoje. Não surgiu gente para fazer o grande entendimento político necessário. Daí vão buscar o dono da Riachuelo [Flávio Rocha] ou aquele rapaz da televisão [Luciano Huck], sem contar esse ex-capitão da direita [Bolsonaro]. Onde fomos parar? Ninguém tem coragem de chamar para si essa missão.
O senhor pensa em voltar à política aos 88 anos?
Essa foi uma boa piada.