Desde a infância, Bianca Silva vive em Paraisópolis, uma das maiores favelas de São Paulo. Filha de uma empregada doméstica e de um eletricista, a menina negra de longos cabelos encaracolados e trinta e tantos dentes brancos e certinhos abandonou cedo o sonho de ser professora de português. Não ia dar. Ela mudou os planos quando uma bola oval caiu nas suas mãos.

Bianca tem 21 anos e foi descoberta pelo Instituto Rugby Para Todos, projeto que junta cidadania, lazer e esporte e procura joias em uma modalidade que quer se popularizar no Brasil. Ela é uma das Leoas de Paraisópolis e destaque da seleção feminina que estreia nesta sexta-feira no Pan, diante do Peru, às 12h40 (Brasília).

O projeto surgiu quando um grupo de atletas do Morumbi, bairro que rodeia a comunidade, decidiu divulgar o esporte e aumentar o número de participantes. Hoje, o projeto atende mais de 200 alunos entre 6 e 18 anos. “Eu vivo numa comunidade, mas consigo viajar pelo mundo fazendo o que gosto”, diz a ponta, que foi eleita no ano passado a melhor atleta da modalidade na 20.ª edição do Prêmio Brasil Olímpico realizado pelo Comitê Olímpico do Brasil (COB).

A modalidade foi entrando aos poucos na vida da menina, que tinha 14 anos quando começou. “Nunca pensei que fosse chegar à seleção. Eu comecei a ter uma desenvoltura muito boa, eu era rápida, conseguia ler o jogo e comecei a vivenciar isso, a pegar o gosto pela coisa”, disse Bianca.

Ela se tornou conhecida na comunidade como uma versão esportiva do “yes, we can”, lema que se tornou comum na região. “Na favela, as pessoas podem fazer a diferença quando têm oportunidade. O projeto é celeiro há dez anos”, avalia Gilson Rodrigues, líder comunitário.

Bianca se tornou um rosto inspirador também lá fora. A World Rugby, a federação internacional da modalidade, lançou uma campanha internacional neste ano para o desenvolvimento da modalidade feminina. Bianca foi chamada para contar sua história. “Eu amo a sensação de jogar como ponta, pegar a bola e não deixar ninguém me pegar”, afirmou.

Bianca foi importante no título da seleção brasileira do torneio Hong Kong Sevens em abril. Ela ajudou a colocar o Brasil na elite da World Sevens Series, a liga mundial da modalidade. Foi a primeira vez que o País venceu a segunda divisão. Em 2020, pela segunda vez na história, as brasileiras vão disputar a divisão principal. Em Lima, Bianca diz que a meta é superar o bronze do último Pan e beliscar a prata. O ouro deve ficar com os Estados Unidos.