INCONFORMISMO Manifestantes pró-Trump não reconhecem a
vitória do democrata Joe Biden (Crédito:Jonathan Ernst)

Ao final do processo eleitoral para a presidência dos EUA, a cada quatro anos há um ato meramente protocolar no qual os delegados dos 50 estados se reúnem em um Colégio Eleitoral, dão por encerrada a contagem de votos e confirmam a vitória de um dos candidatos. Este ano, essa tradição bicentenária ganhou um significado altamente político. Enterrou na prática as esperanças de Donald Trump em subverter o resultado do pleito. Suas ações procuravam minar a democracia mais estável do planeta. A resposta foi cabal. Na segunda-feira, 14, e os delegados confirmaram o que o mundo todo já sabia: Joe Biden venceu as eleições com placar amplamente favorável. O democrata obteve 306 votos no Colégio Eleitoral, contra 232 de Trump. Na votação popular, Biden e a vice Kamala Harris conquistaram 81,6 milhões de votos, sete milhões a mais que Trump — um recorde na história do país. A partir desse momento, não há mais possibilidade legal de contestação. No dia 6 de janeiro, esse resultado será ratificado numa sessão especial no Congresso, presidida por Mike Pence, o vice-presidente, e o resultado oficializado.

O presidente Trump demonstrou, no mínimo, ser um mal perdedor. Ele adotou a estratégia de desqualificar o processo eleitoral afirmando, sem provas, que foi vítima de fraude. Pediu a recontagem de votos em estados-chave, como Michigan e Wisconsin, locais em que Biden venceu. Teve mesmo a audácia de pressionar lideranças estaduais para mudar resultados. O jornal “The Washington Post” informou que ele telefonou para o governador da Geórgia, Brian Kemp, de seu partido, para que anulasse a vitória do democrata no Estado. Como vinha prometendo antes do pleito, Trump inundou a Justiça com mais de 50 processos. Em todos os casos foi derrotado — até na Suprema Corte, em que Trump tinha absoluta certeza de vitória. Na mais alta corte do país, havia indicado a juíza conservadora Amy Coney Barrett na intenção de que ela o ajudasse — mas no tribunal votou contra os interesses do presidente. Para Denilde Holzhacker, professora no Núcleo de Negócios e Estudos Americanos da ESPM, o sistema eleitoral dos EUA é complexo, há possibilidade de erros, mas Trump ficou sem opções. Diferentemente das eleições brasileiras, em que o TSE centraliza as ações, nos EUA são os estados que realizam os trâmites. O sistema permite a contestação e foram feitas recontagem de votos. “Todas as averiguações foram realizadas”, afirma. Há casos, em que a recontagem aumentou o número de votos a favor de Biden.

Apoiadores de Trump armados contestaram em Washington o resultado eleitoral. A polícia contou 20 pessoas esfaqueadas (Crédito:Leah Millis )

Trump investe na deslegitimação do processo para tentar manter sua base após as eleições. A sua passagem pela Casa Branca deu proporção nacional à polarização. Segundo Holzhacker, são bandeiras com apelo na população: a exacerbação do nacionalismo, as declarações racistas e machistas e o endurecimento nas relações diplomáticas. Num levantamento do “Post”, entre os 249 parlamentares republicanos, apenas 27 reconhecem a vitória de Biden. A força do trumpismo na população se comprovou mais uma vez em manifestações de rua, sábado, 11, em Washington. Apoiadores de Trump armados contestaram o resultado eleitoral. Em meio ao tumulto, a polícia contou 20 pessoas esfaqueadas, o que gerou tensão entre os delegados do Colégio Eleitoral. Em Wisconsin, por exemplo, os delegados que estavam reunidos na Suprema Corte estadual foram orientados a deixar o Capitólio em caso de protestos. Pouco antes do horário agendado, eles rejeitaram pela segunda vez um pedido da candidatura republicana de anulação de 200 mil votos.

Democracia vence

A intenção de Biden é virar a página da eleição e restabelecer a normalidade. A posse, em 20 de janeiro, será marcada por uma cerimônia tímida devido à pandemia, Na última semana, tentou colocar um ponto final na cruzada golpista de Trump. “A chama da democracia foi acesa nesta nação há muito tempo. E agora sabemos que nada, nem mesmo uma pandemia ou um abuso de poder, pode apagar essa chama”, disse. Ele terá tarefas difíceis pela frente: promover rapidamente um plano para combater a pandemia, formular um novo programa de saúde parecido com o Obamacare, aprovar no Congresso um pacote de ajuda financeira, abafar as contendas externas criadas por Trump e, principalmente, pacificar o país. A Trump restará se defender na Justiça, pagar as contas que deve e espernear pela derrota.