A prisão do ex-ministro Geddel, a não reeleição do ex-deputado federal Lúcio e o indiciamento dos dois irmãos e da mãe deles, Marluce, por lavagem de dinheiro e associação criminosa afastaram a família Vieira Lima do centro das decisões do País, mas não totalmente da política. A apreensão dos R$ 51 milhões em dinheiro em um apartamento em Salvador, em setembro de 2017, também não significou uma derrocada financeira para o clã político baiano.

Dois anos após a Operação Tesouro Perdido, as posses da família Vieira Lima somam 12 fazendas, que chegam juntas a 9 mil hectares. Nas propriedades, avaliadas no mercado em cerca de R$ 67 milhões, os Vieira Lima plantam cacau e são donos de 12,7 mil cabeças de gado.

Além disso, mesmo afastado do dia a dia da política, o clã ainda preserva alguma influência sobre as decisões políticas do MDB. A despeito de ter prometido se afastar da política para cuidar de sua defesa e dos “negócios da família”, Lúcio Vieira Lima tem conversado com lideranças políticas e participado das reuniões das executivas estadual e nacional do MDB como suplente, com direito a voz, mas sem voto.

Longe dos holofotes e 25 quilos mais magro por causa de uma reeducação alimentar, Lúcio tem administrado a compra e venda de gado e as plantações de cacau. Reveza-se entre os negócios, reuniões com advogados e caminhadas diárias na Avenida Centenário, em Salvador – próxima à sua casa e a poucos metros do apartamento que ficou conhecido como “bunker”. No Instagram, posta quase diariamente fotos com os cachorrinhos Carreirinha e Cotton, ambos da raça Spitz Alemão.

A interlocutores, Lúcio avisou que está na “transição para abandonar a política” – o ex-deputado deixará a executiva nacional, que será redefinida na convenção do MDB marcada para hoje. Suas movimentações nem de longe lembram as da época em que era deputado federal, conhecido no Congresso pelos comentários políticos recheados de piadas e palavrões. Hoje, vai a Brasília apenas para acompanhar o processo do qual é alvo no STF e visitar o irmão mais velho no Complexo da Papuda. Na terça-feira passada, 1, o ministro Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, relator da ação, votou pela condenação dos dois. O julgamento ainda não foi concluído.

Geddel está em prisão preventiva há quase dois anos – o que é visto como “abuso” pela defesa. Abatido e num quadro depressivo, conforme relatos de interlocutores, o ex-ministro fala pouco e tem sentido a distância da família. As decisões contrárias a uma transferência para Salvador e a um habeas corpus mexeram ainda mais com o psicológico do emedebista. Além de um filho pequeno, Geddelzinho, o ex-ministro tem uma ligação muito forte com a mãe, que exercia intensa influência na vida pessoal e política e na condução dos negócios dos filhos.

Aos 83 anos e com problemas de saúde, Marluce é acompanhada por enfermeiros e não se locomove sem ajuda de uma cadeira de rodas, segundo amigos da família. Por isso, a matriarca dos Vieira Lima não viu mais o ex-ministro desde que ele foi levado para a Papuda.

Recursos

A fortuna da família, contudo, segue preservada. Os Vieira Lima possuem investimentos em postos de gasolina e em um renomado restaurante de frutos do mar, frequentado pela elite soteropolitana.

Nas eleições de 2018, Lúcio declarou patrimônio de R$ 9,2 milhões em bens (terras, aplicações de renda, ações, depósitos bancários e automóveis, entre outros). Naquele ano, investiu R$ 760,1 mil de recursos próprios (30% dos R$ 2,45 milhões gastos na eleição). Mesmo assim, viu sua votação cair de 220 mil (mais votado da Bahia em 2014) para 55.743 votos entre uma eleição e outra. Com a derrota de Lúcio, foi a primeira vez em 44 anos (desde que o pai, Afrísio, tornou-se deputado federal em 1975) que os Vieira Lima ficaram sem mandato.

Lúcio não quis dar entrevista – disse que é para não prejudicar o julgamento em curso no STF. A defesa da família não respondeu às tentativas de contato da reportagem. A tese sustentada, contudo, é de que o processo possui irregularidades. Durante sua sustentação oral na 2.ª Turma do STF, o advogado Gamil Foppel falou em “obsessão em mandar para a cadeia”.

Além de Geddel, Lúcio e Marluce Vieira Lima, também são réus pelos crimes de lavagem de dinheiro e associação criminosa na ação penal 1.030, aberta depois que foram encontrados os R$ 51 milhões, o ex-assessor parlamentar Job Ribeiro Brandão, que confessou os crimes, e o empresário Luiz Fernando Machado da Costa Filho.

A PF identificou impressões digitais de Job nas embalagens de dinheiro. Em depoimento, ele afirmou que tinha a função de contar quantias de dinheiro que variavam entre R$ 50 mil e R$ 100 mil. Já Luiz Fernando Machado é acusado de ter lavado dinheiro por meio de empresas do ramo imobiliário. A defesa alega que ele não tinha conhecimento da ilicitude do dinheiro recebido.

‘Bunker’ à venda

O apartamento 201 do edifício José Silva Azi, no bairro da Graça, em Salvador, está vazio e à venda – é visitado apenas por corretores e clientes interessados. Unidades com a mesma planta no prédio estão avaliadas em cerca de R$ 500 mil em sites de anúncios imobiliários. O valor é 0,98% do dinheiro encontrado em malas dentro dele.

No local, impera a lei do silêncio. Moradores não falam e porteiros são orientados a não dar informação sobre o 201 – apartamento que ganhou o apelido de “bunker” depois que a Polícia Federal encontrou R$ 51 milhões em dinheiro armazenado em malas de viagem em 2017. “Não temos autorização para passar informações individuais” é a resposta padrão a quem pergunta pela unidade.

O empresário Silvio Antônio Cabral da Silveira, que emprestou o apartamento para Geddel, não quis falar com a reportagem. Em depoimento, ele afirmou que o ex-ministro havia pedido o imóvel emprestado para guardar pertences do pai, que morreu em 2016. Ele não foi processado.

Candidato

O ex-diretor geral da Defesa Civil de Salvador Gustavo Ferraz também escapou do indiciamento, mas ainda sofre as consequências do envolvimento no caso do “bunker”. Ele admitiu, em depoimento na época, que foi a São Paulo buscar uma mala de dinheiro para Geddel, a fim de financiar a campanha eleitoral de 2012, mas afirmou que não imaginava que o montante tratava-se de caixa 2 ou propina. Hoje, nega a alcunha de “operador” como chegou a ser apontado.

Em 2017, Ferraz ficou 40 dias preso no Distrito Federal. A Polícia Federal encontrou meia impressão digital do dedo anelar direito dele em sacos de dinheiro encontrados no apartamento. Ele se livrou por falta de provas suficientes de seu envolvimento no episódio.

Após a decisão da 2.ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de não indiciá-lo, Ferraz voltou a advogar nas áreas cível e do consumidor. Ele projeta abrir um escritório próprio de advocacia, mas diz que hoje vive com “dificuldades” pela falta de emprego. Ferraz disse à reportagem que tem completado a renda com a contribuição da família.

O ex-diretor da Defesa Civil sustenta até hoje a versão de que não tinha relação próxima com os Vieira Lima, e diz que foi indicado para um cargo na prefeitura de Salvador “como tantas outras pessoas”. Ele se desfiliou do MDB no ano passado e, hoje no PV, é pré-candidato a prefeito de Lauro de Freitas, município da Grande Salvador. “Tenho certeza que o povo de Lauro de Freitas entendeu que, de fato, eu não tinha nada a ver com aquilo”, disse. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.