As consequências do aquecimento global não se tratam apenas de alterações no nosso estilo de vida, o derretimento de camadas de gelo pode trazer uma série de problemas à sociedade como o ressurgimento de agentes infecciosos antigos como vírus e bactérias. Esses seres permanecem na permafrost, uma camada de matéria orgânica congelada por pelo menos dois anos consecutivos, e são definidos como “zumbis”.

+ Cientistas reviveram um vírus ‘zumbi’ que passou 48.500 anos congelado

Resumo:

  • Vírus e bactérias podem sobreviver congelados por milhares de anos utilizando um processo biológico denominado de criptobiose, quando tornam o seu próprio metabolismo inativo;
  • A OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou por meio de sua porta-voz que já possui muitos cientistas que investigam patógenos que podem sair da permafrost;
  • A comunidade científica teme que as próprias pesquisas no pergelissolo ou a mineração na região possam acabar fazendo humanos entrarem em contato com esses seres infecciosos.

O virologista francês Jean-Michel Claverie, de 73 anos, que passou mais de uma década na Rússia estudando esses seres vivos, deu uma entrevista ao Japan Times explicando que os cientistas consideram patógenos vindos de áreas tropicais como a maior ameaça à saúde pública. Até o momento, já foram identificados vírus de 50 mil anos que ainda tem potencial infeccioso na permafrost. “Agora, percebemos que pode haver algum perigo vindo do norte, à medida que o pergelissolo descongela e libera micróbios, bactérias e vírus.”

Em 2014, Claverie conseguiu revelar ao mundo que seres infecciosos retirados da permafrost podem ser “revividos”. A partir daí, a equipe continuou trabalhando com os vírus do pergelissolo, chegando a retirar um com 48.500 anos de idade de um lago congelado.

Os resultados da pesquisa foram publicados em 2022 e deixaram claro que um patógeno desconhecido pode representar um risco aos seres humanos, outros animais e plantas. Um exemplo é o caso que ocorreu em 2016 na Sibéria, depois de uma camada de permafrost descongelar. Na ocasião, as altas temperaturas acabaram por ativar esporos de antraz, bactéria que causa uma doença grave, o que causou uma série de infecções e a morte de uma criança, além de milhares de renas.

Outros cientistas ainda neste ano conseguiram reanimar uma lombriga de 46 mil anos que estava congelada na Sibéria apenas a hidratando. Esses seres conseguem sobreviver por um processo denominado de criptobiose, quando eles ficam em um estado metabólico inativo.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) já analisa vírus e bactérias que podem causar pandemias, incluindo os que podem aparecer depois do descongelamento do pergelissolo, desde 2017, como explica a porta-voz da instituição Margaret Harris. “Trabalhamos com mais de 300 cientistas que investigam evidências de todas as famílias de seres infecciosos.”

Permafrost

O permafrost cobre um quinto do hemisfério norte, tendo sustentado a tundra ártica e as florestas boreais do Alasca, Canadá e Rússia por milênios. Ele serve como uma espécie de cápsula do tempo, preservando – além de vírus antigos – os restos mumificados de vários animais extintos que os cientistas conseguiram desenterrar e estudar nos últimos anos, incluindo dois filhotes de leão das cavernas e um rinoceronte lanudo .

Problemas da pesquisa

Por conta da Guerra na Ucrânia, a colaboração com o governo russo no intuito de efetuar pesquisas relacionadas à permafrost tem sido complicada. Claverie explicou que os membros de sua equipe não podem mais falar com os nativos do país eslavo. Fora essa situação, a mineração na região também pode ser um perigo, como esclareceu o virologista. “Aumentaria a possibilidade de interação humana com um patógeno antigo potencialmente prejudicial.”

Com esse temor, alguns pesquisadores passaram a defender uma forma menos agressiva de lidar com os vírus “zumbis”, para evitar a contaminação humana. “Seria bom estabelecer uma maneira especializada de acompanhar a população nativa da Sibéria, para ver que tipo de doenças eles contraem […] se algo estiver vindo do permafrost, seremos capazes de capturá-lo mais rapidamente”, disse Jean-Michel Claverie em relação à abordagem que os cientistas deveriam ter.

O francês também deixou claro que jamais voltará à Sibéria justamente pelo perigo que essas expedições representam, o que ele definiu como “loucura”. “Quanto mais velho você fica, melhor você se torna em filosofia […] Talvez seja melhor deixar essas coisas em paz.”

Os Estados Unidos abandonaram uma série de projetos de identificação de patógenos perigosos no Sudeste Asiático, na África e na América Latina. Todas essas pesquisas acumulavam um gasto de 125 milhões de dólares (cerca de R$630,4 milhões) e foram suspensas justamente pelo medo de esses cientistas gerarem uma nova pandemia.