Maior parte do insumo utilizado pelo agronegócio no país é importada da Rússia. Alta no tarifaço para a Índia devido à compra de petróleo russo acende alerta para produtores rurais no Brasil.O tarifaço de Donald Trump taxou em 50% grande parte dos produtos brasileiros exportados aos Estados Unidos e fez do Brasil, até agora, o país mais atingido dentre uma lista de mais de 60 nações e territórios que tiveram suas tarifas revistas pelo governo americano. A medida, no entanto, pode ser apenas o começo de uma longa batalha comercial envolvendo o agronegócio.
Isso porque o país é um grande comprador de insumos da Rússia, principalmente diesel e fertilizantes. Já a partir desta sexta-feira (08/08), os Estados Unidos poderiam pressionar e taxar ainda mais o Brasil em um dos seus mais fortes mercados, o de exportação de produtos agrícolas, que já tende a sofrer com o tarifaço atual, em vigor desde a meia-noite desta quinta-feira.
A desconfiança aumentou ainda mais quando Trump anunciou aumento das tarifas para produtos importados da Índia, que estão em 25% e devem passar a 50% a partir de 28 de agosto – empatando, assim, com o Brasil no topo dos países mais taxados. A medida foi justificada como retaliação indireta à Rússia pela guerra na Ucrânia, já que a Índia é grande compradora de petróleo russo.
Os fertilizantes são compostos químicos aplicados no solo para preparar e melhorar as condições para o plantio, o que influencia diretamente na produção agrícola.
A importação de fertilizantes russos pode bater um novo recorde em 2025. De janeiro a junho deste ano, foram adquiridas quase 6 milhões de toneladas. Em 2024, o maior número da série histórica, foram 12,5 milhões de toneladas.
Outro produto que o Brasil também adquire em grande quantidade da Rússia é o diesel, igualmente na mira de sanções dos EUA. Senadores brasileiros que visitaram o país na semana passada, a fim de tentar sensibilizar o governo Trump, retornaram com a informação de que o montante de combustível russo adquirido pelo Brasil pode estar incomodando ainda mais os americanos.
O diesel fica atrás somente dos fertilizantes no ranking de produtos importados pelo Brasil. Em 2025, mais de 60% do combustível que o país comprou no exterior veio da Rússia.
Mais de 30% dos fertilizantes vêm da Rússia
O Brasil importa mais de 80% dos fertilizantes usados para aumentar a produtividade das lavouras e potencializar áreas produtivas, com o potássio tendo um papel de destaque entre essas substâncias.
Historicamente, 95% do potássio utilizado no Brasil é importado, sendo Rússia e Belarus dois fornecedores tradicionais, ao lado do Canadá. Em 2022, com as dúvidas sobre a continuidade do fornecimento em meio à guerra na Ucrânia, os preços dispararam no mercado internacional, e estimularam a criação do Plano Nacional de Fertilizantes (PNF).
Quase um terço (31%) do total de fertilizantes importados pelo Brasil vem da Rússia, seguida de China (14%), Marrocos (11%) e Canadá (10%). Dos Estados Unidos, são importados apenas 4%.
O Brasil é o quarto maior consumidor de fertilizantes do mundo, com 8% do total, atrás apenas de China, Índia e EUA. E produtos como soja, milho e cana-de-açúcar respondem por mais de 70% do insumo usado no país – o Brasil compete justamente com os Estados Unidos como maior exportador global de soja.
Uma das alternativas, segundo especialistas, seria reestruturar a logística de importações e abrir novas negociações, a fim de concluir novos acordos e ampliar os mercados, a exemplo do aumento das parcerias com Canadá e Marrocos. Isso, no entanto, pode levar tempo.
Medo de sanções
Um aumento das tarifas para o Brasil não tende a ser aplicado diretamente sobre a importação de fertilizantes a partir da Rússia, mas sim sobre as exportações de outros produtos brasileiros para os EUA, em forma de retaliação e pressão econômica.
Em declaração ao jornal Folha de S.Paulo no dia 5 de agosto, o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Ricardo Alban, alertou que o governo brasileiro precisa estar atento para o caso de as sanções americanas envolverem proibições de compras de produtos.
"A posição dos Estados Unidos dada à Rússia foi que, se ela não resolvesse o problema da guerra, eles iriam abrir retaliações que envolveriam quem compra produtos da Rússia. E nós compramos petróleo e fertilizantes, que são muito sensíveis ao agronegócio", comentou.
Investimentos na produção interna
Se as sanções entrarem mesmo em vigor, seria difícil resolver o problema da noite para o dia. Ainda que o Brasil tenha lançado o PNF em 2022, a meta é produzir cerca de 50% do insumo consumido pelo país somente até 2050. De acordo com o Ministério da Agricultura e Pecuária, os investimentos devem chegar a R$ 25 bilhões até 2030.
A produção interna, porém, é um imenso desafio. Desde 2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia, os impactos do conflito levaram à disparada de preços e busca por fontes alternativas a uma série de produtos, a exemplo de fertilizantes no caso do Brasil. Isso levou setores a se mobilizarem para que reservas nacionais, incluindo terras indígenas, também passem a ser mais exploradas.
Na época, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro determinou a autossuficiência como prioridade, incluindo a mineração do cloreto de potássio em terras indígenas. O principal projeto fica no Amazonas, na região de Autazes, e é alvo de disputas jurídicas.
No ano passado, o vice-presidente, Geraldo Alckmin, defendeu o avanço da extração em Autazes. "Potássio é mina, eu não escolho, é natureza. É fundamental para a produção de alimentos. Existe tecnologia para que isso seja feito com sustentabilidade. Estou confiante que teremos uma boa solução, que vai gerar riqueza e trazer segurança alimentar", afirmou.
Recursos na Amazônia
A expectativa é de que o projeto possa suprir até 25% da demanda brasileira. O relatório A crise dos fertilizantes no Brasil: da tragédia anunciada às falsas soluções, elaborado pelo departamento de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), mostra que 11% do total das reservas na Bacia do Amazonas estão em terras indígenas e quase 80% dos recursos se encontram fora da Amazônia, com Minas Gerais possuindo 75% das reservas.
Em Autazes, a mineração gera conflito com o povo indígena mura, já que as jazidas estão em território ocupado pela população. Teme-se que os indígenas sejam obrigados a abandonar as terras, além dos efeitos negativos para o meio ambiente na região. O relatório anual de 2023 do Observatório dos Conflitos da Mineração no Brasil destaca o caso como uma das explorações que mais tiveram disputas agravadas recentemente no país.
gb/ra (DW, ots)