Deveria bastar fazer uma denuncia através de um número de telefone para que os abusos de mulheres, idosos, crianças e adolescentes fossem apurados e até evitados. Mas no governo Bolsonaro não é isso que acontece. Seja através do Disque 100 (Disque Direitos Humanos) e do 180 (Central de Atendimento à Mulher) ou por meio dos Conselhos Tutelares, pouco ou nada se sabe do resultado real das queixas feitas pelas vítimas de violência. O Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, finge que não ouve e que não vê. Mesmo em governos anteriores, quando o encaminhamento de denúncias já era extremamente baixo, pelo menos, os dados eram divulgados no relatório anual do ministério. Em 2020, o governo decidiu omitir a porcentagem dos casos que teriam sido investigados após denúncia. Pressionado, o Ministério disse em nota que não apresentou os dados por uma “opção editorial”, com o objetivo de mostrar apenas dados gerais, mas que “todos os casos eram encaminhados”. Porém, a taxa média de retorno de todos os canais de comunicação das queixas foi de 17.9%, ou seja, menos de 16 mil casos obtiveram alguma resposta.

Damares viu a divulgação do relatório produzido sob a sua tutela como uma agressão. “A guerra contra a pedofilia não é fácil, vão inventar todo tipo de mentira para nos desacreditar”, disse ela nas redes sociais, convocando seus apoiadores para que saíssem em sua defesa. Ela, que foi abusada na infância, afirmou no início do governo que a proteção das crianças e adolescentes era a sua principal causa. Contudo, não é isso que se observa quando os dados são friamente analisados.

“Quando há agressão física, a vítima precisa ser encaminhada imediatamente para os serviços de saúde” Maria Elena Sodré, psicóloga (Crédito:Marija Stepanovic)

O relatório da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos mostra que, em 2019, foram feitas 86.837 denúncias de violência contra crianças e adolescentes, o que representa 55% do total das denúncias recebidas. Em relação a 2018, houve um aumento de 13,9% nas queixas, o que pode indicar que há maior mobilização por parte da sociedade na hora de fazer uma notificação.

Para a psicóloga Maria Elena Sodré, membro da ONG EPTOM, que atua contra o abuso infantil, e conselheira dos Direitos da Criança e do Adolescente, atender às denúncias é crucial. “Quando há agressão física, a vítima precisa ser encaminhada imediatamente para os serviços de saúde e assim controlar as conseqüências futuras do abuso”, diz. Ela relembra ainda que um menor de idade não tem maturidade suficiente para se defender sozinho e que as crianças são, na maioria dos casos, abusadas por membros da família, sendo difícil fazer o caso chegar a uma delegacia. “O atendimento desse tipo de denúncia pode evitar que o abuso dure por muito tempo, com efeitos que podem ser devastadores”, afirma.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias