Na noite de 19 de setembro, o guarda-civil metropolitano Ednilson dos Santos atirou na direção do morador de rua Tiago (nome fictício), de 25 anos, argumentando que ele participava de uma “confusão”. O disparo acertou o solo e os estilhaços, a perna do rapaz. Tiago foi levado por PMs à Santa Casa – Santos diz que ele rejeitou sua ajuda e, por isso, foi embora. A arma foi apreendida.

O caso foi parar na Corregedoria da Guarda Civil Metropolitana (GCM) de São Paulo. Segundo a denúncia, o guarda estava com sete GCMs, uniformizados, que bebiam em um bar, quando o episódio aconteceu.

À Corregedoria, o agente negou a acusação e disse que tomava um lanche com um colega no final do serviço. Afirmou que uma das pessoas no meio da confusão fez menção de “sacar” algo, o que o assustou. Apesar de admitir ter disparado, até agora não foi aplicada punição a ele. O órgão afirmou que o caso segue “em apuração”.

Denúncias do tipo à Corregedoria da Guarda têm se tornado cada vez mais comuns na capital paulista. Apenas neste ano, até o dia 24 de setembro, foram 186 – o maior número pelo menos desde 2013, quando foram registradas 78 denúncias no mesmo período. Os dados representam uma alta de 138%.

Na maioria dos casos não há punições. De 948 denúncias recebidas desde 2013, só três resultaram em demissão do guarda. É o que revela um levantamento da Secretaria Municipal da Segurança Urbana (SMSU) obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo por meio da Lei de Acesso à Informação. A maior parte das apurações já concluídas (649 de 767) resultou em arquivamento.

O motivo do aumento, diz a Guarda, é que existem mais agentes nas ruas – ao menos 120 foram deslocados de atividades administrativas para operações neste ano. A intensificação de ações da GCM em locais considerados de conflito, como a Cracolândia e a Praça da Sé, na região central, também é apontada pela corporação como a causa das denúncias. Já a falta de punição acontece, diz o órgão, por não haver provas suficientes. A reportagem tentou manifestação da assessoria da gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT), mas não obteve resposta.

Entre as vítimas há comerciantes, ambulantes, moradores de rua e até mesmo outros guardas. A íntegra do histórico das denúncias à qual a reportagem teve acesso mostra que histórias como a de Tiago não são exceção. Ato incompatível com a função (210) e ameaça (88) foram os casos mais registrados no canal no período analisado.

Em 2 de fevereiro, a Corregedoria recebeu o relato de que, durante serviço de limpeza urbana, um morador de rua foi agredido por guardas ao tentar impedir a retirada de uma cadeira da calçada. Segundo a denúncia, “os GCMs desferiram golpes de cassetete”. O próprio denunciante diz que tentou filmar com seu celular, mas alegou ter sido agredido verbalmente. O caso segue sob apuração.

Uma audiência pública realizada na Câmara Municipal no último dia 19 trouxe à tona a discussão das eventuais irregularidades cometidas por GCMs. Na ocasião, o comandante-superintendente de Operações da GCM Agnaldo de Barros Pedro afirmou que não há recomendação de agir com truculência com moradores de rua e disse que os casos são isolados.

“Em uma instituição c0m 6 mil homens, é pregada a doutrina do comando, de tratar com respeito todas as pessoas. Mas sempre tem desvio de conduta. Toda instituição tem desvio de conduta.” Ele admitiu falta de padronização nas ações de limpeza urbana. “A zeladoria que é feita na Sé é diferente da que é feita na Mooca, que é diferente da feita na zona leste.”

O especialista em Segurança Pública e coronel reformado da PM José Vicente da Silva Filho afirma que é preciso aperfeiçoar normas e procedimentos da Guarda, padronizando sua atuação, e melhorar o treinamento e a supervisão dos GCMs, para evitar abusos. “São orientações bem claras a respeito do que se fazer em determinadas situações. É uma deficiência que a Guarda tem, pois (as orientações) precisam ser atualizadas”, afirmou o coronel.

Sem denúncia

Nem todos os que relatam agressões fazem denúncia formal, por medo de represália. Presentes na audiência pública, o ex-morador de rua Henrique Marcondes Alves, de 23 anos, e sua companheira Michelly David Alves, de 23, dizem ter sido agredidos com chutes e empurrões por um grupo de guardas há cerca de dois meses, antes de uma ação de lavagem de calçadas, quando moravam em uma barraca na Avenida 9 de Julho. Hoje, estão em um abrigo da Prefeitura.

“Chegaram às 7 horas me chutando, me chamando de ‘noia’ e vagabundo. Levantei nervoso e comecei a debater. Ele (GCM) me empurrou e eu empurrei também. Aí vieram sete guardas e me arrebentar”, diz Marcondes. A Corregedoria disse que vai averiguar a informação.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.