O colombiano Gabriel García Márquez é um dos grandes nomes do realismo fantástico na literatura, mas sua longa experiência como jornalista também o tornou um mestre na narrativa de casos reais. A mais conhecida entre suas obras de não-ficção é Notícias de um Sequestro, publicada em 1996. O livro-reportagem aborda um período sombrio na história da sociedade colombiana. Nos anos 1990, o conflito entre o governo e os traficantes liderados por Pablo Escobar levou os criminosos a uma estratégia tão cruel como covarde: sequestros em série de pessoas ligadas ao governo, entre elas, parentes e funcionárias.

O grande objetivo dos cartéis era forçar o então presidente César Gaviria a abandonar a política de extradição que o país caribenho passara a manter com os EUA. Com a guerra às drogas a pleno vapor na América, ser enviado para as rígidas prisões norte-americanas era o maior temor dos traficantes sul-americanos. O receio era tão grande que as perigosas gangues rivais se uniram em um grupo autodenominado “Os Extraditáveis”, passando a cometer atentados e atos terroristas, elevando a violência contra a sociedade civil a níveis insuportáveis.

ALGOZES Traficantes colombianos: histórico de crueldade e covardia

Em 1993, Maruja Pachón e seu marido, Alberto Villamizar, convidaram García Márquez a escrever sobre o período de seis meses dela como refém e as árduas negociações por sua liberdade entre as autoridades e os sequestradores. Ao se aprofundar na história, García Márquez percebeu a conexão entre o rapto de Maruja e outros nove casos ocorridos simultaneamente. “Na verdade, não eram dez situações diferentes, mas um único sequestro coletivo de dez pessoas muito bem escolhidas, executado por uma mesma quadrilha e com uma mesma finalidade”, afirma o autor, no prefácio dolivro.

Apesar do histórico de críticas às adaptações de suas obras para as telas, o Nobel de Literatura de 1982 teria aplaudido a série Notícia de um Sequestro. Com uma envolvente edição que alterna thriller político e drama humano, a produção chega ao streaming da Amazon Prime em uma narrativa bastante fiel ao livro. Embora seja baseada em fatos reais, não segue o formato documental. Tem direção de Andrés Wood, de Machuca e Violeta foi para o Céu, e foi produzida por Rodrigo García Barcha – detalhe que garante sua qualidade.

Filho de Gárcia Márquez, Rodrigo trabalhou como diretor de fotografia em Grandes Esperanças e A Gaiola das Loucas, além de ter dirigido episódios para a TV dos seriados A Sete Palmos e Família Soprano. A experiência como diretor responsável de Em Terapia, sobre a vida de um psicanalista, parece ter sido útil na elaboração do clima claustrofóbico do novo projeto.

Notícia de um Sequestro foca majoritariamente no rapto de quatro mulheres: Diana Turbay, Maruja Pachón, Marina Montoya e Beatriz Villamizar. Ainda que compartilhem o mesmo terror do cativeiro, a história de Diana Turbay se destaca. Filha do ex-presidente Julio César Turbay Ayala, a jornalista foi vítima de uma armadilha no caminho para uma suposta entrevista com o líder guerrilheiro Manuel Pérez Martínez, o “padre Pérez”. Na verdade, o contato com ela havia sido feito por um emissário de Pablo Escobar, e não havia nenhum encontro agendado. Diana e o cinegrafista foram informados de que encontravam-se na posição de reféns apenas quando já estavam no coração da selva, próximos do cativeiro. Embora situadas nos anos 1990, essas cenas da violência, infelizmente, ainda afetam diversos países sulamericanos.

Cem Anos de solidão virá a seguir

Depois de Notícia de um Sequestro, o próximo livro de Gabriel García Márquez que vai virar série é o clássico Cem Anos de Solidão (Netflix). Será a primeira adaptação de sua obra mais famosa, após inúmeras propostas rechaçadas ao longo dos anos. Para assegurar que a trama respeitará a visão original, a produção está a cargo de Rodrigo García e Gonzalo García Barcha, filhos do autor. “Na atual era de ouro das séries, com o alto nível de escrita e direção, a qualidade do conteúdo e a aceitação pelo público de línguas estrangeiras, não haveria melhor momento para trazer essa adaptação ao cenário global”, afirma Rodrigo. A família exigiu apenas que as filmagens fossem feitas na Colômbia e que a produção mantivesse o idioma original, o espanhol. O porto-riquenho José Rivera será o roteirista e estão previstas ao menos três temporadas, com oito episódios cada.

EM FAMÍLIA Gabo com a mulher, Mercedes, e os filhos, Gonzalo (à esq.) e Rodrigo: respeito pelo legado