Em 1997, o Betis surpreendeu ao pagar 32 milhões de euros, que atualmente equivaleriam a R$ 124 milhões, para tirar Denílson do São Paulo, naquela que seria a negociação mais cara da história do futebol até então. Às vésperas de mais um “Grande Dérbi”, que será realizado sábado, no estádio Ramón Sánchez Pizjuán, casa do Sevilla, o hoje comentarista da Band relembra a pressão que passou a receber devido aos valores do negócio e a desconfiança dos próprios companheiros na sua chegada.

O pentacampeão mundial com a seleção em 2002 conta que pouco sabia sobre o clube que pagou tão caro em sua contratação e aponta a disputa da Série B espanhola como decisiva para sua carreira na Europa: “Acabou mudando a percepção da imprensa e dos torcedores. Eles me valorizaram”, disse ao Estado.

Confira a entrevista completa:

Qual era o projeto do Betis quando você chegou lá?

O objetivo do clube era lutar pelas vagas da Copa da Uefa (a atual Liga Europa) e da Liga dos Campeões. A gente tinha um time competitivo, com mescla de jogadores jovens e experientes, e conseguimos chegar nessas competições, além de ganhar a Copa do Rei, em 2005.

O que você conhecia do Betis quando deixou o São Paulo?

Eu não conhecia praticamente nada. Só quando recebi a proposta é que fui procurar saber a grandeza do clube. Confesso que, naquele momento, o que pesou mesmo foi a questão financeira. Quando cheguei lá me apaixonei completamente pela cidade (Sevilha), pelo clube e pelos torcedores. Agora pelas redes sociais é possível acompanhar mais de perto. O clube está em um patamar que merece e agora tem um centro de treinamento impecável e um estádio moderno. Na minha época, o estádio ainda estava em reforma.

O preço da sua transferência gerou uma pressão extra?

Eu fui vendido, mas acabei jogando mais quatro meses aqui e já senti isso. A pressão vinha da imprensa e da própria torcida do São Paulo. Não tinha noção que as pessoas fariam essa comparação do valor pago com a minha qualidade técnica ou com meu desempenho a cada jogo. Demorei quase duas temporadas na Europa para entender tudo isso. No meu segundo ano, a equipe acabou caindo para a Série B e venho jogar no Flamengo por seis meses. Na minha volta à Espanha tudo muda. As pessoas começaram a saber o que esperar de mim e o relacionamento no vestiário melhorou 100%. Acho que, pelo fato de ter voltado para disputar uma Série B acabou mudando a percepção da imprensa e dos torcedores. Eles me valorizaram.

E como o jogador mais caro do mundo foi recebido no vestiário?

Quando o jogador assume a responsabilidade dentro de campo, fica tudo mais fácil fora. E eu não consegui dar essa resposta de imediato. Então, senti essa desconfiança de parte do vestiário. Eles não falavam, mas eu sentia que estavam pensando: “Como pagaram tão caro em um cara que não consegue driblar dois jogadores ou fazer um gol?”

Como a chegada dos outros brasileiros ajudou o time? E para você, ter compatriotas no grupo facilitou em algo?

Foram contratações de peso e que mudaram o Betis de patamar. Quando cheguei era o único brasileiro no vestiário e isso foi até bom. Tive que me adaptar na marra. Quando os outros brasileiros chegaram eu já era quase um espanhol. Tanto que acabei orientando eles sobre moradia, lugares mais tranquilos para frequentar. Dentro de campo, hoje eles são ídolos e sempre lembrados com carinho. O Edu foi um dos artilheiros do time junto com o Ricardo Oliveira. O Marcos Assunção, com a liderança dele, chegou a ser capitão do time, algo que tem valor muito diferente na Europa.

Como foi ver o nascimento desse Sevilla?

Eles começaram contratando jogadores desconhecidos. Lembro da imprensa me perguntando quem era o Daniel Alves e eu também não sabia. O Júlio Baptista também chegou sem badalação. Eles têm uma filosofia. Acabam vendendo aqueles atletas que se destacam e conseguem fazer caixa para contratar outros jogadores sem tanto nome para depois vender e fazer mais caixa. É um processo muito parecido com o que faz o Porto, de Portugal. São dois clubes com esse olhar de encontrar jogadores que depois acabam se tornando estrelas.

É possível imaginar o Betis fazendo algo parecido?

O Betis vem fazendo esse tipo de contratação pensando no futuro, como agora, na chegada do mexicano Diego Laínez. Também investiram no Willian Carvalho, ainda novo mas já com experiência de Copa do Mundo. Esse processo de apostar em jogadores mais novos mesclando com mais velhos pode dar muito certo. O Betis está no caminho certo, com esse pensamento a longo prazo, e estou muito feliz de ver o clube nesta situação.

E como é ver o Joaquín, seu companheiro, ainda jogando?

Eu brinco falando que ele vai apagar a luz do Betis. Ele está com 37 anos e ainda está muito bem. A gente conversa até hoje e temos um excelente relacionamento. Quando ele subiu pro time principal, em 2000, foi um alívio. Naquela época eu tinha um peso, tanto nas vitórias como nas derrotas, e ele se tornou uma válvula de escape. O time jogava muito pelo meu lado (na esquerda) e isso fez as equipes rivais marcarem melhor. Com o Joaquín do lado direito nosso ataque começou a funcionar melhor e passamos a marcar mais gols. Ele se destacou tanto que jogou a Copa de 2002.

E o clássico da Andaluzia? Qual a dimensão da rivalidade?

Não tenho dúvida que tem a mesma importância de Boca x River, Grêmio x Internacional ou Barcelona x Real Madrid. Bétis x Sevilla é um campeonato à parte. Eu tive a felicidade de viver isso, ganhar, perder, marcar gols nos dois estádios. Tivemos momentos de o clube estar muito mal na classificação, mas aí você ganha o clássico e parece que está tudo bem. Esse discurso de que é apenas mais um jogo é da boca pra fora, porque a vitória vale muita coisa. Se essa não for a maior rivalidade que existe, está no Top 5, com certeza.