O sofá na casa de Caroline Garcia, 21 anos, em Votuporanga, no interior de São Paulo, ficou até aquecido, tamanha a quantidade de horas que a estudante de Direito passou tentando encontrar a melhor posição para o seu corpo, minado pela febre alta, que já havia alcançado picos superiores a 39º C. Diagnosticada com dengue no início do mês, a tarde do dia 2 de fevereiro, quando soube que estava com a doença, foi marcante para a estudante, que passou a ter dores horríveis no corpo. Picada pelo mosquito Aedes aegypti durante uma viagem a Belo Horizonte, no final de janeiro, Caroline faz parte de uma estatística cada vez mais preocupante no Brasil.

Cenário crítico

Enquanto o temor com a possível chegada do Coronavírus mobiliza a atenção de autoridades, algo que não se confirmou até o momento, os casos de dengue explodiram no Brasil. Segundo dados do Ministério da Saúde, são 94 mil casos somente este ano, o que representa um aumento de 71% em relação ao mesmo período do ano passado. Em 2019, foram registrados mais de 1,5 milhão de casos, com 782 mortes, o que representou uma alta de 488% em relação a 2018. “Alguns fatores justificam o aumento. Em primeiro lugar, não está sendo dada a atenção devida à dengue, em razão da preocupação mundial com a epidemia do novo vírus surgido na China. Não podemos nos descuidar do combate ao Aedes aegypti, ainda mais no verão, quando temos períodos chuvosos”, diz o infectologista Leonardo Weissmann, da Sociedade Brasileira de Infectologia.

A explosão dos casos de dengue, provocada pelas chuvas de verão, demonstra que as autoridades declaram-se incompetentes para resolver o problema, que vai do combate ao mosquito, à limpeza dos logradouros públicos, à vacinação em massa contra a doença. No Brasil, existem quatro tipos de dengue: os sotipos 1, 2, 3 e 4. Uma das maiores preocupações de médicos e especialistas na endemia é a volta da circulação do sorotipo 2, que estava fora do radar há mais de uma década. “Como não temos imunidade para esse vírus e estamos em uma época favorável para a sua circulação, houve esse surto não combatido pela sociedade”, explica Rodrigo Said, coordenador-geral de Vigilância das Arboriroses do Ministério da Saúde.

Ainda segundo o Ministério, em boletim epidemiológico divulgado no último dia 19, 14 pessoas haviam morrido vítimas da dengue. Esse número, no entanto, pode ser ainda maior. A Secretaria de Saúde de Minas Gerais investiga ao menos dez mortes que podem ter sido causadas pela doença. O Paraná possui 17.500 mil casos confirmados e São Paulo tem mais 19 mil infectados. Se olharmos por região, teremos o seguinte mapa: Norte (5.286), Nordeste (4.899), Sudeste (41.142), Sul (25.588) e Centro-oeste (17.234). Em Votuporanga, cidade de Caroline, mais de 600 casos já foram constatados. “Só na minha turma da faculdade tem umas seis pessoas infectadas”, relata.

Atenção na folia

Diante do surto iminente, é preciso intensificar as medidas para diminuir os focos de proliferação do mosquito. O roteiro é conhecido, mas repeti-lo nunca é demais. Evitar acúmulo de água e tampar caixas d’água são algumas das tarefas primordiais. De acordo com Leonardo Weissmann, o poder público não pode arcar sozinho com o problema. A população também tem um dever a cumprir. “É claro que o governo precisa manter as ações de vigilância para combater o Aedes aegypti. Mas vale destacar que esta ação não é exclusiva das autoridades. É necessário que a população faça tudo o que estiver ao seu alcance para combater o mosquito continuamente, não apenas quando há o aumento no número de casos”, aponta. Para diminuir o avanço do mosquito, Rodrigo Said ressalta que governo antecipou campanhas de conscientização e tem visitado os estados para dialogar com gestores estaduais. Além disso, a pasta vai modificar o inseticida utilizado nos últimos anos. O novo produto entra em circulação a partir de março.

O Carnaval também está no radar das autoridades. A aglomeração de pessoas e, em conseqüência, do lixo, pode ser um fator a mais na batalha contra o aedes aegypti. Em Porto Rico, na região noroeste do Paraná, as festas já foram canceladas. A cidade tem 75 casos confirmados. “O que nós pedimos é que as pessoas tenham atenção com as garrafas plásticas e latinhas. Brinquem o Carnaval com segurança, mas o lixo produzido precisa ter destino correto, para que não haja nenhum acúmulo e os mosquitos se propaguem”, reforça Rodrigo Said. “Além do cuidado com os resíduos, usem e abusem do repelente”, conclui Weissmann.