RESUMO

• Brasil é o líder mundial em casos da doença
• Cenário de contaminação da dengue pode estar cinco vezes mais grave que no mesmo período de 2023

• Ministério da Saúde prevê 4,2 milhões de casos em 2024, mais do que o dobro do pior ano, 2015, com 1,68 milhão
• Sem saída:
adolescentes, público-alvo da vacina disponível, só estarão imunizados após os meses de pico (abril e maio)
• Boa notícia: em 2025, País terá vacina mais eficaz desenvolvida pelo Instituto Butantan
• Em testes, nível de eficácia chegou a 79,6% em dose única

 

Uma notícia ruim e uma boa sobre a dengue no Brasil. A negativa é que, em curto prazo, no ano de maior incidência de casos, o País já perdeu a guerra de imunização. A positiva é que a partir de 2025 os brasileiros terão imunizante com alta eficácia, em dose única e desenvolvido por aqui pelo Instituto Butantan, o principal produtor da América Latina.

Por ora, enquanto os gráficos mostram um cenário de contaminação entre quatro e cinco vezes pior que no mesmo período no ano passado, teremos que nos virar com a vacina Qdenga, da fabricante japonesa Takeda.

O número baixo de doses disponíveis fez com que o governo definisse o público-alvo em jovens de 10 a 14 anos, e apenas em municípios com mais de 100 mil habitantes e classificados com alta transmissão. Como a dose é dupla, com intervalo de três meses, e leva de duas a quatro semanas para fazer efeito após a segunda, os adolescentes estarão imunizados após o tradicional período de pico, entre abril e maio.

“A vacina disponível terá um impacto muito limitado na cadeia de transmissão atual, dado o intervalo entre as duas doses e o período após a segunda dose para induzir a resposta imune”, diz Esper Kallás, infectologista e diretor técnico do Butantan.

Entretanto, dado o tempo regular de desenvolvimento, testes, aprovação e produção de imunizantes, o cenário de disponibilidade no ano que vem é promissor.

Não é a primeira vez que o Butantan surge como salvador diante de emergência de saúde pública.
Em janeiro de 2021, durante a crise da Covid, o instituto fez chegar aos brasileiros o primeiro imunizante na pandemia, a Coronavac, produzida em parceria com a farmacêutica chinesa Sinovac.
Desde então, foram entregues mais de 115 milhões de doses ao Ministério da Saúde, o que ajudou a evitar, de acordo com publicação do Imperial College London, entre 700 e 900 mil mortes no País.

Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar
Instituto Butantan é o maior produtor de vacinas e soro da América Latina (Crédito:SILVIA ZAMBONI)

Anos de preparação

A vacina do instituto contra a dengue, Butantan-DV, começou a ser desenvolvida em 2009, em parceria com o Instituto Nacional de Saúde norte-americano (NIH).

• A fase 1, de ensaios clínicos, aconteceu entre 2010 e 12.
• Entre 2013 e 15, testes determinaram a segurança do imunizante.
• E em 2016 teve início o recrutamento e testes em voluntários — 16.235 com idades entre 2 e 59 anos foram acompanhados.
• A eficácia atingida foi de 79,6% em dose única contra os quatro sorotipos do vírus (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4).

“Não houve demora. Trata-se de um desenvolvimento bastante complexo. São quatro vacinas em uma. Houve, de fato, um atraso na consolidação e análise dos dados, impacto pela pandemia de Covid-19 entre 2020 e 2022. Mas continua em desenvolvimento pleno”, diz Kallás.

Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar
Trabalho de desenvolvimento da vacina foi acelerado dada a gravidade da situação (Crédito: SILVIA ZAMBON)

Os resultados foram publicados no conceituado New England Journal of Medicine. Junto a produção contínua de testes para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o Butantan pretende acelerar a melhor notícia sobre a doença causada pelo mosquito Aedes Aegypti desde que o primeiro caso foi documentado no País, em 1981. “Observe a Qdenga. A publicação se deu em 2019 e a aprovação pela Anvisa ocorreu em março de 2023. Estamos com a expectativa de submeter o pacote completo até o segundo semestre de 2024, que será prazo recorde considerando as vacinas de dengue que já receberam aprovação”, diz Kallás.

O País se aproxima rapidamente de 1,60 milhão de casos prováveis de dengue em 2024 — em pouco mais de dois meses já são quase 1,3 milhão e a previsão do Ministério da Saúde é que neste ano tenhamos 4,2 milhões de diagnosticados.

O número é mais do que o dobro do pior ano no registro histórico, 2015, com 1,68 milhão.

Os anos com índices mais altos correspondem àqueles influenciados pelo El Niño, com reforço das mudanças climáticas, pois o aumento de temperatura e de precipitações criam o cenário perfeito para reprodução do Aedes Aegypti, o vetor da doença.

“Tivemos momento de pico antecipado em alguns estados, principalmente do Sul e Sudeste, além de Goiás e Acre, mas teremos alta onde as chuvas ainda não estão intensificadas, como Norte e Nordeste”, diz o infectologolista David Uip.

Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar
“São quatro vacinas em uma, contra os quatro sorotipos do vírus”, diz Esper Kallás, diretor técnico do Butantan (Crédito:Rogerio Cassimiro)

A estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que metade da população mundial vive em áreas sob risco de contrair dengue (3,9 bilhões de pessoas). Essa é a importância do desenvolvimento de uma solução brasileira para a doença.

Ainda mais que nos próximos 50 anos, por conta do aumento das temperaturas no planeta e adaptação do mosquito, a Universidade de Oxford soltou projeção alarmante de que o risco pode chegar a 6 bilhões de pessoas.

O Brasil é o líder mundial em casos da doença. No ano passado, acumulou mais de metade das infecções pelo planeta. Segundo dados da OMS, foram 1,60 milhão de brasileiros contaminados dentro dos 5 milhões pelo mundo, que ocasionaram estimadas 5 mil mortes (no Brasil, foram 1.079).

As Américas concentram 80% dos casos, seguidas por Sudeste Asiático e Pacífico Ocidental. Os números atípicos de infecção vem sobrecarregando não apenas o sistema público.

Na Rede D´Or, maior grupo privado de saúde do Brasil, o número de atendimentos de pronto-socorro em janeiro, que já era considerado alto, triplicou em fevereiro — de 10 mil para quase 32 mil.

“O avanço da doença é expressivo, e criamos um plano de contingência para dar conta da demanda. O aumento do número de internações decorre da maior busca no pronto atendimento por parte de pessoas com sintomas da doença. É fundamental buscar auxílio médico especializado para evitar o agravamento clínico dos quadros”, diz Uip, diretor nacional da D’Or.

Prevenção e educação

Durante a semana, o estado de São Paulo decretou emergência para a doença. A decisão acontece quando o número de casos de infecção na região supera 300 a cada 100 mil habitantes.

Os decretos vão além de formalidade administrativa ­— facilitam repasse de recursos pelo Governo Federal e possuem caráter educativo ao fornecerem à população recado claro da gravidade da situação para conscientização preventiva, já que 75% dos focos do mosquito estão dentro das residências ou ao redor. “Por isso é importante que as pessoas atendam os agentes sanitários”, afirma Uip.

São importantes para alertar, também, sobre a escalada de gravidade da doença, que é traiçoeira.

• A dengue grave, que atinge um a cada 20 infectados, aparece entre três dias e uma semana a partir do início dos sintomas, justamente quando a febre começa a baixar.

• Ela inclui dor abdominal intensa, sangramento nas gengivas ou nariz, vômito persistente, queda de pressão arterial e dificuldade respiratória.

• As complicações podem levar à morte. O risco dessa é oito vezes maior entre a população acima dos 60 anos, já que nessa faixa etária é comum a presença de comorbidades como diabetes e hipertensão.

A vacina do Butantan por enquanto não atenderá a esse público. “Ela ainda precisa ser testada em pessoas com 60 anos ou mais. O estudo está planejado para começar no segundo semestre de 2024”, diz Kallás. “Em saúde pública, a melhor prevenção sempre será a vacina”, completa o infectologista Uip.Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar Dengue: a crise assustadora, que o Instituto Butantan pretende debelar