Demora do governo Lula para definir política de crédito desagrada setor aéreo

Demora do governo Lula para definir política de crédito desagrada setor aéreo

O governo Lula (PT) levou mais de 100 dias para definir a composição de um comitê de três integrantes que fará a gestão da política de crédito público às companhias aéreas, aprovada em agosto de 2024 pelo Congresso Nacional. A demora contrasta com a urgência do tratamento do tema pelo setor que, vindo de cinco anos no vermelho, conta com os financiamentos para apoiar agendas de recuperação.

A principal razão para o atraso, conforme apurou o jornal O Estado de S. Paulo, é a avaliação do governo de que a pauta pode ter se tornado menos urgente. Com apoio efusivo do ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho, os congressistas liberaram recursos para financiamento às aéreas por meio de alterações na lei do Fundo Nacional de Aviação Civil. Pela engenharia criada, os empréstimos serão operacionalizados pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).

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No último trimestre de 2024, o governo enviou ao Congresso um PLN (Projeto de Lei do Congresso Nacional, um tipo de proposição sobre matéria orçamentária de iniciativa do Executivo) que destinava cerca de R$ 4 bilhões ao fundo no Orçamento de 2024. A matéria foi aprovada em dezembro, depois de o Executivo ter publicado o decreto que criou o comitê gestor — formado apenas nesta semana.

Neste tipo de despesa prevista no orçamento, que consiste em funding para os bancos concederem crédito, o pagamento ocorre diretamente ao banco quando a despesa é efetivamente executada. No entanto, como essa ação sequer foi empenhada em 2024, o recurso não chegou ao BNDES. Neste caso, quando a despesa não é executada ou tampouco empenhada, ela só poderá existir novamente se for incluída mais uma vez no orçamento.

A secretária executiva do Ministério de Portos e Aeroportos, Mariana Pescatori, diz que outras etapas pendentes já estão adiantadas e, por isso, vê a possibilidade de o crédito ser liberado neste semestre. As regras sobre juros e prazos precisam ser aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional.

Para Pescatori, a espera não trará prejuízos e poderá servir para as companhias reverem as prioridades que serão informadas ao BNDES. “Tivemos mudanças. Companhias foram beneficiadas com perdão de dívidas fiscais”, afirma. A Advocacia-Geral da União (AGU) firmou acordos em janeiro com Gol e Azul para regularizar dívidas previdenciárias e fiscais, reduzindo os passivos de R$ 7,5 bilhões para R$ 2 bilhões.

Como os recursos do Fnac serão utilizados para viabilizar uma linha de crédito via BNDES, com juros subsidiados, eles não afetam o resultado primário, que tem meta de déficit zero, tampouco o limite das despesas primárias – já que são classificados como “despesa financeira”. A medida acaba, no entanto, afetando negativamente a trajetória da dívida pública, já que o Fnac é um dos fundos que tinham boa parte de seus recursos usados justamente para o abatimento da dívida.

Na avaliação do economista Marcos Mendes, esse tipo de auxílio às aéreas é uma forma encontrada pelo governo para fazer desembolsos sem afetar o limite do arcabouço. Como não é possível realizar uma despesa diretamente, o Executivo opta por expandir o crédito. Além disso, é preciso ainda escolher empresas para serem beneficiadas com o subsídio.

A Associação Brasileira das Empresas Aéreas mantém a demanda como prioritária. “O setor aéreo enfrenta diversos desafios que limitam o seu crescimento, como as dificuldades de financiamento e acesso a crédito, o desbalanceamento nas linhas de produção de motores e aeronaves e a alta do dólar, que impacta cerca de 60% dos custos”, afirmou em nota.

Possível descarte do governo

Os sinais de que o governo pode ter perdido o entusiasmo com a política de crédito se deram ainda em 2024, quando o PLN chegou ao Congresso. O Ministério de Portos e Aeroportos informava, até às vésperas, que havia identificado R$ 6 bilhões para serem repassados às companhias via Fnac ainda em 2024. A redução de R$ 2 bilhões desagradou.

Um representante do setor que fez parte das reuniões com o governo disse à reportagem que o recente perdão de dívidas fiscais “pode ter esfriado de vez” as intenções do Executivo para consolidar a medida. “Os recursos pelo Fnac foram aprovados após muita insistência, desde a pandemia. Depois, foi feito muito mais como gesto. Não houve declarações tão efetivas do governo”, afirma o articulador, que pediu para não ser identificado.

Outro indicativo é de que o Executivo não deve abraçar a demanda de transformar os financiamentos em uma política permanente. Então presidente da Abear, Jurema Monteiro disse, em outubro do ano passado, que, embora os R$ 4 bilhões iniciais fossem considerados pouco, isso poderia ser compensado já em 2025, com a liberação de pelo menos outros R$ 4 bilhões. A defesa das aéreas é de terem um incentivo setorial em moldes similares ao concedido ao agronegócio anualmente pelo Plano Safra.