É possível que uma atriz sem experiência política consiga surfar na onda antissistema que agita o Partido Democrata? A ex-estrela da série “Sex and the City” Cynthia Nixon acredita que sim e já reuniu as assinaturas necessárias para desafiar Andrew Cuomo, o democrata que há oito anos governa Nova York.

Com 65.000 assinaturas de apoio – precisava de 15.000 -, a premiada atriz de teatro e televisão e ativista em educação e direitos dos gays enfrentará o atual governador nas primárias democratas, previstas para 13 de setembro, antes das eleições de 6 de novembro.

Em pesquisas de meados de junho, essa mulher abertamente bissexual – foi casada com um homem antes de se casar com uma mulher em 2012 – tem poucas chances de se tornar a primeira governadora do estado de Nova York, um reduto democrata.

Segundo a Siena College, Andrew Cuomo, de 60 anos, citado como um possível presidenciável para 2020, abre uma vantagem de 35 pontos sobre Cynthia, de 52.

Isso foi antes, porém, do abalo causado no Partido, no final de junho, depois que a jovem nova-iorquina Alexandria Ocasio-Cortez, de 28 anos, filha de mãe porto-riquenha, até então quase desconhecida e se identificando como “socialista”, derrotou o veterano da sigla Jow Crowley, em primária para as eleições legislativas de novembro.

A vitória de Alexandria, encarnação de uma nova onda de democratas dedicada a lutar contra Donald Trump e, ao mesmo tempo, denunciar a cumplicidade da elite do partido com Wall Street, ao estilo do senador Bernie Sanders, reforçou a crise de identidade do partido.

Muitos dirigentes temem que uma virada para a esquerda possa repelir eleitores moderados, fazendo o partido perder a chance de retomar a maioria no Congresso em novembro e de derrotar Trump em 2020.

“Hoje, em toda Nova York, as pessoas querem mudança. Estamos cansados de democratas centristas e corporativos que tomam dinheiro do povo, como Donald Trump”, disse na quinta-feira Cynthia Nixon, que por seis anos interpretou a advogada Miranda em “Sex and the City”.

– Pré-candidata ‘socialista’ –

A eleição de Ocasio-Cortez “revelou minhas chances, revelou uma oportunidade”, disse Cynthia à AFP esta semana.

Mostrou que os “nova-iorquinos sabem diferenciar um verdadeiro democrata progressista e um democrata centrista ligado ao mundo dos negócios”, acrescentou.

A atriz se define como “socialista” e faz campanha a favor da igualdade econômica, pedindo melhores escolas públicas, mais verba para moradia e proteção à saúde das mulheres.

Por muito tempo, sua militância se limitou ao ensino público e aos direitos dos homossexuais.

Atualmente, esta mãe de três se ergue como defensora dos eleitores pobres, negros e de origem hispânica, abandonados pelos democratas – segundo ela -, promove a legalização da maconha e uma modernização do metrô nova-iorquino.

Nas últimas semanas, também marcou presença no crucial debate sobre imigração, lançando um abaixo-assinado para abolir a agência de imigração e aduanas ICE, depois do escândalo pela separação de famílias de migrantes em condição ilegal na fronteira com o México.

Para ilustrar sua rejeição às grandes corporações, faz campanha nas redes sociais e recebe muitas pequenas contribuições financeiras. Repete que Cuomo abandonou a base do partido e está comprometido com aceitar dinheiro de milionários – incluindo Trump, antes de ser presidente – para financiar suas campanhas.

É um estilo de política que tem atraído jovens urbanos liberais, desiludidos com a elite do partido, e mergulhados em um mar de dívida estudantil, além de enfrentarem a incerteza sobre o sistema de saúde.

Essa atriz ganhadora de dois Tony, um Grammy e um Emmy não se deixa intimidar pelas pesquisas e cita o caso de Ocasio-Cortez e de Trump como dois exemplos recentes de zebras eleitorais.

“Há uma insatisfação com nosso sistema eleitoral falido”, disse ela, acrescentando que as pessoas buscam “uma mudança como nunca viu antes”.

Sua ambição divide os democratas do estado de Nova York. Tem o apoio tácito do prefeito Bill de Blasio, inimigo do governador, assim como de várias organizações da ala esquerdista da legenda.

Cuomo, que fez alguns movimentos mais à esquerda, como em relação ao aumento do salário mínimo, tem cerca de 30 milhões de dólares para a campanha e mantém o apoio de pesos-pesados como a ex-senadora e ex-candidata à Presidência Hillary Clinton.

Ele parece, porém, consciente do perigo.

Nas últimas semanas, o governador se mostrou mais agressivo do que nunca contra o governo Trump no que diz respeito aos direitos dos migrantes, à igualdade de gênero, ou ao aborto.