Michael Hovde desaprova grande parte da agenda de Donald Trump. Mas acredita que, quando votar em 5 de novembro no estado-pêndulo de Wisconsin, os riscos serão muito maiores do que qualquer questão política isolada.

“Acredito que Trump seja uma ameaça existencial à democracia”, disse o eleitor de 36 anos, enquanto caminha pelo centro de Appleton, uma das áreas mais politicamente diversas de um dos estados mais divididos do país.

Ele menciona as pessoas “assustadoras” que cercam o magnata republicano e o Projeto 2025, apresentado em seu website como “um movimento histórico (…) para derrubar o Estado Profundo e devolver o governo para o povo”. Embora tenha sido escrito para Trump, o candidato republicano publicamente o repudia.

“Eles visam realmente ignorar e contornar os pesos e contrapesos, e verdadeiramente castrar a eficácia do nosso sistema político”, disse Hovde.

Não muito longe, nos gramados verdejantes e nas elegantes casas vitorianas desta cidade confortável de classe média, Casey Stern, de 58 anos, vê as eleições de forma bem diferente.

Sobre seu jardim meticulosamente cuidado, tremula uma imponente bandeira com a inscrição “Trump 2024”. Outra faixa pede o impeachment do presidente Joe Biden, com a inscrição: “Nós, o povo, estamos zangados”.

Se a mensagem é provocativa, as reações não ficam atrás. Stern relata que pedestres passam gritando ofensas, enquanto alguns críticos anotam seu endereço e lhe enviam cartas.

Ele reconhece que “os tuítes maldosos no meio da noite” de Trump podem irritar as pessoas, mas acredita que o país precisa de um líder “determinado” para enfrentar a inflação, a imigração e a criminalidade.

“Toda vez que vamos ao mercado, não conseguimos nem comprar um filé”, reclamou Stern.

Ele zombou das acusações dos democratas de que Trump representa um risco para a democracia, responsabilizando o presidente Joe Biden por sufocar o debate público sobre a pandemia de covid-19.

“Biden fez mais mal à democracia”, disse.

– Estado de tumulto –

Se há um estado onde a mensagem democrata de que Trump representa uma ameaça à democracia pode mobilizar eleitores é o Wisconsin.

Antes conhecido pela política limpa, polida, inclinada à esquerda, o Wisconsin se tornou o epicentro do partidarismo, um estado-pêndulo em essência, que poderia virar a eleição nacional.

Trump deixou assombrados os democratas ao vencer ali por estreita margem em 2016; enquanto em 2020, Biden tomou o Wisconsin de volta, novamente com uma vantagem apertada.

A reviravolta ocorreu em 2010, quando Scott Walker, um jovem republicano que muitos pensavam que respeitaria o estilo político moderado de Wisconsin, foi eleito governador e provocou mudanças generalizadas.

Ele tirou poder dos antes pujantes sindicatos de trabalhadores do estado e seus correligionários redesenharam os mapas eleitorais, virtualmente garantindo o controle do partido no Legislativo estadual.

Os democratas esperam que os republicanos tenham o castigo merecido nas eleições de 5 de novembro, disputando menos mapas partidários após uma determinação da nova maioria liberal da Suprema Corte estadual.

Kristin Alfheim, uma democrata que disputa um assento no Senado estadual, disse que mapas competitivos beneficiam a democracia.

“Isto dá a oportunidade aos dois lados prestarem contas, sabendo que vão precisar trabalhar juntos”, afirmou.

– A ‘democracia’ tem dois gumes –

Biden tem insistido na ameaça à democracia representada por Trump, que se recusou a aceitar a derrota em 2020 e inflamou seus apoiadores, que invadiram o Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

Desde que herdou a indicação democrata à Presidência, a vice-presidente Kamala Harris e seu companheiro de chapa, Tim Walz, governador de Minnesota, vizinho de Wisconsin, seguiu pelo mesmo caminho, mas adaptando a mensagem ao descrever Trump como “esquisito” e um prejuízo à civilidade, não apenas à democracia.

Arnold Shober, professor de política da Universidade Lawrence, em Appleton, disse que o tema da democracia teve “ressonância especial” em Wisconsin, após a experiência com Walker, derrotado nas eleições de 2018.

Mas Shober disse que ela tem dois gumes, com alguns republicanos ainda lamentando os protestos barulhentos, embora pacíficos, que perturbaram o Legislativo estadual quando Walker forçou a aprovação de sua medida antissindical, conhecida como Decreto-lei 10.

“Quando se fala sobre o 6 de janeiro em Wisconsin, o pessoal da direita instantaneamente diz: ‘Bem, mas e aqueles democratas com o Decreto-lei?'”, contou Shober.

“Eles o veem quase como uma questão de equidade. Você fez aquilo, nós também podemos fazer”, acrescentou.

– Contra-atacando o sarcasmo –

O Condado de Outagamie, sede histórica de gigantes papeleiras, e agora base de grandes empresas de escritório das quais Appleton é a sede, foi dominado por republicanos e originou o conhecido caçador de comunistas Joe McCarthy.

Mas em um microcosmo do país, viu se aprofundar a divisão urbana-rural. Os democratas avançaram no centro de Appleton, repleto de barzinhos, uma padaria artesanal e butiques.

O chefe-executivo do condado de Outagamie, Tom Nelson, um democrata simpatizante do socialista Bernie Sanders, se elegeu sucessivamente desde 2011, mesmo tendo visto a brutalidade na política aumentar com Trump.

“Ele incentivou esse sarcasmo, esse desdém, esse ódio”, afirmou.

Mas Nelson explicou que tem conseguido passar por cima da divisão com uma mensagem mais básica do que preservar a democracia.

Fundamentalmente, disse, as pessoas querem “poder viver em uma comunidade que seja segura, que seja saudável, que tenha uma economia forte e vibrante”.