Era por volta de 15h no horário de La Paz quando militares começaram a avançar pela Praça Murillo. Em poucos minutos, um tanque, comandado pelo general Juan José Zúñiga, iniciou a invasão ao Palácio Quemado, sede do governo boliviano.
Segundo o periódico ‘El Dia’, Zúñiga foi recebido pelo chefe de Governo, Eduardo del Castillo, que pediu para que o general se rendesse. Com pouca adesão dos militares, não restou outra opção ao general a não ser recuar suas tropas.
Zúñiga já era protagonista nos noticiários nas últimas horas. Ele foi demitido na terça-feira, 25, após ameaçar o ex-presidente Evo Morales de prisão.
A demissão revoltou o militar, que iniciou uma mobilização com seus aliados no Exército. Às TVs locais, Zuniga afirmou ser necessário a “retomada da Pátria” e um “novo gabinete”.
Na avaliação do professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, a tentativa de tomada de poder na Bolívia tem a insatisfação com as ações do governo Arce como um dos motivos, mas o pano de fundo é a possível candidatura de Evo Morales à presidência em 2025. Morales rompeu com Luis Arce, mas ambos pertencem ao mesmo grupo político.
“É um grupo dentro dos militares que é contrário ao governo do Arce e contrário ao grupo político do Morales que tentou tomar o poder à força. [A demissão do general] certamente tem relação, foi a gota d’água. Já se havia denúncias de corrupção contra o general, desvios de dinheiro”, afirmou.
“Acho que é a insatisfação com o governo e, principalmente, o temor que Morales seja o próximo presidente eleito. Me parece, neste momento, que este golpe tinha como alvo o Evo Morales para evitar que ele seja candidato no ano que vem”, concluiu.
Evo Morales se colocou, em setembro de 2023, como pré-candidato ao pleito do ano que vem. Entretanto, a Justiça boliviana proibiu a candidatura do líder indígena e anulou a regra de reeleição ilimitada.
Uebel vê a tentativa como um golpe de Estado tradicional, mas exaltou o posicionamento do Palácio Queimado para evitar o avanço dos militares. Na visão do especialista, a rápida repercussão negativa no cenário internacional também colaborou para segurar a democracia boliviana.
“É um método tradicional de golpe e que foi fracassado. É um golpe muito mais personalista do que coletividade. Me chamou a atenção a rápida resposta dos governos. Vimos os países se movimentando rapidamente para condenar a tentativa de golpe. Isso mostra que nenhum país apoiará um golpe clássico de Estado. A resposta é uma intolerância ao golpe de Estado”, ressaltou.
A Bolívia sofre com frequentes tentativas de golpes de Estado. As mais famosas aconteceram nos anos de 1964, 1969, 1971 e 1980.
O último caso aconteceu em 2019, quando Evo Morales respondia por supostas fraudes eleitorais. Na época, Morales era pressionado por militares para renunciar ao mandato, o que aconteceu em novembro do mesmo ano.
Em seu lugar, assumiu a presidência a então senadora Jeanine Áñez, que se autoproclamou como chefe de Estado. Ela e militares que pressionaram Morales são investigados por tentativa de golpe.
Uebel vê possível fragilidade na imagem do governo boliviano após a tentativa de golpe. De acordo com o especialista, a ação deve afugentar investidores internacionais e prejudicar acordos bilaterais momentaneamente.
“Fragiliza muito a imagem da Bolívia. Não é um grande player, mas isso afasta investidores, a proximidade com organismos e acordos bilaterais com outros países”, ressaltou o professor da ESPM.