Demissão e medo de Evo Morales: o que provocou a tentativa de golpe na Bolívia

Tropas militares em veículos blindados são vistas nos arredores da Plaza Murillo, em La Paz, em 26 de junho de 2024. O presidente boliviano, Luis Arce, denunciou na quarta-feira a reunião não autorizada de soldados e tanques em frente aos edifícios do governo na capital La Paz, dizendo que "a democracia deve ser respeitado." “Denunciamos mobilizações irregulares de algumas unidades do Exército Boliviano”, escreveu Arce na rede social X. O ex-presidente Evo Morales escreveu no mesmo meio que “um golpe de Estado está se formando”. AIZAR RALDES/AFP
Tropas militares em veículos blindados foram vistas nos arredores da Plaza Murillo, em La Paz Foto: AIZAR RALDES/AFP

Era por volta de 15h no horário de La Paz quando militares começaram a avançar pela Praça Murillo. Em poucos minutos, um tanque, comandado pelo general Juan José Zúñiga, iniciou a invasão ao Palácio Quemado, sede do governo boliviano. 

Segundo o periódico ‘El Dia’, Zúñiga foi recebido pelo chefe de Governo, Eduardo del Castillo, que pediu para que o general se rendesse. Com pouca adesão dos militares, não restou outra opção ao general a não ser recuar suas tropas. 

Zúñiga já era protagonista nos noticiários nas últimas horas. Ele foi demitido na terça-feira, 25, após ameaçar o ex-presidente Evo Morales de prisão. 

A demissão revoltou o militar, que iniciou uma mobilização com seus aliados no Exército. Às TVs locais, Zuniga afirmou ser necessário a “retomada da Pátria” e um “novo gabinete”. 

Na avaliação do professor de Relações Internacionais da ESPM, Roberto Uebel, a tentativa de tomada de poder na Bolívia tem a insatisfação com as ações do governo Arce como um dos motivos, mas o pano de fundo é a possível candidatura de Evo Morales à presidência em 2025. Morales rompeu com Luis Arce, mas ambos pertencem ao mesmo grupo político. 

“É um grupo dentro dos militares que é contrário ao governo do Arce e contrário ao grupo político do Morales que tentou tomar o poder à força. [A demissão do general] certamente tem relação, foi a gota d’água. Já se havia denúncias de corrupção contra o general, desvios de dinheiro”, afirmou.

“Acho que é a insatisfação com o governo e, principalmente, o temor que Morales seja o próximo presidente eleito. Me parece, neste momento, que este golpe tinha como alvo o Evo Morales para evitar que ele seja candidato no ano que vem”, concluiu. 

Evo Morales se colocou, em setembro de 2023, como pré-candidato ao pleito do ano que vem. Entretanto, a Justiça boliviana proibiu a candidatura do líder indígena e anulou a regra de reeleição ilimitada. 

Uebel vê a tentativa como um golpe de Estado tradicional, mas exaltou o posicionamento do Palácio Queimado para evitar o avanço dos militares. Na visão do especialista, a rápida repercussão negativa no cenário internacional também colaborou para segurar a democracia boliviana. 

“É um método tradicional de golpe e que foi fracassado. É um golpe muito mais personalista do que coletividade. Me chamou a atenção a rápida resposta dos governos. Vimos os países se movimentando rapidamente para condenar a tentativa de golpe. Isso mostra que nenhum país apoiará um golpe clássico de Estado. A resposta é uma intolerância ao golpe de Estado”, ressaltou. 

A Bolívia sofre com frequentes tentativas de golpes de Estado. As mais famosas aconteceram nos anos de 1964, 1969, 1971 e 1980. 

O último caso aconteceu em 2019, quando Evo Morales respondia por supostas fraudes eleitorais. Na época, Morales era pressionado por militares para renunciar ao mandato, o que aconteceu em novembro do mesmo ano. 

Em seu lugar, assumiu a presidência a então senadora Jeanine Áñez, que se autoproclamou como chefe de Estado. Ela e militares que pressionaram Morales são investigados por tentativa de golpe. 

Uebel vê possível fragilidade na imagem do governo boliviano após a tentativa de golpe. De acordo com o especialista, a ação deve afugentar investidores internacionais e prejudicar acordos bilaterais momentaneamente. 

“Fragiliza muito a imagem da Bolívia. Não é um grande player, mas isso afasta investidores, a proximidade com organismos e acordos bilaterais com outros países”, ressaltou o professor da ESPM.