O pensamento criacionista, baseado na Bíblia e que se opõe a evolucionismo do inglês Charles Darwin, está ganhando cada vez mais espaço no governo de Jair Bolsonaro. Depois da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, promover a tese de que o homem é uma criação divina e que Deus criou a vida, um novo membro do alto escalão do Ministério da Educação (MEC) traz na bagagem intelectual a crítica ao pensamento científico e a defesa de ideias religiosas retrógradas. Trata-se do recém-nomeado presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Benedito Guimarães Aguiar Neto, ex-reitor da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo. No ano passado, num evento na universidade, Aguiar Neto defendeu o criacionismo e disse querer “colocar um contraponto à teoria da evolução e disseminar a ideia de que a existência de um design inteligente pode estar presente a partir da educação básica, de uma maneira que podemos, com argumentos científicos, discutir o criacionismo”. O preocupante é que agora, à frente do Capes, ele pode impor suas teorias como política pública, já que o órgão do Ministério da Educação (MEC), além de oferecer bolsas de pesquisa para mestrado e doutorado, atua fortemente na formação inicial e continuada de professores para a educação básica.

O “design inteligente” ao qual se refere Aguiar Neto é uma teoria atrelada ao criacionismo, totalmente apoiada na fé na criação divina. Essa teoria argumenta que sistemas altamente complexos, como é o próprio homem, só podem ter sido desenvolvidos por um criador inteligente, um designer demiúrgico, que seria o próprio Deus. Teme-se que esse tipo de pensamento, totalmente refutado pela comunidade científica, passe a nortear a educação básica e que se estimule os pesquisadores bancados pela Capes a defender teses criacionistas. Há que aguardar também os novos livros didáticos que o MEC pretende produzir em breve. Na semana passada, Bolsonaro assinou um decreto que autoriza o MEC a produzir o próprio material que distribui para as escolas, sem que haja necessidade de processos de licitação e sem qualquer avaliação externa. O “design inteligente” deve invadir esses livros.

A prestigiada revista americana Science se posicionou contra a nomeação de um criacionista para comandar a pesquisa no País

Reação internacional

Até a prestigiada revista americana Science se posicionou em um artigo na sua última edição contra a nomeação de um criacionista para comandar a pesquisa no País. Segundo a revista, a escolha de Aguiar Neto para comandar a agência deixou os cientistas preocupados com a possibilidade de interferência da religião na ciência e na política educacional. A Science lembrou também de Damares Alves, que, no ano passado, declarou que a igreja evangélica perdeu espaço na ciência quando deixou a teoria da evolução entrar nas escolas. Para tentar diminuir o mal-estar na comunidade científica, na quarta-feira 29, Aguiar Neto divulgou uma nota em que diz defender a “liberdade de cátedra”, princípio que tem como finalidade garantir o pluralismo de ideias e de concepções de ensino, especialmente no universitário. “Sem liberdade de cátedra, não há nem a criatividade intelectual, nem as soluções dos problemas nacionais”, afirmou. “O fomento à apropriação e ao desenvolvimento do conhecimento científico e tecnológico dos problemas nacionais serão prioridade na minha gestão”.

CONFRONTO O novo presidente da Capes, Aguiar Neto, questiona o pensamento evolucionista de Charles Darwin (à direita): criacionismo pode contaminar políticas públicas

Possivelmente a defesa do criacionismo e do “design inteligente” estará incluída entre as possibilidades de liberdade de cátedra e de pluralismo de ideias defendidas por Aguiar Neto. Se for fiel às suas teses, o novo presidente do Capes deve priorizar pesquisas que comprovem que o “design inteligente” é ciência e gastará dinheiro público que poderia estar sendo aplicado em ciência de verdade. O orçamento da Capes para 2020 será de R$ 2,8 bilhões, o equivalente a 67% do total de recursos disponíveis no ano passado. Há mais de um século há um consenso entre os cientistas de que o evolucionismo de Darwin é a melhor explicação para os fenômenos da vida. O próprio Vaticano endossa o pensamento darwinista. Mas, pelo jeito, no Brasil ele está em baixa, o que só serve para aumentar o temor sobre o futuro da educação pública.