O economista e ex-ministro da Fazenda Delfim Netto concedeu uma entrevista exclusiva para a IstoÉ nesta sexta-feira (22). Ex-deputado federal por cinco mandatos, ele falou sobre as possíveis consequências que a pandemia de Covid-19 pode causar da economia brasileira, além de discutir os rumos da política e setores produtivos.

Ministro da Fazenda nos governos militares dos presidentes Médici e Costa e Silva, Delfim relatou que a economia em si pode mostrar pouco sobre o atual momento do País. Segundo ele, o Brasil já vinha de um desarranjo econômico e estava se recuperando lentamente antes de o novo coronavírus mudar os rumos e previsões de crescimento.

“No início de 2020 as expectativas eram muito melhores. Realmente, nós tínhamos fundadas razões para acreditar em um ano de crescimento de 2,5% [PIB], o que era fundamental. Essa mudança da rota é o que inverte todo o processo. Infelizmente em fevereiro caiu sobre nós um raio que foi a pandemia.”

O ex-ministro acredita que a queda da oferta e da demanda no mundo inteiro, raros de acontecer ao mesmo tempo, também tenha sido um dos fatores principais para a recessão profunda.

“São dois fenômenos muito raros de acontecer. […] Eu não acredito que nós terminemos 2020 com menos de 7,5% de queda no PIB”, explicou Netto.

Coronavírus

Em meio à pandemia de Covid-19 em todo o mundo, o economista ressaltou o papel do Estado como agente para minimizar as mortes causadas pela doença.

“Não se trata mais de problema econômico. Diante da pandemia, não existe restrição financeira”.

Além disso, Delfim comentou o uso da cloroquina para tratar os pacientes infectados pelo vírus. O ex-ministro disse que a ideia é defendida por Bolsonaro e, segundo ele, um “bando” sem o menor aprofundamento empírico sobre o medicamento.

“O presidente da República é comandado por preconceitos pessoais. […] Ele ataca tudo que for de caráter científico, ele tem um aspecto religioso pernicioso, tem fixações”, criticou.

Estado x Mercado

Questionado sobre a agenda econômica atual do governo, o ex-deputado criticou a ideia do embate entre o Estado e o mercado financeiro.

“Não existe mercado sem o Estado. Para o mercado funcionar bem, você precisa de um Estado forte, constitucionalmente controlado, capaz de controlar os mercados”, explanou.

“Essa ideia de que o mercado é portador de valores. Não! O mercado é simplesmente um instrumento, que a sociedade usa para ter uma igualdade na distribuição de renda”, completa.

Delfim explicou que a luta contra o Estado deve ser direcionada ao corte de privilégios. O economista avalia o Estado como “obeso”.

“Estamos lutando contra esse Estado ocupado por uma casta. Não contra aquele Estado que garante o bom funcionamento dos mercados”, explicou.

Em relação às reformas propostas pelo atual governo, o ex-deputado destacou a reforma administrativa como a mais urgente e necessária para ser votada.

Centrão

Com ampla experiência tanto no Legislativo como no Executivo, Delfim citou que a guinada de Bolsonaro em busca de apoio dos parlamentares do chamado Centrão no Congresso pode ajudar no prosseguimento de projetos do governo.

“O Bolsonaro deveria ter feito em novembro de 2018 o que ele está fazendo hoje. O Bolsonaro nunca teve maioria nenhuma e seu partido não elegeu 10% do Congresso. De forma que Bolsonaro nunca teve o poder que ele achou que tinha”, destacou.

“Quem não tem a maioria [no Congresso] tem que negociar com a maioria”, citou.

Renda Básica

Sobre o auxílio de R$ 600 concedido aos brasileiros afetados diretamente pela crise causada pela Covid-19, Delfim disse que a medida deve continuar após a pandemia, mas com estímulos para que o beneficiado consiga evoluir por conta própria. Como exemplo, Delfim usou o já existente programa Bolsa Família .

“Nunca mais as pessoas vão se contentar com o que tinham. Os menos favorecidos perceberam que podem ter um mecanismo de distribuição que atinge os mais vulneráveis”, lembrou.

“Ela [Bolsa Família] talvez seja o mecanismo mais eficiente de transferência de renda que nós temos. Essa lei do mínimo deve ser uma coisa bem pensada e que vai sair, na minha opinião, uma espécie de renda mínima”, completou.

Pós-pandemia

Para o futuro pós-pandemia, Delfim, que também já foi ministro da Agricultura, elegeu justamente o setor agrícola brasileiro como um dos possíveis motores para a retomada do crescimento do Brasil.

“A agricultura brasileira é um padrão de comportamento. É um dos melhores ministérios do governo Bolsonaro e tem suporte do ministério da Economia. Talvez seja o único setor que está apontado na direção do crescimento. A agricultura é a única coisa essencialmente nacional”, disse Delfim.