As defesas dos réus do núcleo dois – ou “núcleo de gerência” – do plano de golpe apresentaram nesta terça-feira, 9, os últimos argumentos para tentar convencer os ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a absolvê-los das acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR).
Os advogados têm até uma hora cada para fazer sua argumentação. A votação terá início na próxima terça-feira, 16, com o voto do ministro Alexandre de Moraes, relator do processo.
Como os questionamentos processuais foram analisados nos julgamentos anteriores, em que os ministros condenaram 24 réus do “núcleo crucial”, do “núcleo de desinformação” e do “núcleo de ações coercitivas” da trama golpista, os advogados abandonaram as objeções processuais e concentraram a argumentação nas provas da investigação.
As defesas buscam evitar o mesmo desfecho enfrentado pelos réus que já foram julgados. A tendência, no entanto, é que a Primeira Turma imponha novas condenações. Neste núcleo estão réus que fizeram parte do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro e, por isso, sua participação é considerada central para dar suporte ao plano de golpe, o que complica a situação do grupo.
Uma das estratégias dos advogados foi tentar afastar os clientes da cadeia de comando do plano de golpe e, ao mesmo tempo, minimizar as atribuições funcionais inerentes aos cargos que ocuparam no governo federal. Os advogados também buscaram terceirizar a culpa para réus já condenados.
Delegado da Polícia Federal, Fernando de Sousa Oliveira foi diretor de Operações do Ministério da Justiça e Segurança Pública. A denúncia afirma que ele produziu relatórios de inteligência para montar operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que dificultassem o voto de eleitores do Nordeste, reduto histórico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O criminalista Guilherme de Mattos Fontes, que representa Fernando Oliveira, argumentou que, pela hierarquia institucional, ele não tinha ingerência sobre a PRF. Destacou também que o então diretor negou três pedidos de verbas suplementares feitos pela corporação no período eleitoral.
“A liberação de verbas, que aconteceu à revelia de Fernando, sem o seu conhecimento, foi o que permitiu que a Polícia Rodoviária Federal colocasse mais homens na rua”, afirmou o advogado.
No 8 de janeiro de 2023, Oliveira era secretário-executivo da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, o número dois da pasta, então chefiada por Anderson Torres, ex-ministro da Justiça já condenado pelo STF na trama golpista. Oliveira também é acusado de ter se omitido deliberadamente para permitir das manifestações na Praça dos Três Poderes.
A defesa afirma que ele assumiu interinamente a Secretaria de Segurança Pública do DF após ter sido “pego de surpresa” com a viagem de férias de Anderson Torres aos Estados Unidos e que adotou posturas “proativas” no 8 de Janeiro.
“Como policial federal de vocação que é, foi lá enfrentar aquela baderna que se avizinhava e que acabou de concretizando”, destacou o advogado.
Oliveira foi indicado por Anderson Torres para o cargo no governo do Distrito Federal. Segundo a defesa, no entanto, os dois não mantinham relações pessoais. O advogado afirmou que a nomeação ocorreu com base em critérios técnicos e por uma estratégia do ex-ministro, que não queria ser “ofuscado” eleitoralmente e, por isso, escolheu um servidor de “perfil discreto”.
Outra denunciada no núcleo 2 é Marília Ferreira de Alencar, delegada de Polícia Federal e diretora de Inteligência do Ministério da Justiça no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Partiu dela a ordem para que analistas produzissem um relatório com informações sobre os locais em que o presidente Lula teve mais votos no primeiro turno.
O advogado Eugênio Aragão, que representa a delegada, argumentou que o documento foi produzido como um “mosaico de informações” para verificar a atuação do crime organizado em cada município. Também alegou que não há provas de que o relatório tenha subsidiado ações da PRF. O criminalista argumentou que a corporação tem um serviço de inteligência próprio e afirmou que Marília sequer tinha o contato do então diretor da PRF, Silvinei Vasques, registrado em seu celular.
No 8 de janeiro de 2023, a delegada era subsecretária de Inteligência do Distrito Federal. Ela também foi acusada de omissões cruciais para a consumação dos atos golpistas. A defesa nega. Eugênio Aragão destacou que, na ocasião, ela não havia definido a equipe de trabalho. Argumentou ainda que a função dela era de assessoramento e que, como subsecretária de Inteligência, Marília não tinha poder operacional.
O advogado Eduardo Pedro Nostrani Simão, que defende Silvinei, afirmou que a atuação da PRF na gestão dele se baseou “em dados técnicos, não em dados relativos a preferências eleitorais”, e negou o direcionamento do policiamento no segundo turno.
“No Nordeste sempre é colocado um efetivo grande”, argumentou o advogado. “Não existe nenhum desvio de finalidade na destinação dos recursos.”
A PGR imputa a Filipe Martins, ex-assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, a confecção de uma das minutas de decreto que teriam circulado no núcleo duro do golpe. Em delação premiada, o tenente-coronel Mauro Cid disse que Bolsonaro recebeu do então assessor um rascunho de decreto, que previa a prisão de autoridades e a convocação de novas eleições.
O advogado Jeffrey Chiquini, que representa o ex-assessor, também tentou diminuir a influência dele no governo. O criminalista argumentou que Martins era uma espécie de tradutor e que os chefes das Forças Armadas sequer o conheciam.
A defesa optou por uma estratégia ousada. O advogado atribuiu ao tenente-coronel Mauro Cid, réu confesso, a autoria da minuta golpista e alegou que Filipe Martins foi usado como uma espécie de bode expiatório pelo ex-ajudante de ordens.
“Mauro Cid criou a minuta golpista. A minuta é dele. Ele escreveu a minuta do golpe. Ele apresentou aos comandantes. Mauro Cid criou Filipe Martins para jogar essa responsabilidade”, cravou Chiquini.
Por ter fechado o acordo de colaboração premiada, Mauro Cid foi condenado a apenas 2 anos de pena em regime aberto.
O coronel Marcelo Costa Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, foi denunciado sob acusação de monitorar autoridades como parte do plano golpista.
O advogado Eduardo Kuntz, que representa o coronel, colocou as acusações na conta de Mauro Cid. Segundo o criminalista, Marcelo Câmara recebia os pedidos do tenente-coronel como parte de suas funções administrativas e foi “usado” por ele.
“É muito provável que ele tenha sido sim usado para passar informações. Mas não tinha o dolo específico de fazer parte de nada. Só tinha interesse de exercer, como exerceu, as suas funções administrativas”, afirmou o advogado.
Uma das autoridades monitoradas teria sido o ministro Alexandre de Moraes. O objetivo, segundo a denúncia, era prendê-lo ou executá-lo e anular o resultado das eleições de 2022. Moraes ganhou até um codinome, era tratado como “professora”. Seus passos eram acompanhados de perto pelo entorno do ex-presidente.
“Em nome do coronel Marcelo Câmara, peço desculpas à Vossa Excelência, ministro relator, pela brincadeira indevida, mas peço que reconheça que não existe criminalidade, a não ser em uma queixa-crime”, minimizou o advogado.
A defesa rechaça a ideia de que Marcelo Câmara seria um espião e sustenta que todas as pesquisas feitas por ele usaram como base fontes abertas e documentos oficiais.
O general Mário Fernandes, então secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência, foi denunciado como autor do plano de execuções de autoridades públicas batizado de “Punhal Verde e Amarelo”. O arquivo previa sequestros e assassinatos do presidente Lula, do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
Mário Fernandes assumiu a autoria do documento. A defesa afirma que, embora tenha escrito e imprimido o arquivo, as cópias foram descartadas e nunca chegaram a ser compartilhadas com outras pessoas. “O meu plano é jurídico, não é político, não é ético, não é moral”, argumentou o advogado ao sustentar que não há provas de que o plano tenha sido colocado em prática.