A Defensoria Pública do Estado de São Paulo e outras três entidades de defesa dos direitos humanos apresentaram à Justiça uma ação civil pedindo a suspensão da concessão de quatro presídios paulistas à iniciativa privada. A licitação, bandeira da gestão João Doria (PSDB), está marcada para esta quinta-feira, dia 10.

A ação foi apresentada na última quarta-feira, 2, e, nessa terça-feira, 8, o Ministério Público Estadual se manifestou favoravelmente a uma decisão liminar pela suspensão, por entender, entre outros motivos, que as concessões representam risco aos direitos humanos de cidadãos detidos no Estado. A juíza Luiza Barros Rozas Verotti, da 13ª Vara da Fazenda Pública, ainda não se manifestou sobre o caso.

A concessão da gestão de quatro unidades prisionais foi lançada em setembro. A ideia é que serviços como fornecimento de alimentação, vestimenta e asseio dos presos sejam feitos por uma empresa privada, que será remunerada.

O governo do Estado contesta as informações trazidas por Defensoria e Ministério Público, e diz que está à disposição da Justiça. Doria pretende, em 2020, lançar ainda uma Parceria Público-Privada (PPP) para a construção e operação de outras unidades prisionais.

Na ação, MP e Defensoria argumentam que a custódia de detentos é uma atividade exclusiva do Estado (um “poder de polícia”) e que, por isso, não poderia ser transferida para o setor privado. Também afirmam que a proposta da gestão Doria, apresentada como uma alternativa mais racional do uso de recursos públicos, se mostraria na realidade mais cara.

O defensor público Leonardo Biagioni de Lima, um dos autores do pedido, afirma que “não foram apresentados estudos” por parte do governo sobre a necessidade da nova política e a viabilidade da proposta. Além da Defensoria, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Terra, Trabalho e Cidadania (ITTC) assinam a ação.

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Ao concordar com o pedido, o promotor público Eduardo Ferreira Valerio, da 2ª Promotoria de Direitos Humanos de São Paulo, citou os massacres em prisões privatizadas ocorridas no Amazonas, onde presos foram degolados no começo deste ano.

“Após esses massacres”, escreveu o promotor, “a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados produziu um relatório sobre o ocorrido e sobre a situação penitenciária local, estabelecendo dentre as recomendações ‘que o governo do Estado (do Amazonas) promova urgentemente concurso público para agente e que implemente plano a fim de reestatizar a gestão penitenciária'”.

O promotor, no documento, cita ainda estudos que “sugerem a total incompatibilidade e ineficiência da delegação de serviços relativos ao gerenciamento de unidades prisionais à iniciativa privada”, por causa do aumento dos custos e da “massiva e persistente violação de direitos humanos verificada em locais que adotaram esse tipo de medida”.

Por fim, o promotor cita ainda que a observação de unidades privatizadas no Brasil, compilada em um relatório do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, mostrou “a precariedade da estrutura das unidades e dos serviços prestados, a superlotação e a ocorrência de tortura e maus-tratos”.

O tema é alvo de debates. O advogado Fabio Sertori, especialista em Parcerias Público-Privadas, argumenta que o edital proposto pelo governo não delega o “poder de polícia” para entes privados, apenas os demais serviços.

“A atividade típica de Estado relativa à promoção das medidas de segurança, o controle de disciplina, as medidas judiciais cabíveis, incluindo o poder de polícia, as medidas socioeducativas de reintegração do preso à sociedade permanecem sob exclusiva competência do Estado”, disse Sertori, ao analisar o edital de concessão.

É o mesmo argumento da Secretaria Estadual da Administração Penitenciária. Em nota, o órgão afirma que apenas os serviços de manutenção do presídio, limpeza e alimentação seriam terceirizados. “A segurança interna e externa dos presídios continuará a cargo do Estado, assim como as diretorias geral e de segurança e disciplina, integrantes do Grupo de Intervenção Rápida, cadastro de presos, entre outras funções” tidas como exclusivas de forças públicas.

A secretaria rebate as afirmações da Defensoria, do MP e das entidades. Sustenta que a licitação “foi precedida de estudos técnicos que foram apresentados em audiência pública em maio deste ano, quando houve ampla participação de entidades, sindicatos, órgãos públicos e empresas privadas e foram recebidas contribuições”.

Por fim, o governo diz que os “custos serão conhecidos apenas após o final da licitação”, uma vez que o preço do contrato é um dos critérios de seleção das empresas. “Contudo, é necessário levar em conta também a qualidade da oferta de serviço ao custodiado, além do valor efetivamente gasto com essa custódia”, conclui o texto.


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