A declaração final da Cúpula do Brics — bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos e Egito — tem gerado discussões por causa do conteúdo e das posições adotadas pelos países membros.
As concepções defendidas publicamente pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) coincidem, em grande parte, com a declaração final, divulgada no domingo, 6. O texto, no entanto, adotou um tom mais ameno em alguns pontos, especialmente nas questões que envolvem conflitos no Oriente Médio e na Ucrânia.
Entre os pontos de destaque do texto, está a defesa do bloco de um cessar-fogo imediato, permanente e incondicional na Faixa de Gaza e a retirada das tropas israelenses do território, a libertação de todos os reféns e detidos em violação ao direito internacional e o acesso de ajuda humanitária. Já em relação ao conflito na Ucrânia, o Brics solicitou que “os esforços atuais conduzam a um acordo de paz sustentável”.
Declaração sob análise
Como o texto não fez menção direta à Rússia, Estados Unidos e Irã — atores desses conflitos –, a IstoÉ buscou dois internacionalistas para interpretar os significados da declaração.
Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
Houve um esforço para evitar o reforço da visão que nações como Estados Unidos e Israel têm em relação aos Brics, em especial porque parte dos seus integrantes negociam tarifas com a Casa Branca. Países como a Índia, os Emirados Árabes e a Arábia Saudita têm um peso determinante [no bloco] e, provavelmente, buscaram evitar problemas para suas relações bilaterais, em especial com os EUA. Em resumo, é possível falar em uma tentativa de equilíbrio e distanciamento de atritos geopolíticos.
Em outro aspecto, a declaração expôs as dificuldades que a expansão trouxe para os Brics, impondo a necessidade de negociações mais amplas e construção de consensos entre diferentes interesses e perfis [de governo].
Com relação à participação brasileira, há ainda a busca pela manutenção de uma posição de mediação. O relatório faz concessões à Rússia e ao Irã, mas também pede pela construção de caminhos para a solução de conflitos e o controle nuclear. Se, cada vez mais, o bloco ganha um peso de contraposição aos interesses tradicionais do Ocidente, a presença do Brasil reforça a concordância com esse polo e o distanciamento da posição americana.
Vitelio Brustolin, professor de relações internacionais da UFF (Universidade Federal Fluminense) e pesquisador de Harvard
Há contradições. A declaração condenou terrorismo internacional, mas o Irã é um dos maiores promotores dessa prática no mundo, tendo em vista que financia grupos radicais como o Hamas, o Hezbollah e os Houtis. Propôs a solução de dois Estados entre Israel e Palestina, uma posição contrária à iraniana. Se opôs aos riscos de uma guerra nuclear, enquanto a Rússia ameaça usar esse tipo de armamento. É um texto que adotou os Estados Unidos, Israel e a Ucrânia como alvos claros.
A perspectiva brasileira reflete a ‘diplomacia personalista’ do presidente Lula, que visitou Vladimir Putin recentemente e lamentou sua ausência na cúpula. O russo não foi ao Rio de Janeiro em razão de um mandado de prisão internacional pelo sequestro de 20 mil crianças ucranianas — acusação que o petista não condenou publicamente e, pelo contrário, ameaçou retirar o Brasil do Tribunal Penal Internacional.
Embora a Constituição Federal de 1988 estabeleça a independência, o respeito aos direitos humanos e à autodeterminação dos povos, a defesa da paz e da solução pacífica de conflitos como princípios para as relações internacionais do país, o Brasil demonstra alinhamento a países que pregam o oposto disso.
O governo brasileiro pede respeito ao multilateralismo e à Carta da ONU (Organização das Nações Unidas) e reforma no Conselho de Segurança da instituição – quando a própria Rússia e a China que bloqueiam as resoluções dos conflitos –, em demonstrações de incoerência da diplomacia presidencial.