O PSDB encarou no primeiro turno das eleições municipais mais um episódio da crise mais profunda que enfrenta desde sua fundação, em 1988. O partido elegeu 273 prefeitos no dia 6 de outubro, 250 a menos do que no pleito de 2020, está em cinco disputas de segundo turno e, em São Paulo, berço político de quadros históricos como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o ex-governador Mário Covas, viu José Luiz Datena conquistar o pior desempenho da história tucana em candidaturas à prefeitura.
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“O resultado é menor do que já fomos um dia, mas foi positivo dentro da nossa expectativa”, afirmou Paulo Serra, prefeito de Santo André desde 2017 e presidente do diretório estadual do PSDB desde novembro de 2023, ao site IstoÉ. Em meio à crise interna, o mandatário fez seu sucessor, Gilvan Júnior, o que manteve Santo André como a maior cidade comandada pelo partido.
Nesta entrevista ao site IstoÉ, Serra buscou explicar a crise, que associou à “radicalização da política” do embate entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e à falta de um candidato tucano à Presidência da República, em 2022 — depois da tentativa fracassada de João Doria, o partido decidiu apoiar Simone Tebet (MDB) e fez apenas 13 deputados federais –, e endossou uma “reinvenção” da sigla.
Apesar da defesa de lançar candidaturas majoritárias sob o risco de “não sobreviver”, o mandatário não pisou no terreno do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), possível presidenciável em 2026. “A decisão dele é fundamental para o planejamento de outros partidos, incluindo o próprio PSDB”, afirmou.
Leia a seguir a íntegra:
IstoÉ O PSDB voltou a perder espaço nas eleições de 2024 e viveu a falta de um discurso claro — enquanto algumas lideranças abraçaram o bolsonarismo, outras sinalizaram à centro-esquerda. Na avaliação do senhor, quais foram os erros do partido nessa campanha e como é possível corrigi-los para eleições futuras?
Paulo Serra O resultado é menor do que já fomos um dia, mas foi positivo dentro da expectativa e da possibilidade do partido. Desde que a sociedade entrou numa lógica de radicalização da política [entre Lula e Bolsonaro], além da polarização que existia entre PT e PSDB, nosso partido perdeu espaço quando foi empurrado, na visão do próprio eleitor, para a direita — devido ao embate com o petismo.
“O PSDB é um partido de centro, e crescer nesse campo é desafiador”.
Na minha visão, a queda no número de eleitos é uma consequência direta de nossos próprios erros, que se acumularam e nos fizeram deixar de ser identificados pelo eleitor como um partido de bons quadros e boas gestões, e pela decisão de não ter candidatura própria à presidência, em 2022, que eu acredito que tenha sido o maior prejuízo para o partido.
Por essa decisão, nós fizemos uma bancada muito pequena de deputados federais, que determina tempo de televisão, fundo partidário — e, consequentemente, o tamanho das campanhas nas eleições seguintes –, e tivemos uma diminuição que gerou consequências. Apesar disso, o PSDB está vivo, tem quadros importantes, três governadores [de Rio Grande do Sul, Pernambuco e Mato Grosso do Sul] que fizeram a “lição de casa” em seus estados e, do ponto que eu assumi o diretório, em novembro de 2023, aumentamos o número de prefeitos e vereadores em São Paulo.
O presidente [nacional da sigla] Marconi Perillo tem feito um grande trabalho de reposicionamento e reorganização partidária. A meu ver, o PSDB tem espaço na política e no ideário das pessoas que buscam uma alternativa aos radicalismos de Lula e Bolsonaro, que capta aquilo que a esquerda e a direita têm de melhor nas gestões, e faz essa fusão de maneira equilibrada.
IstoÉ Liderança do partido no Congresso, o deputado Aécio Neves (MG) se reuniu com dirigentes de PDT e Solidariedade para negociar uma federação partidária entre as três legendas, e o próprio presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo, se mostrou favorável à união. Considerando as relações políticas tucanas em São Paulo, o senhor apoia essa federação?
PS Temos que buscar as convergências. Há algumas visões diferentes, claro, e assim foi com o Cidadania [sigla à qual o PSDB está federado desde 2022], mas conseguimos convergir para uma federação produtiva para ambos os partidos.
Com exceção daqueles que hoje fazem parte do “Centrão”, têm boas bancadas e consequentemente bons fundos partidários, os partidos buscam alternativas para pensar em novos horizontes, projetos maiores e participarem com protagonismo das eleições, inclusive para a Presidência da República, em 2026.
A principal questão é buscar o que há de convergente [entre os partidos], até porque as ideologias existem e são fundamentais, mas também estão enfraquecidas, como mais uma consequência dessa radicalização improdutiva que o Brasil viveu nos últimos anos. Neste cenário, as pessoas e, em muitos casos, os próprios políticos perdem a noção do que praticam a esquerda e a direita.
IstoÉ A eventual falta de uma fusão ou federação pode deixar o partido em situação delicada para 2026?
PS Pelas palavras do presidente Marconi, nós vamos buscar ter um candidato próprio a presidente [em 2026] e, acredito que a largada desse candidato sem outros partidos será menor, não só a nível federal, mas também com impacto nas eleições estaduais.
IstoÉ Na cidade de São Paulo, berço do PSDB, Datena registrou o pior desempenho da história do partido em uma disputa pela prefeitura. O senhor e o comando estadual tucano se arrependem dessa aposta?
PS É fácil ser engenheiro de obra pronta e falar agora, após os menos de 2% dos votos conquistados, que não foi a melhor escolha [manter Datena como candidato]. Nós não contávamos com o ‘efeito Pablo Marçal’ e os rumos que a disputa de primeiro turno tomou, com cadeiras precisando ser parafusadas em um debate [pela ação do próprio candidato do PSDB], mas precisamos lembrar que o Datena chegou a ter 19% [das intenções de voto] em pesquisa Quaest no início da campanha, então foi uma decisão racional.
Na mesma lógica [nacional], se o partido quer voltar a eleger representantes e recuperar o protagonismo, passa por lançar candidaturas majoritárias, o que serve também para o município. A ideia, naquele momento, era encontrar um quadro popular e conhecido, porque não dava mais tempo de construir, que pudesse exercer um papel eleitoral e ajudar a eleger uma bancada de vereadores. Infelizmente, não aconteceu, mas a decisão tomada foi correta.
IstoÉ O Datena ainda está nos planos do PSDB?
PS O Datena não é um político. Ele é um jornalista respeitado, um profissional íntegro, com uma trajetória brilhante, mas a decisão de continuar na política é muito pessoal.
Para continuar na política, deve-se sujeitar a uma série de regras, dividir e ceder na tomada de decisões, e isso passa por ele [Datena]. Durante a campanha, ele afirmou que não voltaria a ser candidato caso fosse derrotado, mas cabe a ele decidir.
IstoÉ O PSDB elegeu 21 prefeitos em São Paulo no primeiro turno e disputa o segundo turno em Piracicaba. Por outro lado, o PSD do ex-ministro Gilberto Kassab conquistou 203 prefeituras em primeiro turno, de um total de 610 municípios paulistas. Marconi Perillo atribuiu ao PSD parte da responsabilidade pelos números ruins do seu partido no estado. O senhor concorda com essa avaliação?
PS Há uma ligação com a perda do governo do estado. O PSDB governou São Paulo durante 28 anos, não foi um dia ou um mês e, na mesma eleição [de 2022], perdeu o governo do estado e não teve candidatura presidencial.
Jamais vou condenar a ação do Kassab, por quem tenho muito respeito, que fez o papel dele ao, ocupando uma posição de destaque no governo do estado [é secretário de Governo na gestão de Tarcísio], atrair e formatar um grupo significativo de prefeitos. Mas acredito que [o desempenho ruim do PSDB] se deu muito mais pelas nossas falhas do que por um ataque especulativo.
“O desempenho ruim do PSDB se deu muito mais pelas nossas falhas”.
Ainda que fosse por um ataque, é natural que os prefeitos, especialmente de cidades pequenas, busquem uma sintonia maior com o governo do estado para construir parcerias, foi assim com a gente [PSDB] também. Apesar de tudo, eu fico feliz com o resultado das eleições, porque aumentamos nosso número de prefeitos, vices e vereadores, conquistamos cidades importantes e, a partir daí, vamos conseguir crescer. Há prefeitos nos procurando para voltar ao PSDB, então acho que entramos em um novo momento, mas sempre sob a lógica de buscar candidaturas majoritárias ou, a meu ver, o partido não sobreviverá.
IstoÉ No único segundo turno que o PSDB disputa no estado, em Piracicaba, o candidato é Barjas Negri, que foi ministro da Saúde de Fernando Henrique, governou a cidade três vezes e é um quadro experiente do partido. Na capital, foi lançado um postulante de 67 anos sem carreira política prévia. Por que o partido não tem conseguido formar novas lideranças em São Paulo?
PS É preciso voltar para nossa origem, que é a militância, são campanhas de filiação, cursos para formação de quadros políticos, e fazer boas gestões, que são atrativas para pessoas interessadas. Tenho muito orgulho do fato de nosso prefeito eleito em Santo André ter 32 anos e ter sido formado dentro da gestão. Esse mecanismo pode funcionar.
Ao mesmo tempo, metade dos nossos vereadores eleitos no estado têm menos de 40 anos, e eles podem formar centenas de candidatos às prefeituras nos próximos anos. Isso é efeito de uma reaproximação. Os partidos políticos precisam fazer parte do nosso dia a dia, não podem ficar numa prateleira e aparecer a cada eleição, e fazer isso pode nos fazer voltar a nossas origens, porque é assim que a gente pode reinventar nosso partido.
IstoÉ O senhor está prestes a encerrar um ciclo de oito anos na prefeitura de Santo André e fez seu sucessor em primeiro turno. O que essa experiência deixa como herança de gestão para o Gilvan Júnior e seu partido na cidade?
PS Nós seguimos aquilo que eu aprendi dentro do PSDB, que é fazer uma gestão que tem responsabilidade fiscal, mas não esquece das pessoas. Durante boa parte da disputa PSDB-PT pelo governo federal, houve uma percepção que era a seguinte: ou se pratica responsabilidade fiscal, ou se pratica política social. Fazer as duas coisas é um preceito da própria social-democracia, o Fernando Henrique criou o Bolsa Escola, que deu origem ao Bolsa Família, e ao mesmo tempo promoveu o enxugamento da máquina pública.
Em Santo André, nós pegamos uma cidade muito endividada e precisamos fazer um sacrifício grande nos dois primeiros anos de gestão, quando nossa avaliação popular era preocupante. Mas nós acreditamos no modelo e, pouco a pouco, a população entendeu que era preciso plantar para colher. É um modelo baseado em outras gestões do PSDB, do próprio Marconi Perillo [ele governou Goiás por quatro mandatos, de 1999 a 2006 e de 2011 a 2018], do José Serra [governador de São Paulo de 2007 a 2010], que nós levamos para lá e deu certo. Isso dá esperança, é com base nisso que as pessoas podem se conectar a esse modelo de gestão e, consequentemente, ao próprio partido.
IstoÉ Na cidade vizinha, São Bernardo do Campo, Alex Manente disputa o segundo turno pelo Cidadania, com apoio do PSDB e do senhor, mas o atual prefeito, Orlando Morando, que é do seu partido, declarou apoio ao adversário, Marcelo Lima, do Podemos. Essa divergência prejudica o fortalecimento tucano na região?
PS Não acredito que isso vá ter consequências no futuro, porque o prefeito de São Bernardo já lançou uma candidata em primeiro turno [a própria sobrinha, Flávia Morando] no União Brasil, não quis a composição com o Alex [Manente] e eu respeito muito as questões locais.
Claro que isso é ruim para o partido, mas o Orlando não será mais prefeito em janeiro de 2025, assim como eu, e vai decidir o caminho que ele vai seguir, e eu não acredito que seja dentro do PSDB. Nós temos uma posição muito coerente, apoiamos o Alex desde o início, porque está em nossa federação e acreditamos ser o melhor candidato, e o prefeito nunca buscou qualquer tipo de diálogo, se opondo inclusive a pedidos do governador Tarcísio, que desejava uma candidatura unificada na cidade.
IstoÉ O senhor mencionou Tarcísio de Freitas, que é um potencial candidato a presidente em 2026, ao mesmo tempo em que defende uma candidatura própria do PSDB ao cargo. Qual é sua relação política com o governador e como o senhor avalia essa perspectiva de tê-lo concorrendo ao Palácio do Planalto?
PS A relação é a melhor possível, Tarcísio é um grande parceiro de Santo André, e a relação que nós temos com o governo do estado melhorou muito. O governador tem um perfil conciliador, que consegue aproximar as pessoas, e a decisão dele [sobre 2026] é fundamental para o planejamento de outros partidos, incluindo o próprio PSDB.
Se for candidato a presidente, Tarcísio ocupa essa raia [da direita] e, ao mesmo tempo, deixa um vazio no estado de São Paulo, porque os números mostram que ele seria franco favorito à reeleição. Caso deseje renovar o mandato, ele quase define a eleição estadual, mas deixa uma lacuna na eleição presidencial, se for mantido o impedimento do ex-presidente Bolsonaro.
“Se for candidato a presidente, Tarcísio ocupa a raia da direita”.
IstoÉ Mesmo com a ideia de uma candidatura própria à presidência, a decisão do PSDB passa pelo movimento do governador?
PS Sem dúvida nenhuma, vamos ter esse diálogo. É óbvio que, se o partido decidir que terá candidato próprio em qualquer condição, quem estiver nesse projeto terá que estar 100%, mas eu não tenho dúvida de que a decisão do governador será relevante para os partidos que desejam disputar essa eleição [presidencial de 2026].
IstoÉ O senhor é prefeito de uma cidade populosa, tem um índice elevado de aprovação e dirige um partido que pela primeira vez não tem “candidato natural” a governador. Essa candidatura está em seus planos para 2026? Ou pretende se candidatar a outro cargo?
PS Pretendo continuar na vida pública e estou à disposição para um projeto maior dentro do PSDB, mas é muito cedo para falar de 2026.
Desde que entrei na política, sempre tive o objetivo de ser prefeito de Santo André, que é a minha cidade. Encerro essa missão com uma sensação de dever cumprido, ainda que a cidade tenha muitas coisas a melhorar, e realizado.
É óbvio que vou estar à disposição caso o partido e as circunstâncias permitam. Até um limite, você vai apenas com sua vontade e disposição, mas há disputas que dependem das circunstâncias — como acabei de falar aqui, por exemplo, do posicionamento do governador Tarcísio — que pesam muito na nossa decisão.