João Cabral de Melo Neto (1920-1999) não acreditava em inspiração – para ele, a obra-prima era fruto do extenuante trabalho com a palavra. Era um arquiteto da poesia – cada verso era cuidadosamente pensado, a fim de dar forma a uma estrutura consistente do poema.

“João Cabral reforçou minha visão de brasilidade”, conta Deborah Colker, que há um ano trabalha em seu 13.º espetáculo, inspirado em O Cão Sem Plumas, longo poema no qual, com uma linguagem depurada, o poeta humaniza um dos símbolos do Recife: o rio Capibaribe.

Para encontrar a verdade desse novo trabalho, Deborah convidou como parceiro uma figura aparentemente com nenhuma ligação com a dança: o cineasta Cláudio Assis. “Gosto da estética dele, da verdade de suas imagens”, explica a coreógrafa. “E é justamente esse ato do Claudão em nadar contra a corrente que me aproxima de João Cabral.”

O poema foi publicado em 1950, quando João Cabral vivia em Barcelona, e inicia um ciclo poético em que ele revela sua preocupação com a realidade nordestina, especialmente a miséria. “Claudão me fez entrar no mangue, um trecho do rio em que água é escura e nada revela de seu fundo. No início, tive medo, mas foi a coragem de enfiar o pé no desconhecido que me deu mais confiança para esse trabalho.”

Com o cineasta, Deborah também visitou uma sambada e uma apresentação de maracatu. Junto de Cláudio Assis, a coreógrafa vem regulando seu olhar de dança para novos caminhos. “Ele me acompanhou em alguns ensaios e fez importantes apontamentos, algo simples como o fato de um bailarino dar três voltas ao invés de uma. Parecia simples, mas o efeito foi decisivo.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.