Débora Fernanda fala sobre sucesso de ‘Tremembé’ e como a série impactou sua carreira

Em bate-papo com a IstoÉ Gente, atriz revelou detalhes da construção da personagem

Divulgação/Thom Foxx.
Débora Fernanda. Foto: Divulgação/Thom Foxx.

Débora Fernanda é um dos destaques da série “Tremembé”, disponível no Prime Video. Na produção, ela vive a presidiária Raíssa, uma personagem verídica que foi parar na cadeia depois de matar uma criança. Ela se torna amiga de Suzane Von Richtofen (Marina Ruy Barbosa) e a convida para ser sua madrinha de casamento fora das grades.

Com 37 anos de idade e 13 de carreira, a atriz estreou na peça “Saga da Bruxa Morgana e Família Real”, sob a direção de Christiane Tricerri. Graduada em Arte e Teatro pela UNESP e em Rádio e TV pelas Faculdades Integradas Rio Branco, ela ainda pode ser vista no streaming no filme de ação e ficção científica “Biônicos”, da Netflix, e em ‘Tarã’, série original da Disney+.

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A artista ainda tem no currículo os curtas-metragens “Corre”, que recebeu o prêmio de Melhor Curta no Chicago Feedback Film Festival, e ‘Ilê’, um documentário vertical que aborda o racismo na infância que conquistou o prêmio Empathy no Essential Stories Film Festival, em San Francisco, Califórnia.

Paulistana, Débora Fernanda também integrou diversos coletivos voltados para a cultura popular afrobrasileira e indígena, como a Trupe Trio, Casa de Maria e Cia Alcina da Palavra. Ela ainda teve seus contos e poesias publicados no box “Contos da Quarentena”, e nos livros “Posfácio do Coletivo Sinestésica” , “Literatura Negra Feminina: Poemas de Sobre(vivência)” e “Olhos de Mergulho”.

Em bate-papo para IstoÉ Gente, a atriz falou sobre “Tremembé” e a repercussão que a série proporcionou à sua carreira.

Como foi a preparação para dar vida à uma presidiária real em “Tremembé”? Vocês chegaram a ter algum contato?

Não, eu não tive contato com ela. Nenhum de nós atores teve contato direto com as personalidades. E eu ainda tive poucas referências, não tinha vídeos para ver como ela se movimentava, olhava, andava, não tinha áudio para ver como era a prosódia da fala dela, como ela entonava as palavras. Eu tinha uma foto do casamento dela, eu fiquei horas observando, a roupa, o olhar, com ela estava naquele momento e eu tinha a história do crime dela. Esses dois registros estão no livro “Suzane assassina e manipuladora” do Ulisses Campbell, o mesmo que inspirou a série.

A partir daí o estudo foi intenso, eu li e assisti tudo que encontrei de material que falava sobre assassinos e suas vítimas, vi muitos depoimentos de gente que cometeram os crimes, das pessoas que amavam as vítimas; frequentei uma igreja evangélica que fica perto de casa para sentir e ver as emoções e como cristões se comportam; também li e conversei com mulheres que já tiveram filhos, como eram as sensações nos puerpérios e depressão pós parto. No set tinha as figurantes que eram mulheres egressas, elas passaram pela cadeia, então tinham um certo vocabulário, uma certa forma de olhar, o que me inspirou muito para fazer a Raissa. E nas gravações eu tive preparação com Maria Laura e Carol Fabri, o que me preparou para a cena do casamento.

E qual a maior facilidade e a maior dificuldade de se compor um trabalho baseado em fatos reais?

A maior facilidade foi o que nos aproxima mesmo, a cor da nossa pele, e por ela ser uma mulher periférica, como muitas da minha família. Uma parte da minha família mora nos bairros de Santa Amélia e Pedreira, periferia de São Paulo, onde eu vou sempre, tenho convívio, a forma como Raissa fala foi muito inspirada no meu povo. Tem até uma tia minha evangélica que me falou “Nossa, parecia eu. Não o crime, lógico, mas como Raissa se comunicava, como ela segurava a bíblia. Me senti representada”. E a parte mais difícil foi justamente não a demonizar, saber que crimes são cometidos por seres humanos, como lidar com isso? Como é viver algo horrível dessa forma e seguir em frente? Como é sentir ser perdoada e acordar no outro dia? Fiquei pensando se ela ia aparecer na mídia, se ela ia falar.

Vocês já esperavam esse sucesso de “Tremembé”? A que fator você atribui essa repercussão positiva sobre a série?

Eu achei que fosse ser um sucesso, por todo o elenco maravilhoso envolvido e a produção era impressionante, mas não imaginava que fosse dessa dimensão. Fico feliz! Acredito que a repercussão foi justamente pela conjunção de ótimos trabalhos. O elenco escalado foi assertivo, a entrega de todos os atores, eu sentia que todo mundo estava muito afinado e afim de fazer, já imagino que delícia vai ser gravar a segunda temporada, porque todo mundo vai colocar mais gás. Eu mesma sei que pretendo ir mais afundo! A direção foi excelente, generosa, nos escutavam, isso faz toda a diferença. As preparadoras de elenco sempre junto conosco atentas a todos os detalhes, o cenário impecável. A equipe de maquiagem afinadíssima. O roteiro é instigante! A trilha sonora foi um toque de mestre! É bom ver, muita gente tem me falado que assiste tudo de uma vez só.

Esse é o resultado, um produto nacional de qualidade, até quem tem preconceito com as produções nacionais foi ver e elogiou. Isso é ótimo! Temos muitas capacidades na indústria do audiovisual, precisamos de mais investimento, somos capazes de fazer ótimos filmes e séries para entregar para o Brasil e para o mundo.

E como essa série impactou na sua carreira?

Estou muito feliz e otimista com relação a minha carreira, recebi muitos feedbacks positivos sobre o meu trabalho, muita gente passou a conhecer. Eu quero trabalhar muito mais no audiovisual, com papéis maiores e mais relevantes na trama. Desejo muito fazer mais filmes, streaming e novelas. E que a maior parte da minha renda venha do audiovisual.

Você é uma mulher preta que já deu entrevista falando sobre o preconceito que passou na infância. Ainda sente preconceito até hoje? E como isso reflete na sua arte?

Infelizmente, sim. Ser mulher preta nessa sociedade brasileira não é nada fácil. Sinto preconceitos em coisas banais do cotidiano, como ser acompanhada por seguranças em lojinhas do centro, quando entro em condomínios para visitar amigas e a portaria sempre demora mais para abrir a porta, confere algumas vezes o RG, ou ser a última a ser atendida em estabelecimentos.

Tenho tantas histórias horríveis, como quando uma senhora se recusou a subir no elevador comigo no Copan, no prédio que eu morava na época, ou quando estava esses dias no mercado e uma senhora me empurrou com o carrinho de mercado, para eu andar logo. Não vejo isso acontecendo com gente branca. Ou quando vou entrar em um lugar e uma pessoa branca passa como se eu tivesse a obrigação de segurar a porta para ela. E até mesmo nos sets, constantemente ser confundida com a figuração, e não tenho nada contra ser figurante, mas é como se esperassem que uma pessoa preta não pudesse ter um papel. E as oportunidades em geral no audiovisual, os papéis são menores, ou com pouca fala, ou com pouca relevância na trama, parece que esse silenciamento nunca acaba.

Nos meus trabalhos autorais eu procuro celebrar a cultura afro, mostro as belezas como a capoeira, samba de roda e as histórias de minha gente vitoriosa.