Aprontando toda a sorte de vilanias que o folhetim permite no papel de Irene, em A Força do Querer, em reprise na Globo, a mineira Débora Falabella passou os últimos 20 anos experimentando – nos hiatos entre telenovelas e séries de sucesso – os novos e veteranos olhares que o cinema nacional consagra, em sua busca para imprimir brasilidade na telona. Há duas décadas, Françoise, um curta-metragem de um conterrâneo das Gerais, Rafael Conde, marcou a estreia dela no planisfério cinematográfico.

Logo na sequência, fez o primeiro longa, 2 Perdidos Numa Noite Suja (2002), obra-prima de José Joffily, pelo qual recebeu o troféu Candango de melhor atriz em Brasília, reinventando um dos personagens mais ferozes da obra teatral de Plínio Marcos (1935-1999): Paco maluco e perigoso. Mas ficou “maluca e perigosa” na releitura dela, que volta ao circuito exibidor nesta semana à frente de Depois a Louca Sou Eu, de Julia Rezende. Num diálogo com o livro homônimo de Tati Bernardi, Débora vira Dani, publicitária e escritora numa educação sentimental para domar os rugidos do inconsciente que a tornam um poço de ânsia.

“A Julia é uma diretora muito segura do que quer, capaz de fazer um filme sobre ansiedade ter um set tranquilo. Eram dezenas de micro cenas, várias trocas de figurino, mas ela tinha um poder de comandar aquilo com calma, num set muito feminino, em que me sentia criando junto, numa colaboração”, diz a atriz, que completou 42 anos na segunda-feira, 22.

“Às vezes, sinto que faço pouco cinema e eu gosto muito de sets. Gosto do fazer em si, gosto de ver as pessoas trabalhando. Quando fiz 2 Perdidos, foi encantador poder filmar em Nova York, não apenas pela cidade em si, mas por ser um lugar que descobri com meu pai, nesses filmes. Cresci vendo aquele lugar nas telas com ele. O cinema é um lugar paterno pra mim. E tenho muita vontade de fazer outras coisas nele.”

Em seu interesse pelo processo cinematográfico, Débora ficou, entre novembro e dezembro, rodando uma versão do romance Cordilheira, de Daniel Galera, sob a direção de Fernando Fraiha, em Ushuaia, na Argentina. Agora, grava em São Paulo a nova temporada do seriado Aruanas, da TV Globo. “É bom ver que as séries de TV feitas hoje têm sets como os de cinema”, diz a atriz, que vê Depois a Louca Sou Eu como um projeto “acessível para muita gente”. “É um filme muito feminino, sobre uma mulher forte que busca se entender.”

Aplaudido com ardor em suas sessões populares no Festival de Rio 2019, Depois a Louca Sou Eu teve que ficar quase 14 meses quarentenados, esperando o circuito reabrir e ter uma boa brecha para uma comédia nacional de tons dramáticos, com a assinatura autoral de crônica geracional típica de Julia Rezende, como visto em Ponte Aérea (2015) e Como É Cruel Viver Assim (2017).

Na trama, Dani (Débora) é dona de um texto primoroso e de sacadas irônicas singulares, como se vê em sua anedota sobre “o pavão dadeiro”, irreproduzível fora da tela. Aos poucos, seu talento vai se revertendo em sucesso profissional, ao mesmo tempo que ela esgrima com seu próprio coração ao se encantar por um looser obstinado, Gilberto (Gustavo Vaz, em luminosa atuação), um apaixonado que, como Dani, boicota suas relações. Ao falar do querer desses dois, Julia consegue abordar todos os dilemas do Cupido nestes novos tempos.

“Débora é uma atriz gigante e uma parceira generosa”, diz Julia. “Dividir o set com ela foi alegria pura. Reafirmou toda minha admiração, que já vinha de longe, da sua carreira no teatro. Seu talento pra atuar em diferentes frequências, indo do dramático ao cômico em um piscar de olhos, fascina. Com ela tudo parece simples, o que é a maior das sofisticações.”

Primeiro realizador a filmar Débora, Rafael Conde ficou impressionado, ao longo dos quatro dias em que rodou Françoise, com o binômio de entrega e carisma daquela jovem atriz. “Tem um mundo dentro do olhar dela”, diz Conde. “Ela vem de uma família do teatro. O pai é diretor. A mãe, cantora. A Irmã, a Cynthia, é atriz. É um universo artístico. E ela tem presença”.

Glória Perez – que criou Irene de A Força do Querer para Débora e, há 20 anos, ofereceu a ela o papel da dependente química Mel, em O Clone – concorda que se trata de uma atriz que magnetiza o olhar. “Débora é visceral: tudo o que me apaixona numa atriz”, diz a autora de fenômenos de audiência da TV, que trabalhou com Débora ainda na série Dupla Identidade, de 2014. “Débora veste a pele das personagens sem medo nem pudor. É sempre um privilégio trabalhar com ela.”

“A Débora é uma atriz que não dá para substituir. Quando você pensa nela para um personagem, é impossível pensar em outra”, diz Joffily. “Sei sempre que ela está fazendo melhor do que estava previsto.”

Quem contracenou com ela pensa igual, como Rodrigo Santoro, seu par romântico em A Dona da História (2004), de Daniel Filho. “Tive o prazer de trabalhar com a Débora algumas vezes e ela é sempre muito generosa, doce e de um talento extraordinário”, diz Santoro. “Tenho muita admiração pela Débora, uma atriz que não se cansa de buscar, sempre mergulhando verticalmente.”