Ao sair do trabalho, às 17h de uma segunda-feira, a assistente jurídica Gisele Simone Santos, de 48 anos, passa no Petra Belas Artes, cinema de rua, ao lado da Avenida Paulista, em São Paulo. “Eu trabalho aqui perto e gosto muito de vir ao cinema. Às vezes venho e tomo só um café, até decidir o que vou ver”, diz. Sem direito a meia-entrada, Gisele aproveita a promoção “Segunda do Trabalhador” para frequentar um local que adora gastando menos. Para pagar metade do ingresso, basta apresentar a carteira de trabalho, assinada ou não, que dá direito a desembolsar apenas 50% do valor do ingresso. Na bilheteria, às segundas, também são aceitos holerites, crachás e até inscrição como microempresário. O importante é trabalhar (ou buscar emprego) e querer assistir a um bom filme ou documentário.

Essa iniciativa é apenas uma dentre várias tomadas pelas salas de cinemas do País para atrair pagantes aos seus endereços. Se na Austrália há até descontos para quem faz tricô durante a exibição, por aqui as promoções e eventos também não pecam na originalidade na hora de atrair o consumidor. Jogos de RPG, leitura de runas élficas, troca de beijos, uso de fantasias, descontos relâmpago, sorteios em redes sociais e parceria com instituições bancárias são as principais tentativas para fazer com que a população volte a um hábito que ficou apagado nos últimos dois anos.

APAIXONANTE O casal de namorados João Victor e Carina se diverte e economiza na “Quinta-feira do Beijo” (Crédito:Emiliano Capozoli)

Enquanto a pandemia fez com que as pessoas ficassem em casa, assinassem diversos canais de streaming diferentes e até investissem pesado em aparelhos de som e imagem de alta resolução, voltar a pagar por ingressos que variam entre R$ 20 a R$ 80 por pessoa, para assistir a uma única atração, pode parecer algo relegado ao passado. Contudo, dados da Agência Nacional do Cinema (Ancine) mostram que os amantes dos cinemas estão voltando aos poucos às telonas, apesar de os números ainda não serem os mesmos de 2019. No primeiro semestre de 2022, as salas de exibição receberam 44,5 milhões de pessoas, quase o dobro de público de todo o ano de 2021, que foi de 52,6 milhões. Antes do fechamento das salas devido à pandemia de Covid-19, que abalou todas as áreas da indústria cinematográfica global, o número de ingressos vendidos somente em 2019 foi de 172,2 milhões. Com tamanha defasagem, como os cinemas podem concorrer com as amadas séries e até os vídeos curtos que comandam a internet?

Para Sherlon Adley, diretor de marketing da rede de cinemas Cinesystem, o público tem voltado porque, segundo ele, ir ao cinema é uma experiência que vai muito além de assistir a um filme. “Com a pandemia, diversas produções de Hollywood sofreram atrasos. Ainda não tivemos tantos lançamentos como em 2019, ano repleto de filmes que foram recordes de bilheteria. Mas isso começa a mudar, principalmente com títulos como Top Gun: Maverick e o último Homem-Aranha, que atraíram multidões”, diz. O Cinesystem, que possui 26 multiplex espalhados pelo País, também aposta no irreverente: a “Quinta-feira do beijo” dá direito à meia-entrada para quem trocar um beijo com alguém na hora de adquirir o ingresso duplo. “Não precisa ser um beijo de casal, pode ser uma mãe dando um beijo no filho, amigos dando um beijo na mão do colega. O importante é participar da brincadeira”, explica Adler.

“O cinema é um ponto de encontro, uma oportunidade de estarmos juntos, é algo que fazemos em comunidade e com amigos” Camila Magalhães, cinéfila (à dir.) (Crédito:Emiliano Capozoli)

Mas será que as pessoas realmente são atraídas ao lúdico? João Victor dos Santos, de 22 anos, e Carina Moreira Silva, de 23, namoram há quatro anos e aproveitam as quintas-feiras para ir ao cinema e não gastar tanto com o par de ingressos. “Sempre adoramos ir ao cinema para conferir todas as estreias e ter uma ação como essa é um estímulo a mais. É algo que nos conecta e cria memórias inusitadas como casal, já que nunca pensamos em chegar ao cinema e vivenciarmos essa experiência”, afirma Carina. Já as amigas Camila Magalhães e Mariana Guimarães, vieram a São Paulo de Belém, no Pará, para uma viagem de trabalho e ficaram encantadas com as opções de desconto da capital paulista. “Achei muito legal mostrar um comprovante de trabalho e pagar metade”, diz Mariana. As duas adoram um bom streaming, mas dizem que ir ao cinema faz parte da rotina, nem que seja para fugir do calor e da umidade, aproveitando o ar-condicionado dos locais.

“O cinema é um ponto de encontro, uma oportunidade de estarmos juntos, é algo que fazemos em comunidade e com amigos. Lembro quando assisti ao filme Bacurau e a plateia ia ao delírio em cada cena. Foi muito emocionante. Fui mais de uma vez ver”, diz Camila. No País, é quase impossível não achar uma grande rede sem uma boa promoção ou mesmo o aluguel de salas para festas ou para um grupo de amigos que queira assistir a um filme em específico, não importando qual, desde que a sessão seja particular. Será o bastante para mudar o cenário em 2023?