Há poucas semanas de completar 53 anos de idade, Reynaldo Gianecchini se desafia em mais um projeto no teatro. Protagonista de “Um Dia Muito Especial”, adaptação do filme homônimo de 1977 de Ettore Scola, o ator dá vida a Gabriele, um radialista homossexual, que é perseguido pelo regime fascista da Itália naquela década. Ao conhecer Antonietta, interpretada por Maria Casadevall, o rapaz inseguro com o seu destino transforma o dia daquela mulher invisibilizada em algo surpreendente.
Apesar das proporções distintas, é possível que a vida de Gianecchini tenha imitado a arte neste contexto lá no início de sua carreira pública, nos anos 2000, quando o artista se viu no centro das atenções, positivas e negativas, após estrear – segundo ele, ainda verde -, como protagonista de “Laços de Família”, uma das novelas mais icônicas do horário nobre da TV Globo.
Giane foi duramente criticado de diversas formas em relação ao seu desempenho diante das câmeras e teve a sua sexualidade colocada à prova, sobretudo depois que assumiu relacionamento com a jornalista já consolidada publicamente Marília Gabriela, que vinha a ser 24 anos mais velha do que ele.
“Eu fui uma das pessoas mais atacadas que eu conheço, de todos os lados. Demorei um tempão para poder me mostrar melhor para mim e para os outros também e para eu entender quem eu era. E sempre teve muita cobrança e muita especulação sobre isso ou aquilo da minha vida. Eu acho, honestamente, muito cruel isso, você tentar forçar as coisas nas pessoas, enfim”, declara em mais um episódio do “IstoÉ Gente como a Gente” — projeto da IstoÉ Gente que aborda o lado espontâneo de personalidades brasileiras.

Sempre disposto a quebrar paradigmas e fugir do que é convencional, o ator driblou os ataques desde então, rebateu as críticas, se permitiu descobrir sua real orientação sexual, revelou publicamente ser uma pessoa fluida – em que a atração por diferentes gêneros pode mudar ao longo do tempo, não por confusão, mas como uma manifestação natural da vivência -, virou o jogo se tornando um galã de sucesso e hoje colhe os frutos de uma maturidade plena e aberta a novas realidades.
“Eu não sou um cara que cumpre os rituais em geral. Eu nunca tive vontade de subir no altar e falar: “Ah, casei”, com todas aquelas pompas e circunstâncias. Eu sou o primeiro a querer quebrar tudo o que é muito estabelecido e ter que corresponder. Eu não quero corresponder a nada”, completa.
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Durante o bate-papo, Gianecchini falou sobre a construção de seu personagem perseguido em “Um Dia Muito Especial”, recordou relacionamentos do passado, reforçou limites a respeito do que pensam sobre ele e falou dos rumos da dramaturgia com a chegada de influenciadores digitais.
Confira a entrevista abaixo com Reynaldo Gianecchini:
IstoÉ Gente: Você tem apostado bastante no teatro nos últimos anos. Qual o motivo do foco e o quanto você gosta de estar nos palcos?
Reynaldo Gianecchini: A minha carreira começou no teatro, né? Eu estrei no teatro com o Zé Celso e depois fui parar na televisão meio que por acaso, nem era meu sonho fazer novela. E quando eu comecei a fazer, eu sempre intercalei uma novela e uma peça. Eu nunca deixei de fazer teatro, na verdade. Mas, de uns tempos para cá, eu acho que as minhas peças têm conseguido uma comunicação em um outro lugar. Fiquei muito feliz com as últimas que eu fiz: “A Herança”, “Brilho Eterno”, “Priscila, Rainha do Deserto”. Essas tiveram uma comunicação tão linda, que é o que a gente mais almeja. trair o público.
Porque a gente sente ali a presença. O teatro é a coisa mais linda de fazer, porque você sente ali na hora a resposta do público e a repetição te dá muito mecanismo e ferramentas para você ir construindo um repertório e crescendo muito. O palco é o lugar de crescimento absoluto do ator. Eu amo fazer tudo, adoro o audiovisual também, mas o teatro é um desafio gigante também você passar a emoção que está mais contida no olho, é você expor a alma com sutileza. No teatro, você precisa ocupar aquele espaço.
Não se resume só no olho, assim, no olhar. É você ocupar, contar a história com o seu corpo, com a sua voz, e teatralizar. O palco é um lugar que eu tenho certeza que eu não quero deixar nunca de estar. Eu acho que é um compromisso muito sério, porque é arte que é verdadeiramente do ator. Lá não tem edição, é você.
O grande público te conhece da TV. Como é a sua relação com quem vai te acompanhar nos espetáculos tendo a referência das novelas?
RG: Eu acho incrível, eu acho maravilhoso que você possa trazer esse público da televisão para o teatro. Eu gosto principalmente dos jovens. A gente está em uma época em que os jovens talvez tenham mais dificuldade de encarar, de ter concentração até para ficar no teatro lá uma hora e meia ouvindo um texto. E aí eu gosto muito quando consigo trazer esse público da televisão, que é mais popular, para encarar o teatro.
Essa coisa de você estar muito exposto, por um lado, é uma coisa aflitiva, principalmente no começo da minha carreira. Então você também tem que pôr os seus limites, até que ponto você gosta e se permite ser exposto e permite também o contato, as pessoas avançarem ou não. Você também tem que estabelecer esse limite. Mas eu sempre estabeleci de uma forma muito saudável, no sentido de que eu gosto da troca. Eu jamais seria aquela pessoa que fica isolado em um castelinho. Eu gosto.
Não tem menor problema que venham falar comigo. Acho que é difícil quando passa um pouco do limite, quando a pessoa começa realmente a invadir a um ponto que não é legal para você. Mesmo assim, nessas situações, eu gosto de falar muito honestamente, com carinho. Senão, daqui não dá. Daqui não posso mais.
Que tipo de limite já ultrapassaram?
RG: Desde coisas de pessoas quererem tocar demais ou quererem quase que você fosse um objeto delas. Já aconteceu de invadir camarim, já aconteceu de gente ir ao teatro e me ofender, pessoas com raiva de você por alguma coisa, uns haters que eu nem sei direito o que é aquela raiva. Sei lá, já aconteceu de estar ocupado fazendo uma coisa e a pessoa quer a sua atenção e você não pode dar, e a pessoa está te cutucando, te puxando. Mas eu olho no olho e falo: “Agora eu não posso”.

Reynaldo Giannechini
Quais as características do seu personagem na peça “Um Dia Especial”?
RG: Eu estou tão apaixonado por esse projeto. Ele começou, na verdade, eu estava ficando um tempo na Itália. E é engraçado que é um projeto em cima de um filme italiano feito com o Marcello Mastroianni e Sophia Loren. E eu já estava na Itália, tudo imbuído disso, vendo as biografias da Sophia, vendo os documentários do Marcello e de todos aqueles diretores maravilhosos, quando o Alexandre Reiné, que é o diretor dessa peça, me falou do projeto e me convidou.
Acabei de tirar a cidadania, estava falando italiano lá, estava muito apaixonado por essa vida. E, cara, eu só vou topar qualquer projeto se eu me apaixonar muito por ele. Eu li, já conhecia o filme e já adorava. [Na peça] Eles estão no dia em que o Hitler chega na Itália e é recebido com todas as pompas e circunstâncias pelo povo fascista, todo mundo é fascista na Itália naquela época. E esses dois personagens são opostos. Ele é um homem antifascista contra o sistema, porque ele é um homem gay perseguido e provavelmente vai ser morto, porque o fascismo matava os gays, os ciganos, aliado com o nazismo.
E ela é uma mulher inserida no contexto do fascismo, é fascista, como todo mundo lá, que acha que aquilo é legal. Só que os dois são muito solitários, porque ela é uma mulher invisibilizada, marcada pelo machismo naquela época, traída, a mulher não era nada naquele sistema. E ela está em busca de, talvez, ter algo que brilhasse dentro dela, que ela nunca soube. Então, quando eles se encontram, tem uma troca muito linda. E, para mim, a beleza dessa peça, é que eles se escutam, além de uma importância pelo contexto social e político, para mostrar como eles estavam vivendo. Só que o que é bonito é o encontro desses dois.
Já teve esse olhar de compaixão por alguém que pensava diferente de você?
RG: Eu faço muito esse exercício, porque eu parto muito do princípio de que nada é absoluto. Eu sempre acho que eu sei muito pouco. Eu acho que a gente vai caindo várias fichas ao longo da vida. Agora que eu estou chegando a uma fase mais madura, eu me pergunto, por exemplo, como é que eu não entendia algumas coisas nos meus 20 anos, nos meus 30 anos? Que é o processo natural. A gente vai adquirindo consciência sobre as coisas com o tempo, diante das circunstâncias, diante das trocas que a gente vai tendo, das pessoas, dos acontecimentos, e a gente vai amadurecendo para as coisas.
Então, não dá para nunca julgar. E eu sempre acho que eu ainda não sei nada, que eu vou descobrir cada vez mais. Eu vou terminar na minha velhice ainda caindo um monte de fichas. E cada um tem o seu tempo para entender. A gente nunca pode cobrar do outro.
Como é ter essa consciência após ser julgado a vida toda?
RG: Olha, eu fui uma das pessoas mais atacadas que eu conheço, de todos os lados, né. De tudo, sempre falaram de tudo da minha vida, desde a parte profissional até a pessoal. Isso me fez criar uma casca de certa forma. E eu tenho uma coisa que eu sou muito tinhoso no sentido de fixar os meus objetivos. E vou que vou. E às vezes, quanto mais as pessoas falam mal ou questionam as minhas escolhas, mais eu quero fazer.
Eu demorei um tempão para poder me mostrar melhor para mim e para os outros também e para eu entender quem eu era. E sempre teve muita cobrança e muita especulação sobre isso ou aquilo da minha vida. Eu acho, honestamente, muito cruel isso, você tentar forçar as coisas nas pessoas, enfim. E muito também é cruel também essa mentirada que contam sobre a sua vida. Eu não sou de ficar nunca me fazendo de vítima, mas honestamente eu acho que passaram muito do ponto em vários momentos, sobre histórias que andaram sobre a minha vida que não tinham o menor cabimento, a menor relação com a verdade.
Como foi ter o seu talento muito apontado e criticado?
RG: Sempre é muito difícil no começo, principalmente quando você é jovem, que você quer agradar, você quer corresponder, você quer conquistar o mundo, conquistar pessoas, e você depende muito da aprovação delas. Sempre é difícil, na verdade, você ser criticado. Não é que hoje em dia seja fácil. É que eu acho que com a maturidade você vai entendendo mais sobre você e você ancora em uma força que, independentemente do que falam ou não, você segue. Quando você é jovem, isso é mais difícil. E eu estreei muito verde.
Paralelo com as críticas que eu sofri no começo da minha carreira, o que mais pesava, na verdade, era a minha autocrítica, porque eu sabia que eu era muito verde e não deu tempo de eu amadurecer. Eu estreei muito rápido, fiz o primeiro teste, passei e já estreei no teatro e, em seguida, foram ver na televisão, me chamaram para fazer um teste e eu já estava estreando em “Laços de Família” (2000), novela que foi a maior novela da década e protagonista do lado de umas feras, Marieta Severo, Tony Ramos, Vera Fischer e eu não tive tempo para nem me entender ali dentro.
Acho que foi o ano mais difícil da minha vida. Eu precisei buscar o meu centro, primeiro, porque, realmente, eu estava em um lugar de muita responsabilidade e era muito difícil dar conta daquilo, até pela carga horária, que ninguém tem noção do que é fazer novela. É uma das coisas mais difíceis e exaustivas de fazer, onde nada joga a seu favor, tem tudo para dar errado, na verdade. Você não tem tempo para estudar, você não tem tempo para nada. Te jogam ali e falam: “Se vira”. Você tem que fazer 30 cenas no dia. E, paralelo com isso, ver a história de me tornar uma pessoa pública da noite para o dia.
E isso é o mais louco de tudo, porque eu tenho uma personalidade bastante reservada. Eu era bicho do mato, todo para dentro, de repente, tive que ir para fora, não dá para você ficar no seu casulo. Isso foi muito maravilhoso, por um lado, porque me fez quebrar um pouco essa coisa da minha timidez, mas foi muito difícil no começo.

Você se arrepende de alguma atitude que tomou no desespero de querer esconder a sua vida?
RG: Eu não me arrependo de nada. Eu nem lembro de situações que eu até fizesse diferente. Você vai vivendo a vida de acordo com a consciência que você tem e o que você acha que dá para fazer naquele momento. Não dá, às vezes, para pensar muito, né? A vida acontece muito rápido, principalmente quando você está nesse turbilhão de coisas muito novas acontecendo. E foi um pouco assim comigo. As coisas iam acontecendo muito ao mesmo tempo e eu sentia como vibrava aqui, tomava as decisões, fazia as coisas e, claro, você sofre as consequências. Todo ato que você faz tem uma consequência, principalmente quando você está exposto, né? E aí eu acho que você precisa de um tempo grande para entender sobre as coisas. Porque é isso, a gente está aqui para entender mesmo.
Então, é muito difícil você ser cobrado lá atrás do seu caminho. E as pessoas são muito inflexíveis. Querem te colocar em umas gavetas, como se você fosse “isso”. Eu não sei o que eu sou, como você vai dizer quem eu sou? Então demora um tempo para você se posicionar também. E eu demorei um tempão para poder me mostrar melhor para mim e para os outros também, né? Para entender quem eu era. E sempre teve muita cobrança e muita especulação sobre isso ou aquilo da minha vida. E eu acho honestamente muito cruel. Você tentar forçar as coisas nas pessoas.
Você me disse uma vez que nunca vão saber com quem você está transando. O que você acha do fascínio das pessoas em quererem saber da sua vida íntima?
RG: Eu entendo, quando você trabalha com a magia, com a fantasia, está implícito que você está causando uma fantasia nas pessoas. Eu acho um pouco deselegante você expor as pessoas com quem você está transando, realmente isso eu entendo que não deva interessar a ninguém. Entendo a curiosidade, mas é uma coisa muito particular, que tem a ver com você e com a pessoa que você está dividindo.
Eu acho que quanto mais essa troca fica entre essas duas pessoas, é mais interessante, mais de acolhimento, que você pode confiar mesmo que você está vivendo uma experiência a dois e ter uma confiança de que vai ficar ali entre vocês e você pode muito mais acolher e ser acolhido ali, naquele ambiente, e experimentar ter uma relação muito mais gostosa.
E quando você se relaciona com alguém que também é famoso, como foi com a Marília Gabriela?
RG: Era uma loucura, porque dobra a curiosidade das pessoas. Mas, honestamente, na época em que a gente foi casado, durante os nossos oito anos e tanto, a gente tinha uma coisa, era tão fechado, tinha uma união tão gostosa, engraçado. Aquela época foi a época em que eu me sentia mais protegido dentro de uma estrutura assim, sabe? Tanto é que depois que eu terminei meu casamento, eu me senti muito sem escudo. Eu me senti sem saber lidar direito com aquela invasão, porque aí era todo mundo querendo saber como era a minha vida de solteiro a partir dali.

Mas essa proteção vinha de você estar em um relacionamento com uma mulher, que era o que as pessoas esperavam de você, né…
RG: Inegavelmente que tem uma coisa de quando você cumpre o que a sociedade espera, entre aspas: você é casado, você é modelo de sucesso, se você tem filhos, então, você cumpre um papel. Eu entendo, mas eu sempre fui de quebrar as estruturas, eu não sou um cara que cumpre os rituais em geral. Eu nunca tive vontade de subir no altar e falar: “Ah, casei”, com todas aquelas pompas e circunstâncias. Eu sou o primeiro a querer quebrar tudo o que é muito estabelecido e ter que corresponder. Eu não quero corresponder a nada.
Mas, nesse caso, sim, eu tinha um casamento hétero com uma mulher bem-sucedida. Então, parecia que eu estava cumprindo o que a sociedade espera, e claro que é verdade que quando você está nesse lugar você é muito pouco atacado, no sentido de “é isso”, como se alguém falasse: Esse lugar aí é o que a gente espera de você mesmo”. Então, talvez, eu, como jovem, me senti acolhido ali. Quando eu perdi isso, me senti vulnerável, até porque depois eu fui expandir a minha consciência sobre tudo, contei que descobri que minha sexualidade é fluida, e aí demorou um tempão para eu também entender que estava tudo bem. Eu fui descobrindo também como era dar vazão a coisas que eu não tinha olhado e tentar entender melhor sobre os meus desejos e parar de corresponder àquele sonho coletivo do homem, casado, que vai ter filho.
E isso é uma estrutura que você tem que quebrar e é difícil no começo, mas é muito legal quando você consegue ter uma maturidade para olhar para isso e inclusive falar sobre isso. Eu adorei falar sobre isso, mas sem expor mais do que eu preciso, eu gosto de falar da liberdade de poder ser, mas eu nunca vou falar de exemplos do que eu estou vivendo na minha sexualidade, por exemplo.
Você faz um acordo com a pessoa com quem você está se relacionando?
RG: Eu nunca fiz acordo de nada. Eu sempre procurei ter um diálogo para que seja uma coisa de confiança e de estabelecer que uma relação é feita a dois e que a gente deve se preservar. Eu estou há muito tempo na verdade sem me relacionar. Eu nem sei o que é, nem lembro direito mais o que me relacionar em um casamento. Claro, eu adoro a troca, gosto muito do afeto e procuro ter coisinhas que alimentam o nosso coração, prazer, estou sempre disposto a trocar. Mas me relacionar mesmo faz muito tempo que eu não tenho essa troca mais vertical, mais profunda. Acho que eu não tive mais esse encontro de almas.