Em 13 de agosto de 2010, durante a convenção do PT, o então presidente Lula abençoava Dilma Rousseff como sucessora e candidata do partido ao Palácio do Planalto. O retumbante fiasco se anunciava. Dilma foi eleita duas vezes, mergulhou o Brasil numa das mais graves crises políticas e econômicas da história e deixou a Presidência da República deposta, alvo de um inapelável processo de impeachment. Era o primeiro poste eleito por Lula.

Nesta semana, após oito anos, Lula voltou a lançar um novo poste como candidato à presidência, o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad. Mais do que Dilma, Haddad aceita ser na campanha um marionete de Lula, um avatar para a sua egotrip. Estabelece-se que no PT outros voos políticos só são permitidos quando o próprio Lula não pode alçá-los. Em 2010, ele não podia disputar um terceiro mandato. Agora, insistiu ao máximo em uma candidatura que a lei eleitoral não permitia: Lula era inelegível, com base na Lei da Ficha Limpa, por ter sido condenado por um tribunal colegiado de segunda instância. Assim, Haddad aceitou a esdrúxula hipótese de governar o país por procuração de Lula. É a primeira vez na história da República que um candidato reconhece, oficialmente, que quer ser alçado à Presidência para servir não ao povo, mas a um presidiário.

No ensaio dessa excrescência política, as decisões que definiram a candidatura já estão sendo tomadas de dentro da sala-cela que Lula ocupa na sede da Polícia Federal, em Curitiba. A famigerada desfaçatez lulopetista alcançou o seu ápice, como se fosse possível descer ainda mais na escala da degradação político-partidária. O que Lula submete aos seus comandados é comparável à mais desavergonhada vassalagem, nunca antes vista na história do partido. A propósito, há muito o PT deixou de ser um partido. A legenda, outrora depositária da esperança de renovação política dos brasileiros, virou um mero joguete das pretensões mais mesquinhas do ex-presidente preso. Como se estivessem diante de um messias, acima do bem e do mal, os petistas dobraram a espinha às conveniências de Lula – que, segundo ele próprio não é nem mais um ser humano, e sim “uma ideia”.

Para atender aos desígnios do morubixaba petista, a candidatura de Haddad foi forjada em meio a várias controvérsias. Não necessariamente por uma disputa interna para saber quem seria o candidato de Lula, mas sobre quem aceitaria ser o laranja do ex-presidente nas condições por ele impostas. Desde o início, Haddad pareceu aceitar as condições. Mesmo assim, setores do partido trabalharam fortemente contra ele. ISTOÉ apurou que mesmo agora tal desconfiança sobre Haddad sobrevive. Enquanto uma ala do partido apóia francamente sua candidatura, puxada por nomes como o ex-presidente do partido Rui Falcão e o ex-presidente da executiva estadual da sigla Emídio de Souza, outra – encabeçada pela própria presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) – o engole a contragosto.

Faltam os votos

O problema é que o próprio Lula ajudou a manter essa cisão, ao estabelecer a estratégia de esticar ao máximo sua própria candidatura. Até o início da semana, havia radicais no partido que pregavam que o PT não tivesse candidato, mantendo a palavra de ordem de que “eleição sem Lula” era uma farsa. Outros defendiam até a retirada da candidatura para que o PT se aliasse a Ciro Gomes (PDT), que vem crescendo como alternativa entre os que pretendiam votar em Lula. Abandonando o figurino obediente, foi o próprio Haddad quem internamente reagiu e cobrou uma solução. Contou nesse sentido com a ajuda do PCdoB de Manuela D’Ávila, agora a candidata a vice-presidente. “Tudo tem limite. A essa altura, ou eu sou candidato a presidente ou não serei candidato a mais nada”, avisou Haddad.

Se Haddad ganhou o posto, agora precisará dos votos que hoje lhe faltam. Internamente, integrantes do PT acreditam que a real capacidade de transferência de Lula para Haddad é de, no máximo, 50%. Ou seja, se as pesquisas estimavam que Lula teria em torno de 37% das intenções de voto, a projeção do PT, na melhor das hipóteses, é que Haddad consiga pontuar entre 15% e 18% no primeiro turno. Em um cenário embolado como o atual, pode não ser o suficiente para alcançar o segundo turno. Na tentativa hercúlea de alterar o quadro desfavorável, o partido promete intensificar, na propaganda eleitoral, uma espécie de simbiose entre Lula e Haddad criando a figura do “LulaHaddad”. Mostrando que os dois são um só – Lula é Haddad; Haddad é Lula. Ou seja, o candidato petista vai vestir despudoradamente o figurino de preposto de um presidiário – a carta ao povo brasileiro versão 2018 será agora uma carta ao povo carcereiro. Pior: ora, se Haddad é Lula, Haddad assume ser ele mesmo um político preso? No mínimo, teria de fazer campanha de tornozeleira eletrônica. É uma estratégia sem pé e cabeça.

Haddad foi acusado pelo promotor Marcelo Mendroni de cometer os crimes de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro

O candidato petista, aliás, não está longe de em breve poder fazer companhia a Lula nas barras da lei. Ele responde a dois processos criminais que podem levá-lo a ser condenado à prisão. Em 19 de agosto, o juiz Kenishi Koyama, da 11ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, aceitou denúncia feita pelo MP de São Paulo contra o ex-prefeito pelo crime de improbidade administrativa. O petista, que é réu na ação, é acusado de superfaturar obras de uma ciclovia ligando a Ceagesp ao Ibirapuera, com 12,4 kms. A obra de Haddad custou R$ 4,4 milhões por quilômetro, enquanto que outra ciclovia, feita na gestão de Gilberto Kassab, custou R$ 617 mil por quilômetro. Além desse caso, Haddad é acusado pelos crimes de corrupção passiva, associação criminosa e lavagem de dinheiro, pelo promotor Marcelo Mendroni. Haddad teria recebido R$ 2,6 milhões da empreiteira UTC, do empresário Ricardo Pessoa, para pagar gastos de sua campanha a prefeito em 2012 com gráficas.
Não bastasse a lambança de Haddad com malfeitos, sua administração à frente da Prefeitura foi uma lástima. Não fez nenhuma obra importante na cidade e ainda deixou um déficit para o sucessor de R$ 7,5 bilhões. Os hospitais ficaram sem remédios, escolas sem uniformes para as crianças, ruas esburacadas e lixo pelas ruas.

Em sabatina realizada na quarta-feira 12, Ciro Gomes, principal nome a disputar com Haddad os votos herdados de Lula, já deixou claro que vai bater no petista para evitar que ele vá ao segundo turno no seu lugar. “O Brasil não aguenta outra Dilma”, disparou. Quando Lula escolheu Dilma seu poste em 2010, ela mergulhou o país numa crise. “Em certo sentido, Haddad é um poste pior que Dilma. Ela, pelo menos, não se comprometia a governar o país por procuração”, emenda o executivo da consultoria de análise e estratégia política Idealpolitik, Leopoldo Vieira.

Transmitir a imagem de alguém sem pensamento próprio será o enterro de Haddad como político. Um poste mal instalado pode, como aconteceu com Dilma, provocar um curto circuito. É o destino que se avizinha para o petista.

EM NOME DO PAI Lula deu procuração a Haddad para ele ser candidato em seu nome

O laranja de Lula

> Enquanto Lula insistia, direto da cadeia, em manter uma candidatura ilegal, o ex-prefeito Fernando Haddad, fazia-se de ventríloco do ex-presidente, para propagar a candidatura petista Brasil afora

> Dez dias depois de ter sido considerado inelegível pelo TSE, o presidiário Lula determinou que Haddad assumisse a cabeça da chapa como presidenciável

> Faltando 26 dias para o pleito, Haddad corre agora contra o relógio para se tornar conhecido no Brasil inteiro, já que no Nordeste ainda o chamam de Andrade

> Ele largou com 4% nas pesquisas de intenção de voto, mas alguns institutos já lhe dão 8% ou 9%. Hoje, ele está embolado com Ciro Gomes, Marina Silva e Geraldo Alckmin na disputa para uma das vagas no segundo turno

> Lula acredita que pode transferir para Haddad seu grande estoque de votos, mas se esquece que eleitor não é como boiada que o boiadeiro conduz para seu curral. Lula sonha eleger mais um poste, como fez com Dilma em 2010 e 2014

“Valdeci, o papel Valdeci”

A ex-presidente Dilma Rousseff vai gastar mais de R$ 3 milhões na sua campanha para disputar uma vaga no Senado por Minas Gerais. É a campanha de senador mais cara do país. Se for eleita, Dilma vai continuar brindando os brasileiros com as tolices que sempre falou quando era presidente. Na segunda-feira 10, ela deu uma nova demonstração de que seu cardápio de asneiras não tem fim. Ela concedia uma entrevista ao vivo para a Rádio Torre, de Janaúba (MG), quando a repórter lhe perguntou o que ela faria pela região norte de Minas. Sem saber o que dizer, ela gritou no ar para a assessora Leonora lhe passar o papel com a “cola” das propostas para a região. A assessora respondeu para Dilma que a cola estava com o Valdeci. “Valdeci, o papel Valdeci”. “Ele tá lá fora”, respondeu Leonora, chamando Valdeci. “Não sei o que você tá fazendo lá fora Valdeci”, repreendeu energicamente Dilma sempre ao vivo na rádio mineira. Quando estava na presidência, era comum gritar com os assessores.

Nelson Almeida

A ex-presidente, no entanto, só é candidata graças ao sucesso de uma interpretação marota da Constituição, feita pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, que presidiu a sessão de impeachment. O artigo 52 da Constituição estabelece que a pena por cometimento de crime de responsabilidade é a perda do mandato, “com” inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública.

A interpretação de Lewandowski desprezou a preposição “com” e considerou que Dilma podia perder o mandato “sem” perder a inabilitação para a função pública. Liberada para ocupar o Senado, ela repetirá o mantra de ter sido vítima de uma farsa. Resta saber a qual farsa ele se refere.