A primeira estrela em 1989, a outra em 2016. Uma conquista criticada pela ligação com o narcotráfico; a outra, marcada por ótima campanha, gestão empresarial e reputação valorizada internacionalmente. Os conceitos extremos marcam a história do Atlético Nacional, clube de Medellín, na Colômbia, bicampeão da Copa Libertadores. Antes temido pelo vínculo com Pablo Escobar, agora o time virou exemplo de conduta.

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A festa na última noite de quarta-feira, organizada pela diretoria em conjunto com a prefeitura de Medellín, emocionou o público colombiano e brasileiro. A homenagem às 71 vítimas do avião que trazia a Chapecoense à cidade para que os dois times se enfrentassem pela final da Sul-Americana levou mais de 40 mil torcedores ao estádio Atanásio Girardot, fora outros milhares que ficaram do lado de fora, sem conseguir prestar a solidariedade desejada.

A comoção dos Verdolagas vem no período mais vitorioso dos 69 anos de sua história. Na quinta-feira, a delegação embarca ao Japão, como o primeiro representante colombiano no Mundial de Clubes da Fifa. A meta é bater o Real Madrid e conquistar o troféu máximo para coroar o intenso e festivo último ano. Desde dezembro de 2015, foram quatro conquistas incluindo a Libertadores.

O Nacional contava com a vitória sobre a Chapecoense para se tornar o único clube da história a ser campeão no mesmo ano dos dois principais torneios do continente. “Todos tínhamos a ambição de ganhar a Sul-Americana. Mas isso já não nos interessa mais. Se fôssemos jogar a final com a Chapecoense, não haveria igualdade de condições desportivas”, afirmou o presidente do clube, Juan Carlos de La Cuesta. A diretoria renunciou à taça para declarar o time catarinense campeão. Humildade de quem reconheceu falhas e mudou a rota da própria biografia.

 

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Há 20 anos o clube foi comprado pela organização Ardila Lülle e passou a ter o “S/A” no nome. O conglomerado de empresas atua principalmente no setor de bebidas, e na agroindústria, comunicações e seguros. O dono é o multimilionário Carlos Ardila Lülle, cujo patrimônio é estimado em R$ 5,4 bilhões. A mentalidade executiva na gestão mudou a realidade em campo. A equipe, antes dona de seis títulos nacionais, se transformou na maior potência do futebol colombiano, com 15.

O aporte financeiro consolidou uma estrutura capaz de dar sustentação às conquistas. Nos últimos quatro anos o planejamento foi exemplar, com uma estabilidade rara no Brasil. Foram somente dois treinadores. Juan Carlos Osorio comandou o time por três temporadas e saiu para assumir o São Paulo. Para a vaga dele, veio Reinaldo Rueda, ex-treinador do Equador e com perfil parecido ao do antecessor. Ambos têm currículo acadêmico na Europa. Outra conquista recente foi construir um moderno centro de treinamento em Guarne, na região metropolitana.

“Ter um local adequado para treinos faz toda a diferença. Por isso o momento do clube agora é outro. Quando era o técnico, a cada dia tínhamos que buscar um campo na cidade para poder treinar”, contou o treinador campeão da Libertadores em 1989 pelo Nacional, Francisco Maturana. A conversa com ele só muda de tom quando se toca o assunto narcotráfico. A equipe teve vinculação suspeita com o poderoso Pablo Escobar, fora histórias de suborno e a ameaças a árbitros.

Daquele time campeão da Libertadores, dois titulares tiveram incidentes com traficantes. O zagueiro Andrés Escobar foi assassinado em 1994 após marcar um gol contra que desclassificou a Colômbia da Copa do Mundo. Daquela competição nos Estados Unidos o goleiro René Higuita foi ausência, pois tinha perdido a forma por ficar sete meses preso em 1993. Motivo: participação de um sequestro organizado pelo cartel de Medellín, chefiado por Pablo Escobar.

Incômodo. O assunto “narcofutebol” é um tabu no clube. Quem está atualmente na gestão fala que não tem ligação com o tema. Os personagens do passado ficam incomodados. “Se fosse para ter o dinheiro dos traficantes, não precisaria ter que colocar o time para treinar duro. Era só pagar que seríamos campeões com mais facilidade”, desconversou Maturana, ex-técnico da seleção colombiana.

A postura de fugir de temas complicados liga essas duas eras no futebol colombiano. Na última semana, por estar às vésperas da fase final do Campeonato Colombiano, o time fechou os treinos e, nas entrevistas, o pedido era não falar do acidente da Chapecoense, para não deixar os jogadores mais abalados. “Estamos comovidos, é claro. Vimos como há coisas mais importantes no mundo do que o futebol. Aprendemos na homenagem a como festejar a vida”, disse o zagueiro Nájera.


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