O fantasma do plágio paira sobre músicos em todo o mundo, não importa a origem ou o sucesso. É uma ameaça para quem imita deliberadamente, uma vez que há o risco de ser descoberto e processado, mas também porque pode acontecer sem intenção, já que a possibilidade de reproduzir uma melodia ouvida anteriormente pode ocorrer de forma inconsciente. A lembrança de uma canção fica guardada por anos até vir a se transformar em uma nova obra.

Uma prova de que ninguém está a salvo aconteceu na semana passada e envolveu uma das maiores bandas do mundo, os Rolling Stones. Os fãs podem pensar: será que, após terem composto dezenas de sucessos em mais de meio século de carreira, os roqueiros britânicos tiveram de apelar? Quem acusa é o músico latino Sergio León, da banda espanhola Angelslang. Ele alega que Mick Jagger e Keith Richards usaram trechos de sua composição So Sorry em Living in a Ghost Town, faixa lançada em 2020. O argentino tem bons argumentos. Ele anexou ao processo provas de que esteve com Chris Jagger, irmão de Mick, no show do grupo em Barcelona, em 27 de setembro de 2017, ocasião em que lhe entregou um CD. A informação é confirmada pela troca de e-mails entre eles, que também integra a ação. As duas canções são, realmente, semelhantes. A questão é delicada porque So Sorry, sinceramente, já soa bastante como uma canção dos Rolling Stones. O blues e o reggae são estilos onde a definição de plágio é muito difícil, uma vez que suas harmonias são tradicionalmente semelhantes e vêm de origens em comum. A decisão final virá de um tribunal de New Orleans, nos EUA. O mais provável, porém, é que a questão seja resolvida em um acordo sigiloso.

Divulgação

Há casos em que o compositor prefere confessar logo a influência externa, alegando que não teve a intenção de imitá-la. O episódio mais famoso implicando artista nacional ocorreu com Jorge Benjor, que ganhou uma ação contra o britânico Rod Stewart. No carnaval de 1978, Stewart veio ao Brasil acompanhado de dois colegas famosos, Freddie Mercury, do Queen, e Elton John. Nas festas frequentadas por eles, a trilha sonora da época era Taj Mahal, lançada dois anos antes no álbum África Brasil. Quando voltou para a Inglaterra, Stewart compôs Da Ya Think I’m Sexy?, que tornou-se um hit mundial. O problema é que era igual à composição de Benjor. O brasileiro entrou na Justiça e os dois chegaram a um acordo. Envergonhado, Stewart doou todo o valor arrecadado com as vendas para a Unicef. Em sua autobiografia, revelou: “Taj Mahal tocava o tempo inteiro e a melodia se alojou na minha memória. E então ela emergiu quando comecei a compor. Foi apenas um puro e simples ato inconsciente”.

A própria definição legal de plágio enfrenta problemas de subjetividade. O consenso mundial na área de direitos autorais diz que a reprodução de uma mesma harmonia por ao menos oito compassos constitui uma irregularidade. Mas há linhas que se repetem por um período ainda mais longo e que não entram nessa categoria, assim como trechos semelhantes mais curtos que já são considerados cópias fiéis. Segundo o advogado Ygor Valério, especialista em direitos autorais, busca-se os princípios de costume, ou seja, a verificação do bom senso, uma vez que não há definição mundial unificada sobre o que é plágio. “A regra dos oito compassos não está escrita em lugar nenhum, é sempre tratada legalmente como uma questão casuística”, afirma o advogado. “Existe uma legislação mundial, mas ela é aplicada de forma diferente e específica.”

Tecnologia

Nos últimos tempos, assistimos a um número recorde de pendências. Os produtores Sami Switch e Ross O’Donoghue acusaram o britânico Ed Sheeran de usar um trecho da canção Oh Why no hit Shape of You. A norte-americana Katy Perry foi acusada pelo cantor Flame, que garante que Dark Horse era semelhante a sua música Joyful Noise. Já o brasileiro Toninho Geraes, autor do samba Mulheres, famoso na voz de Martinho da Vila, cobra da cantora Adele o crédito pela faixa Million Years Ago, parte do álbum 25.

Se já assistimos hoje ao aumento dos pleitos, o avanço da tecnologia e a inteligência artificial podem fazer esse número explodir no futuro próximo. Por outro lado, a sofisticação dos softwares também permitirá o reconhecimento imediato de trechos roubados de outras obras. Valério afirma que o mercado se prepara para um cenário de batalhas jurídicas. Ele cita o uso cada vez mais popular do programa ChatGPT, cuja nova versão é sete milhões de vezes superior a anterior. Se um mecanismo de inteligência artificial é abastecido com músicas dos Beatles e gera uma nova obra, por exemplo, ela deve ter os Beatles como coautores? “A utilização de obra pré-existente para ensinar um robô a criar conteúdo vai suscitar discussões complexas. Se o computador finalizar a obra de um compositor que faleceu, quem deverá ser creditado como autor? A empresa que criou a máquina ou o criador, que a alimentou a partir de seu estilo próprio e único?”. Perto dessas dúvidas, vamos ter saudades de contar os oito compassos.

O que é plágio?

É um ato que viola o direito autoral do compositor original, por meio da cópia fiel de uma obra ou trecho de sua produção musical. A “regra dos oito compassos” prevê que, se a semelhança ultrapassar esse período de sequência harmônica, está configurado o plágio.

Jason Kempin

Réu confesso

Rod Stewart (acima) e Jorge Benjor (abaixo): o britânico diz que ouviu tanto a canção Taj Mahal no Brasil que ela estava “sem querer” em sua cabeça quando sentou-se para compor Da Ya Think I’m Sexy?