De Collor a Bolsonaro: ex-presidentes que enfrentaram o STF desde a redemocratização

Suprema Corte pode condenar segundo presidente criminalmente desde a redemocratização e o primeiro por tentativa de golpe de Estado; julgamento será retomado na próxima terça

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre prisão domiciliar e usa tornozeleira eletrônica
O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cumpre prisão domiciliar e usa tornozeleira eletrônica Foto: REUTERS/Adriano Machado

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) poderá ser o segundo ex-presidente condenado criminalmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), caso seja considerado culpado por tentativa de golpe de Estado. Até então, apenas Fernando Collor de Mello chegou a ter a condenação proferida pela Suprema Corte. 

Bolsonaro é acusado de liderar a organização que liderou a organização que planejou uma tentativa de golpe de Estado após a derrota para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. Para a Procuradoria-Geral da República (PGR), o ex-presidente tinha ciência do planejamento da cúpula, chegou a editar uma minuta golpista e pressionar as Forças Armadas para aderirem ao plano. 

Jair Bolsonaro também teria ciência e dado aval ao plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa a morte de autoridades como Lula, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e o vice-presidente Geraldo Alckmin. O ex-presidente responde a cinco crimes, entre eles tentativa de abolição violenta ao Estado Democrático de Direito e golpe de Estado. 

O julgamento do ex-presidente deve durar até o dia 12 de setembro, mas, nos bastidores, a expectativa é de que a sentença saia no próximo dia 10. O julgamento foi interrompido e voltará na próxima terça-feira, 9, a partir das 9h. 

Nos corredores, a condenação de Bolsonaro é dada como certa, a incógnita é se será por 4 a 1 ou 5 a 0. A dúvida está no voto do ministro Luiz Fux, que tende a divergir de Moraes, relator do processo. 

Essa poderá ser a segunda vez em que a Suprema Corte condena criminalmente um ex-presidente da República. Até o momento, apenas Fernando Collor de Mello teve uma condenação no STF. 

Collor foi condenado em 2023 à oito anos e 10 meses de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Operação Lava Jato. Ele está preso desde, em regime domiciliar, desde abril

Outros presidentes chegaram a ser investigados, como os ex-presidentes José Sarney e Michel Temer, mas não chegaram à fase de condenação. Já o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a ser alvo do STF na Operação Lava Jato e teve sua prisão decretada em 2018 após uma decisão do plenário da Corte autorizar a prisão em segunda instância. Na ocasião, o processo não tinha chegado às mãos do ministro Edson Fachin, então relator do caso, que depois anulou as acusações por incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba em julgar o processo. 

Fernando Collor

Fernando Collor está preso em regime domiciliar após ser condenado a oito anos e 10 meses de prisão no âmbito da Operação Lava Jato; ex-presidente é acusado de corrupção e lavagem de dinheiro em contratos com a BR Distribuidora

Fernando Collor de Mello 

Collor foi acusado de cobrar propina em contratos da BR Distribuidora, entre 2010 e 2014. De acordo com as investigações, o também ex-senador teria atuado para que a subsidiária da Petrobras assinasse um contrato com a UTC Engenharia para a construção de bases para distribuição de combustíveis.

Conforme o Ministério Público, as irregularidades geraram R$ 29,9 milhões em propinas. O ex-presidente nega as acusações. Além dele, outros dois empresários foram condenados no esquema. 

Collor foi o 32° Presidente do Brasil, de 1990 até 1992. Ele acabou renunciando enquanto respondia a um processo de impeachment aprovado pelo Senado. Depois disso, foi senador por Alagoas de 2007 até 2023.

José Sarney

Ex-presidente José Sarney durante evento na Câmara dos Deputados em homenagem aos 40 anos da redemocratização; ex-senador foi o primeiro presidente do país após a redemocratização e chegou a ser investigado por favorecimento em licitação na construção da Ferrovia Norte-Sul

José Sarney 

Primeiro presidente desde a redemocratização, José Sarney chegou a responder processos no Supremo Tribunal Federal, como no inquérito que apurou supostos desvios de dinheiro e favorecimento na licitação na construção da Ferrovia Norte-Sul, além do caso dos “atos secretos”, que investigou diversas medidas que nomeavam parentes no Senado. 

O ex-presidente também chegou a ser investigado na Lava Jato e no Mensalão, mas todos os processos foram arquivados. 

De Collor a Bolsonaro: ex-presidentes que enfrentaram o STF desde a redemocratização

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva teve sua prisão concretizada após um julgamento no STF, que autorizou a prisão em casos de condenação em segunda instância; entendimento foi alterado cerca de um ano depois, libertando o petista, que retornou ao Planalto em 2023

Luiz Inácio Lula da Silva 

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve seu processo na Operação Lava Jato anulado pelo STF após uma decisão monocrática do ministro Luiz Edson Fachin. O petista chegou a ser condenado em três instâncias a nove anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro pelo caso do triplex no Guarujá. 

O STF chegou a analisar a autorização da prisão de Lula após a condenação em segunda instância, sendo aprovada em abril de 2018. A prisão foi revogada um ano e meio depois. 

Michel Temer 

O ex-presidente da República Michel Temer é outro que não teve condenações referendadas pelo STF, mas chegou a ser investigado em inquéritos na Corte. Temer chegou a ser investigado por liderar uma organização para recebimento de propinas, mas o processo foi arquivado em 2018. 

Depois, o ex-presidente foi alvo de uma investigação após o vazamento de uma conversa entre ele o empresário Joesley Batista, dono da JBS, em que ele comenta um possível pagamento pelo silêncio do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha. A Suprema Corte rejeitou a denúncia e arquivou o inquérito. 

Michel Temer

Ex-presidente Michel Temer (MDB) chegou a ser investigado pelo STF, mas teve todos os processos arquivados pela Suprema Corte

A denúncia contra Bolsonaro

Bolsonaro se tornou réu em março deste ano após a Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciar o ex-presidente por participação no plano golpista após a derrota para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2022. As investigações da Polícia Federal começaram em agosto de 2023 e avançaram após a delação de Mauro Cid, tenente-coronel do Exército e ex-ajudante de ordens do Palácio do Planalto.

Para a PGR, Bolsonaro foi o líder da organização criminosa e participou ativamente na elaboração da minuta do golpe para evitar a posse de Lula. A denúncia, oferecida em fevereiro deste ano, narra a trajetória golpista desde o período pré-eleitoral, com a disseminação de notícias falsas, até os ataques de 8 de janeiro contra os Três Poderes. 

Uma das provas pontuadas pelo procurador-Geral da República, Paulo Gonet, é o compartilhamento de notícias falsas nas redes sociais e declarações do ex-presidente contra o sistema eleitoral brasileiro. Para ele, Bolsonaro tentou descredibilizar a confiabilidade das urnas eletrônicas e o processo eleitoral para legitimar uma ruptura golpista. 

A denúncia aponta a gravação de uma reunião ministerial, realizada no dia 5 de julho de 2022, em que Bolsonaro cobra de seus ministros a utilização da estrutura do Estado para reforçar a desconfiança sobre o processo eleitoral. A acusação reforça o uso da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que realizou blitzes no dia do segundo turno das eleições de 2022 em áreas em que Lula obteve maioria dos votos para impedir que os eleitores pudessem votar. 

Bolsonaro ainda é acusado de editar e aprovar uma minuta golpista, que previa a declaração de Estado de Defesa no país, a revogação das eleições de 2022, além da prisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF. O documento também previa a formação de uma comissão provisória liderada por militares para investigar as supostas fraudes eleitorais e convocar novas eleições. 

O ex-presidente, de acordo com a PGR, apresentou o documento para os comandantes das Forças Armadas e chegou a pressioná-los para aderir ao plano golpista. O então líder da Marinha, o almirante Almir Garnier, deu aval à ideia, mas os comandantes do Exército Marco Antônio Freire Gomes e da Aeronáutica, o tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, se negaram a aderir à proposta. A tese foi corroborada por Freire Gomes e Baptista Junior em depoimentos à Polícia Federal. 

Gonet ainda reforça que o ex-presidente da República tinha ciência e deu o aval para a execução do plano “Punhal Verde e Amarelo”, que previa o assassinato de autoridades, como Moraes, Lula e o vice-presidente Geraldo Alckmin. O documento foi elaborado pelo general Mário Fernandes, ex-número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, e impresso nas dependências do Palácio do Planalto. 

“O plano foi arquitetado e levado ao conhecimento do Presidente da República, que a ele anuiu, ao tempo em que era divulgado relatório em que o Ministério da Defesa se via na contingência de reconhecer a inexistência de detecção de fraude nas eleições”, afirmou a PGR na denúncia. 

A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro nega todos os crimes atribuídos à ele.