De cena da facada a denúncias: o que sabemos sobre o filme de Jair Bolsonaro

Produção internacional sobre Bolsonaro recria atentado de 2018, mistura ficção com versões defendidas por apoiadores e já provoca polêmica antes da estreia

De cena da facada a denúncias: o que sabemos sobre o filme de Jair Bolsonaro
De cena da facada a denúncias: o que sabemos sobre o filme de Jair Bolsonaro Foto: Reprodução/montagem

O filme sobre Jair Bolsonaro, batizado de ‘Dark Horse’ (O Azarão), promete revisitar os acontecimentos que marcaram a eleição presidencial de 2018, com foco especial no episódio do ataque a faca contra o então candidato, em Juiz de Fora (MG).

O protagonista será vivido pelo ator norte-americano Jim Caviezel, conhecido mundialmente por interpretar Jesus em ‘A Paixão de Cristo’, dirigido por Mel Gibson. Fora das telas, Caviezel já chamou a atenção por defender teorias conspiratórias sobre uma suposta “elite global” e por se posicionar contra vacinas. Ele também coleciona polêmicas, como durante o lançamento do filme ‘Som da Liberdade’, quando se aproximou de discursos ligados ao movimento QAnon, um grupo conspiratório de extrema direita dos Estados Unidos. O QAnon difunde teorias sem evidências sobre supostas redes de tráfico infantil e figuras poderosas que estariam envolvidas em conspirações globais. Durante a promoção do filme, Caviezel fez falas que ecoaram partes dessas teorias, o que gerou forte repercussão e críticas na mídia.

A produção ainda escala o mexicano Marcus Ornellas como Flávio Bolsonaro, enquanto Sérgio Barreto, brasileiro, dará vida a Carlos Bolsonaro, e o norte-americano Edward Finlay será Eduardo Bolsonaro. A atriz que interpreta Michelle Bolsonaro é a norte-americana Camille Guaty, que atuou na série “Prison Break”. Até o momento, a intérprete de Laura Bolsonaro não foi anunciada. O elenco está informado na plataforma IMDb, uma referência da indústria cinematográfica.

Ao que se sabe, as gravações começaram em outubro deste ano. O roteiro, que mescla fatos reais com elementos ficcionais, apresenta uma versão mais heroica da trajetória do ex-presidente, incluindo cenas ambientadas nos anos 1980, período em que Bolsonaro integrava o Exército e, segundo a trama, teria participado de ações contra o tráfico.

Em sua narrativa, o filme apresenta o político como alvo de conspirações envolvendo organizações criminosas e grupos de esquerda. Além do atentado cometido por Adélio Bispo — que na obra ganha o nome de Aurélio Barba —, a produção inclui supostas novas tentativas de ataque durante a fase de recuperação. Também está prevista uma sequência em que Bolsonaro enfrenta um traficante poderoso que, na história, teria sido preso graças a ele quando ainda era militar.

O longa, dirigido por Cyrus Nowrasteh, pretende retratar Bolsonaro como um sobrevivente perseguido por diversos “conspiradores”, apoiando-se tanto em relatos do próprio ex-presidente quanto em versões difundidas entre seus apoiadores.

O roteiro foi escrito pelo ex-ator e atual deputado estadual paulista Mario Frias, que também comandou a Secretaria de Cultura durante o governo Bolsonaro.

A reportagem de IstoÉ te atualiza sobre as últimas informações do filme, que nem estreou e já está dando o que falar. Confira!

A caracterização de Jim Caviezel

O senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) compartilhou no domingo, 7, as primeiras fotos de Jim Caviezel interpretando Jair Bolsonaro no longa.

Primeiras imagens mostram Jim Caviezel como Bolsonaro em Dark Horse - Expo News Brasil

Jim Caviezel caracterizado como o ex-presidente Jair Bolsonaro

Primeiro teaser do filme

No mesmo dia, Dark Horse’ teve seu primeiro teaser divulgado. As gravações da obra começaram em outubro, em São Paulo, e a estreia está prevista para 2026.

Em 2025, Bolsonaro foi sentenciado pelo Supremo Tribunal Federal a 27 anos e três meses de prisão, após ser considerado culpado por crimes ligados a uma tentativa de golpe de Estado.

Cena da facada é recriada

Sequências ainda não exibidas do longa ‘Dark Horse’ chamaram a atenção nas redes sociais nos últimos dias. O filme, que narra a trajetória do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), teve trechos das gravações divulgados, revelando o ator Jim Caviezel encenando o episódio da facada ocorrida durante a campanha eleitoral de 2018.

As imagens, captadas diretamente durante as filmagens, mostram a reprodução do ato de campanha em que Bolsonaro foi atacado. Em outra parte das cenas, Caviezel surge sendo carregado por simpatizantes e rapidamente encaminhado para receber atendimento médico.

Memorial da América Latina em São Paulo vira set

As filmagens de ‘Dark Horse’ teve parte de suas cenas registradas no Memorial da América Latina entre os dias 19 e 22 de novembro deste ano.

Para utilizar o espaço público, a produtora Go Up Entertainment precisou pagar R$ 125.921,36 ao governo estadual paulista. A informação consta em um termo de autorização divulgado no Diário Oficial, no qual também é especificado que o período de uso compreendia o horário das 8h às 22h, em cada um dos dias reservados.

O contrato incluía a locação de diferentes áreas dentro do Memorial, como o Auditório da Biblioteca Latino-Americana, a Praça da Sombra (em frente ao Pavilhão da Criatividade), o Foyer do Auditório Simón Bolívar e o Anexo dos Congressistas, localizado no pavimento inferior.

Ator Jim Caviezel interpretando Jair Bolsonaro no filme Dark Horse - Metrópoles

Felipe Folgosi no filme

O ator Felipe Folgosi compartilhou nesta segunda-feira, 8, uma foto ao lado do norte-americano Jim Caviezel, o intérprete de Jair Bolsonaro. Na imagem, Folgosi aparece caracterizado como um delegado da Polícia Civil de Minas Gerais, papel relacionado às cenas que vão reconstituir o atentado à faca contra o ex-presidente.

Na legenda, o ator brasileiro afirmou que trabalhar ao lado de Caviezel em um projeto considerado tão importante foi uma honra e desejou que Deus o abençoe.

Ele também declarou que a produção está se dedicando a recriar momentos marcantes da campanha eleitoral daquele ano, e sua participação integra essa reconstrução.

Denúncias de agressões

A filmagem de ‘Dark Horse’ tornou-se alvo de denúncias envolvendo agressões, falhas de organização e condições precárias de trabalho. Os relatos partem de profissionais que participaram das gravações — entre figurantes, atores e técnicos — durante o período de outubro a novembro de 2025, em São Paulo. As queixas foram confirmadas pelo Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões de São Paulo (Sated-SP).

“Dark Horse” inclui a participação do ex-secretário de Cultura Mário Frias, escalado para viver um personagem, doutor Álvaro. Uma versão inicial do roteiro, obtida por jornalistas, revela sequências de ação ambientadas na Amazônia, com conflito entre cartéis do narcotráfico e a presença de indígenas e xamãs.

Entre os depoimentos recebidos pelo sindicato, o mais grave é o do ator e figurante Bruno Henrique. Ele afirma que foi agredido durante uma gravação no Memorial da América Latina, em 21 de novembro, após entrar no set com o celular — item que estava proibido, mas que, segundo ele, não tinha sido recolhido de forma segura pela produção. Bruno relata que foi empurrado, arrastado e expulso do local por um segurança estrangeiro.

Segundo seu depoimento, houve agressões físicas: “Esse americano que tomou a blusa em que o celular estava da minha mão veio, grudou no meu braço, me jogou para fora do local. (…) O segurança deu um tapa na minha mão e veio para cima de mim para me dar um soco. (…) Ele me deu um soco e (…) eu fiz corpo de delito. Eu estava de óculos e, quando desci para pegar, ele me deu uma rasteira”.

Ele também relata precariedade na alimentação e no pagamento. De acordo com Bruno, houve episódios em que figurantes teriam consumido comida estragada e, em algumas ocasiões, teriam ficado tanto tempo impedidos de sair do set que acabaram fazendo suas necessidades nas próprias roupas. Outro ponto denunciado é que o elenco brasileiro recebia apenas um “kit lanche” como refeição para jornadas superiores a oito horas, enquanto a equipe estrangeira teria acesso a refeições completas — café da manhã, almoço e lanche da tarde.

Diante do volume de denúncias, o Sated-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo), abriu um dossiê para apurar os casos. O material reúne queixas de atrasos de pagamento, contratos oferecidos abaixo dos valores praticados no mercado e orientação para que figurantes pagassem R$ 10 pelo transporte até as locações — quantia que, conforme relatos, era descontada dos cachês ou exigida antecipadamente. Em resposta, a empresa responsável pelo recrutamento afirmou que os valores pagos aos profissionais variavam de R$ 150 a R$ 250 e negou qualquer irregularidade.

Representantes sindicais apontam ainda que a produção teria desrespeitado parâmetros previstos em convenções brasileiras. O Sindcine (Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual), lembra que obras internacionais no país precisam apresentar contratos formais, registrar toda a equipe — brasileira e estrangeira —, seguir a legislação trabalhista nacional e repassar 10% do valor da produção ao fundo social do sindicato. A presidenta Sonia Santana criticou a postura da equipe internacional: “Posturas do tipo ‘o dinheiro é gringo, mandamos nós, é do nosso jeito’ não são aceitáveis no Brasil”, disse à Fórum.

A presidenta do Sated-SP, Rita Teles, também expressou preocupação com as denúncias e cobrou atuação do Ministério do Trabalho: “É inadmissível lidar com esse volume de denúncias de uma produção que vem de fora do país, não cumpre a legislação local, não apresenta os contratos de trabalho, e isso gera uma insegurança muito grande”.

Em nota enviada ao sindicato, a J&D Produções — responsável pela seleção de elenco — negou irregularidades: “Por questões contratuais, estamos impedidos de comentar sobre os trabalhos em andamento. Quanto às demais questões, estamos à disposição, reafirmando que sempre trabalhamos dentro das melhores práticas do mercado e de acordo com toda a legislação pertinente”.

IstoÉ procurou a GoUp Entertainment, produtora de “Dark Horse” instalada em Los Angeles (EUA), mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem. O espaço permanece aberto para manifestação da produtora ou de qualquer envolvido.

Os atores Eddie Finlay, Marcus Ornellas e Sergio Barreto serão, respectivamente, Eduardo, Flávio e Carlos Bolsonaro em filme de longa metragem, 'O Azarão'

Produtora de filme tem contrato de R$ 100 mi com prefeitura de SP

A investigação realizada pelo Intercept Brasil revelou que a produtora responsável pelo filme ‘Dark Horse‘, cinebiografia do ex-presidente Jair Bolsonaro, firmou em 2024 um contrato superior a R$ 100 milhões com a Prefeitura de São Paulo, administrada pelo Prefeito Ricardo Nunes, do MDB. O acordo envolve o Instituto Conhecer Brasil, ONG que pertence à mesma empresária que comanda a produtora do longa, Karina Ferreira da Gama.

Segundo o levantamento, Karina é proprietária tanto da Go Up Entertainment, principal produtora de ‘Dark Horse’, quanto do Instituto Conhecer Brasil, entidade escolhida pela gestão municipal para levar pontos de wi-fi gratuito a comunidades de baixa renda. O edital para o projeto foi publicado em julho de 2023, e a ONG foi a única participante da licitação. O valor fechado entre as partes chegou a R$ 108 milhões, incluindo um adiantamento de R$ 26 milhões feito antes mesmo da execução do trabalho. O objetivo era acelerar a instalação de parte dos 5 mil pontos de internet previstos, em plena disputa eleitoral que garantiu a reeleição de Nunes.

Após as eleições, o ritmo das instalações diminuiu, e até agora cerca de 3.200 pontos foram ativados, número distante da meta inicial. O valor do contrato também chamou atenção quando comparado a outro projeto executado no fim de 2023. Na ocasião, a própria Prefeitura de São Paulo contratou a Prodam, empresa municipal de tecnologia, para instalar quase 11 mil pontos de wi-fi em unidades educacionais por R$ 125 milhões, mais que o dobro da quantidade prevista no contrato com o Instituto Conhecer Brasil.

Outro elemento observado pelo Intercept é que Karina administra a produtora e a ONG, além de outros negócios, a partir de um mesmo endereço localizado em um coworking na Avenida Paulista. O Instituto Conhecer Brasil, por sua vez, não tinha qualquer experiência prévia na instalação ou manutenção de redes de wi-fi antes de ser contratado pela gestão Nunes.

As conexões envolvendo a empresária também se estendem ao deputado Mario Frias, ex-secretário especial da Cultura do governo Bolsonaro. Neste ano, Frias destinou mais de R$ 2 milhões ao Instituto Conhecer Brasil para projetos voltados ao esporte e ao letramento digital. Nenhuma dessas iniciativas aparece no site oficial da entidade. O deputado ainda assina o roteiro de Dark Horse e faz uma participação no filme.

O Intercept apontou ainda que outra empresa ligada a Karina, a Academia Nacional da Cultura, recebeu mais de R$ 2,6 milhões em emendas Pix enviadas por parlamentares alinhados ao bolsonarismo, como Alexandre Ramagem, Carla Zambelli, Bia Kicis, Marcos Pollon e Gil Diniz. Os recursos tinham como finalidade a produção de uma série documental chamada Heróis Nacionais, que ainda não foi concluída.

Em resposta, o Instituto Conhecer Brasil afirmou que não existe relação entre os projetos financiados por Frias e o contrato firmado com a Prefeitura de São Paulo. Afirmou também que cada recurso recebido possui destinação específica e é utilizado exclusivamente para sua finalidade aprovada, respeitando a legislação e as normas de controle. A prefeitura, por sua vez, classificou como irresponsável qualquer tentativa de associar a autorização das filmagens de Dark Horse ao programa WiFi Livre SP, que foi descrito pela gestão como essencial para garantir acesso à internet a famílias em situação de vulnerabilidade. A administração municipal reforçou ainda que o filme não recebeu dinheiro público nem mantém vínculo com a SPCine.

Jim Caviezel em cena de Dark Horse, filme sobre Jair Bolsonaro (Reprodução)

Beyoncé pede remoção de música em teaser do filme

Uma equipe ligada à cantora Beyoncé anunciou que está adotando medidas judiciais contra a utilização da faixa Survivor, do grupo Destiny’s Child, no teaser do filme sobre Jair Bolsonaro. A informação foi divulgada por Anderson Nick, responsável pelos projetos da BeyGood no Brasil — organização filantrópica ligada à cantora. Em uma publicação feita na segunda-feira, 8, ele repudiou o uso da canção e afirmou que a obra não tem autorização para exibição.

Segundo Nick, providências já estão em andamento para que o material seja retirado do ar o quanto antes. “A música foi claramente usada ilegalmente, e as ações necessárias estão sendo tomadas”, escreveu, finalizando a mensagem com a expressão: “Muito canalhas.”

O teaser de ‘Dark Horse’ traz cenas do ator Jim Caviezel, acompanhadas pela trilha Survivor, escolha que rapidamente se espalhou nas redes sociais e gerou repercussão.

Diretor norte-americano à frente do projeto

A direção ficará a cargo de Cyrus Nowrasteh, cineasta do Colorado conhecido por produções com forte apelo político e religioso. Entre seus trabalhos mais famosos estão O Apedrejamento de Soraya M. (2008), O Jovem Messias (2016) e Sequestro Internacional (2019), este último estrelado justamente por Caviezel.

A parceria prévia entre os dois alimentou especulações desde agosto, quando perfis de direita no X divulgaram que Caviezel interpretaria Bolsonaro. Mesmo com a produção mantendo discrição, o ator ainda não confirmou publicamente sua participação.

Nowrasteh tem comentado pouco sobre o projeto. Recentemente, respondeu a uma seguidora no X informando que está “gravando na América Latina”. Em maio, publicou imagens de uma viagem de pesquisa por áreas na divisa entre Rio de Janeiro e Minas Gerais.

A relação do diretor com o Brasil não é inédita: na década de 1990, ele assinou o roteiro de Jenipapo (1995), dirigido por Monique Gardenberg e estrelado por Henry Czerny, Júlia Lemmertz, Marília Pêra e Otávio Augusto.

Cyrus Nowrasteh

IstoÉ teve acesso a documentos que indicam supostas etapas de produção do filme ‘Dark Horse’. Parte do elenco já aparece registrada no IMDb, plataforma internacional utilizada para consulta de fichas técnicas, artistas e informações de produções audiovisuais (link aqui). A presença dos dados no site sugere que, ao menos, o projeto foi formalmente inscrito no mercado cinematográfico.

Entre os nomes vinculados à obra está o de Mario Frias, ex-secretário especial de Cultura do governo Bolsonaro, identificado como produtor do longa. A função pode variar — de produtor executivo a associado —, mas, até o momento, o crédito informado aparece apenas como “produtor”, sem especificação do cargo desempenhado.

A reportagem da IstoÉ ressalta que entrou em contato com todas as partes ligadas ao filme sobre o ex-presidente Jair Bolsonaro, mas, até o fechamento desta matéria, ainda não houve retorno. O espaço segue aberto para manifestações e esclarecimentos.