De cantor católico a governador popular: a trajetória de Cláudio Castro

Governador ganhou capital político após megaoperação que deixou 121 mortos no Rio de Janeiro

O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL)
O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL) Foto: Pablo Porciuncula / AFP

A megaoperação policial contra o Comando Vermelho que deixou 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, no Rio de Janeiro, ganhou ares de “divisor de águas” para Cláudio Castro (PL). Apesar dos questionamentos quanto à letalidade policial de uma gestão ainda criticada pela insegurança, o governador fluminense ganhou popularidade e confiança no campo da direita.

Ao encampar o discurso da letalidade policial, o político bolsonarista Castro se distancia de vez do discreto assessor parlamentar e cantor católico. Neste texto, a IstoÉ relata os principais episódios dessa metamorfose.

Assessor — e cantor — fiel

Em meados dos anos 2000, Castro foi assessor do então deputado estadual Marcio Pacheco (PSC) — de quem foi aliado fiel e viria a recompensar com uma indicação ao Tribunal de Contas do Estado, em 2022 — e tornou-se chefe de gabinete na Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro).

O trabalho na Alerj passou de uma década e aproximou o assessor de diversas lideranças do estado, em especial integrantes do “centrão” que, mesmo nas transições de poder entre Rosinha Garotinho (PSB), Sergio Cabral (MDB) e Fernando Pezão (MDB) no governo, preservavam seus rincões de poder no estado.

Advogado e católico, Castro dividia o trabalho no Legislativo com a carreira musical. Ele lançou dois álbuns religiosos, “Em Nome do Pai”, em 2011, e “Dia de Celebração”, em 2016. Ambos podem ser ouvidos em plataformas de streaming. Entre um e outro, tentou ser vereador da capital fluminense em 2012, pelo extinto PSC. Teve 8.298 votos, não foi eleito e foi a Brasília trabalhar como assessor na Câmara dos Deputados.

Em nova tentativa de chegar à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em 2016, obteve 10.262 votos e levou a vaga. Distante dos parlamentares mais populares e sem integrar os principais grupos da disputa — em que Marcelo Crivella (Republicanos) se elegeu prefeito em segundo turno, contra Marcelo Freixo (ainda no PSOL) –, Castro foi o 56º mais votado, ainda pelo PSC.

Com atuação discreta, o vereador não tinha projeção estadual e nem sequer identificação clara com a direita radical — a capital fluminense é o berço político de Jair Bolsonaro, que logo chegaria ao Palácio do Planalto.

Em 2018, no entanto, uma espécie de acaso conjuntural levou Castro a uma chapa na eleição pelo governo do estado. Seu colega de PSC, juiz federal e ex-defensor público, Wilson Witzel pretendia disputar o Palácio Guanabara em corrida que tinha Eduardo Paes (à época no Democratas) como franco favorito.

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O favoritismo de Paes e a inexistência prévia da carreira política de Witzel afastaram outros partidos e lideranças da composição. No vácuo, Castro era um vereador reconhecido entre seus pares e que, por estar em meio de mandato, não tinha “nada a perder” caso topasse a empreitada e não se elegesse — cenário que era o mais provável.

Os escândalos de corrupção que assolaram governos anteriores, no entanto, impulsionaram o discurso de combate à corrupção do ex-juiz, que se muniu ainda da defesa da violência policial e da negação da política para ganhar apoios na família Bolsonaro. Depois de abrir a corrida com 1% nas pesquisas de intenção de voto, Witzel avançou ao segundo turno com 41,28% dos votos — contra 19,56% de Paes — e acabou eleito. O cantor católico se tornara vice-governador.

No Palácio

Mas esse governo durou pouco. Eleito na onda bolsonarista, Witzel rompeu com o movimento, não tinha simpatia da esquerda e viu pedidos de impeachment se acumularem contra ele na Alerj. Em junho de 2020, o presidente André Ceciliano (PT) aceitou um pedido robusto, que incluía acusações de superfaturamento na construção de hospitais de campanha na pandemia de covid-19. Politicamente isolado, o ex-juiz teve o mandato cassado por 10 votos a 0 em tribunal formado por desembargadores e deputados estaduais.

Com o afastamento definitivo do titular, Castro virou governador em 1º de maio de 2021 desafiado a se distanciar da gestão impopular do ex-aliado. Ainda desgastado pela corrupção da gestão Witzel e investigado pelo Ministério Público por suspeita de fraude na compra de cestas básicas na pandemia de covid-19, o novo mandatário trocou a negação da política do antecessor pela boa relação institucional para se segurar no cargo.

José Paulo Martins, professor do Departamento de Ciência Política da UFF (Universidade Federal Fluminense), disse à IstoÉ que Castro teve “sorte e capacidade” após herdar a cadeira. “Se Witzel perdeu apoio do bolsonarismo e se queimou sozinho, seu sucessor teve habilidade política para se afastar dos escândalos e conquistar o apoio de prefeitos, deputados e até de setores da esquerda”.

Diante de um conhecido cenário de expansão do Comando Vermelho e ampliação do domínio territorial das milícias, apostou em operações policiais ostensivas em comunidades da capital e, ainda no mandato herdado, determinou ações no Jacarezinho e na Vila Cruzeiro que somaram 52 mortes.

A linha dura na segurança, ali, já virou capital político. Filiado ao PL, ganhou o apoio da família Bolsonaro para enfrentar o deputado Marcelo Freixo (PSB) na disputa pela reeleição. Conhecido defensor dos direitos humanos e da redução da violência policial, Freixo organizou uma chapa ampla — seu vice, vale lembrar, foi o ex-prefeito César Maia (no PSDB) — e amealhou o apoio de Lula para enfrentá-lo, em posição de antagonismo claro.

Havia incerteza quanto ao desempenho do incumbente. Mesmo afiançado pelo PL e ostentando bandeiras do espectro, Castro era criticado na direita radical. Apostando em uma campanha menos ideológica, foi reeleito ainda em primeiro turno, com 58,27% dos votos — 4,93 milhões a mais do que os 10 mil que o tornaram vereador apenas seis anos antes.

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Foi nesta campanha, contudo, que o Ministério Público Eleitoral viu abuso de poder econômico e político de sua gestão na criação de milhares de cargos sem transparência no Ceperj (Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro) e na Uerj (Universidade do Estado do Rio).

Conforme a denúncia, aliados do governador e de outros políticos do PL no período eleitoral foram empregados para atuar como cabos eleitorais. O governador foi absolvido no TRE (Tribunal Regional Eleitoral) em maio de 2024, mas o MPE recorreu ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Na terça-feira, 4, a ministra Maria Isabel Galiotti votou pela cassação de seu mandato antes do julgamento ser interrompido por um pedido de vista. Castro defendeu a legalidade das ações e disse confiar na Justiça Eleitoral.

Passaporte para 2026

Apesar do risco de perder o cargo, o governador alcançou seu maior patamar de aprovação desde 2022 após a megaoperação contra o Comando Vermelho que deixou 121 mortos nos complexos do Alemão e da Penha, na capital fluminense. Segundo o Datafolha, 40% dos entrevistados na capital e região metropolitana classificam o governo como ótimo ou bom, ante 34% que o consideram ruim ou péssimo.

Já a AtlasIntel mostrou que 36% dos cariocas aprovam o trabalho de Castro na segurança pública, contra 27% no caso do governo Lula. Apesar dos questionamentos da Defensoria Pública e da ONU (Organização das Nações Unidas), Castro classificou a ofensiva policial como um “sucesso”, disse que as únicas vítimas foram os quatro policiais mortos e, na prática, ganhou pontos no campo de oposição ao petista.

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A maior parte da população está incomodada com o domínio dos criminosos, que ameaçam os moradores com violência ou dominam a prestação de serviços e cobram por eles, no caso das milícias. Isso dá respaldo popular à adoção de violência no enfrentamento ao crime organizado“, disse José Paulo Martins. “Na prática, elas acontecem justamente porque há benefício político [ao governador no cargo]”, concluiu.

O mandatário viu governadores de outros estados formarem um “Consórcio da Paz” em seu apoio e a militância bolsonarista, antes reticente, passar a apoiá-lo nas redes sociais. A nova maré pode turbiná-lo como candidato ao Senado pelo grupo em 2026, posição que antes estava em risco — com duas vagas em disputa, os senadores Flávio Bolsonaro (PL) e Carlos Portinho (PL) querem buscar a recondução.

Para concorrer ao cargo, no entanto, Castro terá de renunciar ao governo até abril e resolver um dilema quanto à definição de um sucessor nas urnas. Ex-vice, Thiago Pampolha (MDB) foi nomeado conselheiro do TCE e transferiu a posição na linha sucessória para Rodrigo Bacellar (União Brasil), presidente da Alerj e antes favorito do governo à candidatura. O deputado, no entanto, entrou em rota de colisão com a direita e passou a ter a posição em cheque; em meio à popularidade da megaoperação, o secretário estadual da Polícia Civil, Felipe Curi, também passou a ser cotado para o pleito.